Contágio

Alguns participantes consideram que não deveriam ter contraído a hanseníase. Mais frequentemente argumentam que não tem outros casos na família, e alguns dizem que sempre foram cuidadosos com sua higiene, seu corpo e sua saúde. E, geralmente, concluem “eu não sei de onde nem porque eu peguei”. 

Todos esses fatores se encontram no relato de Adriana:

Adriana - “Eu fiquei muito, assim, chateada. Eu sempre me cuidei, sempre uma pessoa que sempre foi limpa, sempre teve aquele cuidado. Meu marido trabalhava em uma empresa, já há muitos anos, tinha plano de saúde, eu sempre... Eu fiz duas cirurgias, eu tirei o ovário, fiz uma atrás da outra e, assim, eu sempre de 6 em 6 meses estava fazendo os exames, estava fazendo tudo. Até hoje eu me pergunto como eu peguei essa doença. Minha família, eu não tenho contato com a família. [...] Então, a gente fica sem saber o porquê”.

 

Alexsandro e Fábio destacam a sujeira das roupas, na ocupação e no ambiente de trabalho insalubres.

Alexsandro - “na minha família ninguém tem hábito disso, dessa doença. Não sei onde eu peguei. Pode ser também que eu peguei contraindo, trabalhando na moto, ou pode ser na REDUC também, aquelas roupas que botava pra lavar”

Fábio - “Eu trabalhava também, eu mexia muito com lixo, entendeu? Porque teve uma época na minha vida que eu trabalhei de carroceiro fazendo limpeza, tirando entulho, batendo pá, fazendo limpeza de porão, essas coisas, então possa ser até dali, limpando coisa de... poeira de pombo, essas coisas. Possa ser que possa ter vindo daí.”

Izaías se refere ao ambiente das brincadeiras na infância, ao qual atribui o contágio da doença. “Lá onde a gente morava tinha um valão, e era tudo mato, a gente ficava brincando ali embaixo, correndo atrás de pipa, dentro do brejo, a gente corria, caçava rã, essas coisas. Então eu acho que foi por aí.”

 

Um familiar próximo que tem a doença e não se trata, é uma razão possível para o contágio, que geralmente só é reconhecida após o contágio.

Eu não sei se o motivo de eu ter adquirido foi o contato com a minha avó, porque na época ela teve a doença, mas ela não fez o tratamento, porque é pessoal do Norte, da roça, estas coisas, ‘vamos cuidar com chá disso, com banho daquilo’. E eu convivia com ela, eu dormia e acordava na mesma cama com ela. Então eu creio que foi por isso. [...] Eu aprendi, quando descobri, que é no ar. Se você ficar perto de uma pessoa que tá com o bacilo e não está em tratamento, você pode pegar, mas a pessoa estando em tratamento você não pega.” (Maria da Saúde)

 

Cíntia, Jucenir e José Vieira também acreditam ter se infectado no convívio familiar. 

Ele chegou a se cuidar [irmão com hanseníase], mas na época que ele foi lá em casa, ele não tinha se cuidado, entendeu? Apesar que eu não sei se eu peguei dele mesmo, porque minha avó também morreu disso. (Cíntia)

 

Jucenir também considera ter se infectado a partir do convívio estreito e longo com seu irmão, numa família com vários casos. “Teve meu pai, meu pai teve hanseníase e passou, só que o tratamento dele foi curto, 6 meses, meu sobrinho também foi curto, 6 meses, e meu irmão que passou mais de 13 anos em tratamento, e até hoje ele tá em tratamento. Inclusive quando ele teve a hanseníase, eu não tinha, eu ficava com ele, apoiava ele, em tudo eu estava com ele. E o pessoal começou a ter preconceito com ele, naquela época era muito... Não falava hanseníase, falava lepra na época que ele teve.”

Na família de José Vieira, seu cunhado foi o primeiro a adoecer e se tratar, a quem toda a família atribui a “culpa” pela transmissão da hanseníase. Depois seu pai, sobre quem José nos diz: ah, o pessoal antigo é mais difícil de entender as coisas, mineiro ainda... [...] ele caiu os dedinhos, mas se tratou”. José foi o primeiro filho a adoecer, e em seguida mais dois irmãos adoeceram também. 

