Mesmo que a comunicação do diagnóstico da hanseníase seja uma tarefa usualmente atribuída aos médicos, os outros profissionais implicados no cuidado também conversam sobre o diagnóstico recebido e suas consequências. Elen, assistente social da equipe multidisciplinar do hospital universitário da UFRJ, diz que o momento do diagnóstico é frequentemente recordado pelos pacientes por ser “inesquecível” a eles. No trabalho que desenvolve no grupo de autocuidado e nos atendimentos individuais, Elen refere que a lembrança do diagnóstico vem acompanhada da lembrança do preconceito sofrido, dos danos causados, dos impactos nas relações familiares e do difícil processo de aceitação da doença. Entretanto, muitas vezes a lembrança do momento do diagnóstico pode evidenciar a superação:
"Esse é um momento que é inesquecível pra eles. Então os pacientes, embora às vezes já estejam curados há anos, ele sempre se recorda daquele momento, o que foi aquela experiência, o quanto foi difícil receber o diagnóstico, o quanto foi difícil a família aceitar, os preconceitos, tudo que ele sofreu, as perdas, os danos causados a partir desse diagnóstico. Essa memória tá sempre viva nos pacientes, ainda que eles consigam superar, hoje ter uma outra qualidade de vida, ter uma outra aceitação, mas é um momento muito traumático, muito sofrido, muito isolado do paciente, então isso sempre traz e se recorda. Muitos até trazem essa experiência pra apresentar pra outras pessoas que estão iniciando o tratamento o quanto aquilo foi doloroso, sofrido, mas que ele foi capaz de superar e hoje tem um outro olhar frente essa doença, um outro olhar diante da vida, uma outra experiência. Então, apesar de sofrida, ela traz um outro lado, de superação."
Ao falar sobre o diagnóstico, percebemos em vários dos relatos que o papel que os demais profissionais da equipe de cuidado desenvolvem é complementar à comunicação diagnóstica do médico. Muitas vezes, o impacto psicológico de receber o diagnóstico pode dificultar a assimilação de informações importantes que são abordadas pelo médico ou médica neste momento. Sendo assim, é de suma importância sanar dúvidas que podem surgir ou retomar conceitos cruciais sobre tratamento, cura, transmissão ou autocuidado. O vínculo do profissional com o paciente se mostra uma fonte de incentivo, até porque muitos pacientes podem não estar à vontade para perguntar. É o que nos relata a fisioterapeuta Rosângela:
“E quando eu vejo que precisa, a gente faz uma reunião com a equipe multidisciplinar e eles, e a gente deixa dizerem seus depoimentos, tirarem as dúvidas, perguntarem, e aí a gente vai conseguindo sanar, até aqueles mais retraídos eles acabam se soltando, e a gente consegue alcançar”.
A técnica de enfermagem Antônia reforça a ideia da fisioterapeuta: “E a gente frisa muito mesmo: você entendeu? Você entendeu a importância de você tomar a sua medicação em dia? Você entendeu a importância de você vir pros retornos? Você entendeu a importância do cuidado que você tem que ter? Então a gente procura ao máximo que esse paciente saia daqui sem dúvida alguma, porque a gente sabe que se o paciente sair com dúvida, perguntas no ar que não foram respondidas satisfatoriamente, esse paciente possivelmente ele vai ser um paciente irregular, em algum momento ele vai abandonar o tratamento"
Além de complementar, reforçar e estar aberto a esclarecer, os demais profissionais da equipe desempenham um papel essencial no acolhimento do paciente após o diagnóstico. Mabel, professora da UFRJ e fisioterapeuta da equipe multiprofissional, narra que muitas vezes o serviço de fisioterapia é o primeiro lugar que o paciente vai após o diagnóstico. Como chega com a “face assustada”, Mabel defende ser essencial uma participação ativa em seu acolhimento, neste momento em que assimila o diagnóstico. O acolhimento é também imprescindível nas sessões de fisioterapia subsequentes.
“Hoje muitas vezes na UFRJ a gente tem o diagnóstico que é fechado no ambulatório, só que, arquitetonicamente, geograficamente, é muito longe o ambulatório de dermatologia da fisioterapia, então, às vezes o paciente chega na nossa sala com face muito assustada, não sabe o que tá fazendo com aquela informação, recebeu uma pedrada na cabeça, literalmente falando, e não sabe o que fazer, não sabe o que vai ser orientado. E, às vezes, é nesse momento que o paciente consegue relaxar, perguntar, e existe todo aquele momento dramático realmente que é da aceitação da doença. (…) Muitas vezes a gente complementa esse diagnóstico que o médico dá, que cabe a avaliação, explicar o paciente como vai ser o tratamento, tanto medicamentoso como fisioterapêutico, como é que vão ser os cuidados do dia a dia, o autocuidado, as inspeções, o cuidado ao lidar com objetos"
Conversar sobre a hanseníase após receber seu diagnóstico pode ser difícil para muitas pessoas. Alguns pacientes reagem com surpresa, e, mesmo com a conversa da equipe multidisciplinar, pode ser difícil aceitar a doença. A decisão de esconder o diagnóstico de familiares ocorre com certa frequência, e outros acabam não aderindo ao tratamento. A fisioterapeuta Rosângela nos conta sobre o caso de um paciente que negou a doença por muito tempo: “o médico já escreveu qual é a forma mas, mesmo assim, ele diz pra toda equipe multidisciplinar que ele não tem hanseníase. O que ele tem é que ele tava lutando muay thai, e ele caiu e isso fez com que a mão dele ficasse em garra, sendo que ele tem o diagnóstico, fez o tratamento medicamentoso, fez uma cirurgia por conta da hanseníase, e ele diz, ele segue confirmando, que ele não tem nada”
Algo que também acompanha a conversa sobre o diagnóstico da hanseníase é o preconceito. O preconceito pode partir do próprio paciente em não aceitar estar com a doença, mas também parte de pessoas a sua volta, como compartilha a fisioterapeuta Rosângela “Alguns, eles vivenciam isso muito forte, eles mesmos com eles mesmos têm muito preconceito de ter a hanseníase, de ser portador de hanseníase, e às vezes as outras pessoas têm com eles”
Outro aspecto ao conversar sobre o diagnóstico é pensar na cura da doença. Na visão da fisioterapeuta Silvana é necessário explicar as etapas da hanseníase. “Eu acho que é muito importante que a gente explique pro paciente passo a passo a questão da cura, a gente explica pra ele que essa cura é uma cura clínica. Porque às vezes a gente vê que, quando a gente tá num hospital de referência, às vezes o paciente chega pra gente 6, 7 anos pós-cura clínica apresentando uma reação e o paciente está muito decepcionado, ele está muito desacreditado porque ele não sabia que daqui há algum tempo ele pode apresentar algum tipo de sequela, algum tipo de reação, e quando ele começa a apresentar e ele não tem conhecimento disso, muitas das vezes ele vem muito descontente e isso afeta o paciente.”
Por fim, Rosângela ressalta a importância de dar uma perspectiva positiva ao paciente “Cada um é um, não dá mais pra ter aquela vida que você tinha, mas você vai viver com menos ou de uma forma diferente, mas você vai continuar vivendo. Porque as pessoas acham que aquilo ali é o fim, e nunca é o fim, sempre tem algo na frente, enquanto tem vida, tem esperança.”