Maria Anábia adoeceu aos 6 anos, e diz que “os médicos, que diz que acha que foi pego do meu pai, pelo sangue. Não sei. Pode ter sido gerado, ela ficou incubada, não apareceu, aí depois de seis anos de idade ela apareceu.”

 

Por vezes em vez de um familiar, um colega de trabalho de longo convívio foi considerado como uma razão possível para o contágio.

“...pela investigação social que fizemos na família, eu sou o primeiro caso deste tipo na família. Inclusive, é um primeiro caso e a gente relaciona ele com o meu trabalho. Por ter trabalhado muitos anos com um ex-portador de hanseníase, que já passou pelo tratamento e já curou, acredita-se que foi através deste contato duradouro, por vários anos...” (Matheus)

 

Felipe atribui a sua ex-namorada a contração da doença: “porque meus avós não têm, minha mãe não tem, meu pai não tem, meu irmão não tem, e a única pessoa que convivia comigo, que dormia sempre na minha casa comigo todo dia era minha namorada, então, pelo que eu imagino, a única possibilidade é minha ex-namorada”. Reforça sua hipótese pelo fato de sua ex-namorada ser originariamente de área endêmica, no caso Mato Grosso. É importante destacar que o fato de Porto Velho, Rondônia, ser uma área endêmica, em momento algum foi falado.

 

A única pessoa de Rondônia a referir aqui é uma região endêmicafoi Marizélia.

Em área endêmica, locais públicos com grande quantidade de pessoas, dentre as quais pode haver alguém que esteja com hanseníase e não saiba ou não esteja em tratamento por abandono ou alguma outra razão, são locais possíveis onde seria mais fácil o contágio. Isto é dito por alguns participantes.

Geraldo que adoeceu criança, tendo ido para a colônia onde sua mãe estava internada, não se referindo ao seu caso, diz acreditar que a hanseníase é contraída a partir de pessoas que “não estão em tratamento ou que abandonaram o tratamento [...] essas pessoas podem estar onde tem bastante gente, banco, ônibus, hospitais; a gente não vai saber quem é doente e quem não é”. 

 

Erico e Eliane, ele do Rio de Janeiro e ela de Porto Velho, também acreditam que se infectaram num ambiente público, como um transporte coletivo, a partir de alguém que estava com a doença e não sabia, e que não dava importância à(s) mancha(s) no corpo, pois depois sumiria(m). Ou como nos diz Eliane: “eu trabalhava, levantava 5 horas da manhã, 5:30hs estava no ponto de ônibus. Você se senta no banco do ônibus e você não sabe quem tá, se tem algum problema, você se senta ali, você tá à mercê. Não sei.”

 

David, que ficou chateado porque as pessoas, “por ignorância”, diziam que ele “procurou isso” [hanseníase], diziam que ele era “culpado”, faz questão de argumentar: “Então, como é uma doença que, segundo a médica, pega por bacilo, segundo a médica falou, a transmissão vem se a gente conversar com a pessoa e se pessoa tiver com problema, aí passa, então como é que vai saber? Não tem como. É tipo a tuberculose, essas outras doenças, sabe? A gente não sabe, pode pegar no ônibus, no mercado, em qualquer lugar.”

 

Ana das Graças considera que “se a gente tá com a imunidade baixa, até alguém, que tem e não está em tratamento, dentro de uma condução, der um espirro, você pode contrair. É o que eu creio que deve ter acontecido comigo.” No entanto, em seguida, nos relata que tem uma prima que a considera como irmã, a quem ela se dedicou durante seu adoecimento por hanseníase: “eu ia lá e fazia comida e levava pra ela, eu ia lá e conversava com ela, e ela entrou em depressão muito forte. [...] Eu não tive, eu não peguei dela, porque senão eu teria tido a mesma que ela teve. [...] Eu penso que deve ter sido numa condução, alguém perto de mim.” 

 

Outras razões foram a forma de contágio para outros participantes:

João Carvalho afirma que contraiu a hanseníase numa relação sexual: eu botei a camisinha, mas eu encostei na pessoa, aí eu peguei da pessoa, que estava com hanseníase, mas não fez o tratamento

Pessoas de Rondônia fizeram referência à carne de caça ou peixe. 

Francisca diz que não sabe como adquiriu a doença, mas conta que “minha vó falou que se comesse carne de tatu... muita carne de paca do mato, dava isso [hanseníase]”. Até 15 anos, “fui criada no interior comendo carne de caça”. Maria Elena diz achar que é “o contato”, embora algumas pessoas lhe disseram que era “um peixe” e outras que era “um animal de caça”. 

Taísa pensa que foi do sol. “Porque eu gostava muito de estar no banho, e aquelas águas do Rio Candeias ali... e o sol quente”. [...] se a pessoa ficar muito tempo no sol, aí diz que pega, me disseram que é do sol, mas eu não sei se realmente é do sol.”

Por vezes, a determinação do adoecimento é de outra ordem, e não da pessoa que teria feito, ou não, algo. Assim pensam Izaías e Josefa.

“Eu não sei. Parece que quando é pra pessoa pegar, a pessoa pega, mas Deus sabe o que faz. Sabe o que faz.” (Izaías)

“Do tempo. Porque isso ninguém pega de ninguém não, porque se fosse os meus filhos tudo tinham pegado e meu marido. Isso é quando a pessoa nasce e já vem destinado àquele fim, é daquele jeito que Deus determina. Porque tem gente que fala assim, "ah, seu fulano pegou de fulano". De quem foi que o primeiro pegou? De ninguém, veio do tempo. Deus permitiu e ele acolheu.” (Josefa)

 

Todos os participantes foram esclarecidos e muitas vezes nos contam que perguntaram explicitamente se poderiam contaminar pessoas próximas do seu convívio. Apesar de saberem que estando em tratamento não transmitem mais a doença e por isso não precisam fazer qualquer isolamento, permanecem com algum receio.

Cintia nos relata que quando recebeu o diagnóstico, as primeiras pessoas que ela pensou foram seus filhos. José Alves diz que ficou com muito medo de contaminar as pessoas mais próximas, parentes.

Adriana nos conta que tem medo de contaminar a neta. “Eu perguntei à doutora se tinha que separar roupa de cama, assim, se isso tinha que separar talheres, se tinha que separar copos. A doutora falou que não, você está em tratamento, não precisa.”

Almir diz ter tido muito receio, mas sua esposa não, “em momento nenhum ela deixou de me beijar, de me abraçar, da gente ter relações...” Também teve medo de transmitir para seu filho através do suor, num abraço ao se cumprimentarem por um gol, jogando futebol. “Misturar com o suor e passar pra ele. Eu falava ‘não abraça o papai não, papai tá suado’; ‘ah, mas eu também tô’, ‘mas não abraça não, abraça não’. Ficou muito dessa parte em mim, desse preconceito”.

 

É importante destacar que, com exceção de poucos, muitos participantes afirmam não saber onde ou como se infectaram e contraíram a hanseníase, embora muitos tenham pensado de um ou outro modo, mas raros são os que têm convicção, e muitos dizem não saber. 

Eu não sei onde foi que eu peguei hanseníase.” (Antônio)

“Eu não sei. Apareceu com meu pai, ele já estava com idade de uns 40 e poucos anos... Mas logo quando apareceu nele, logo apareceu em mim também.” (Elias)

Na família não tinha, não sei de onde veio, de onde peguei, não faço nem ideia.” (Ermelinda)

Até hoje eu tento imaginar como foi que eu peguei. Porque antes, assim, que eu lembre, eu nunca ouvi falar de nenhum caso na família”. (Lóris)

Por que aconteceu, como que aconteceu, fico nessa pergunta, não tenho resposta. (Maria Luiza)

Até onde eu fui informado, você tem, às vezes pelo contato, às vezes você pega até no ar. Porque tem muita gente que tem, mas não sabe que tem. Então, eu não sei por onde peguei. Mas meus familiares, nenhum, não tiveram.” (Marcos)

 

“Eu não sei. A gente nunca sabe de fato.” (Marizélia)