Houve muito conflito para as pessoas, as famílias, a sociedade sobre adotar ou não ações preventivas como o uso de máscaras, a não aglomeração, a quarentena, o isolamento social, assim como sobre o tratamento preventivo ou precoce com o “kit Covid” constituído por ivermectina, hidroxicloroquina e azitromicina. Houve também a veiculação de muitas notícias controversas, as caracterizadas fake news, sobre a doença e seu tratamento que colocavam em xeque a veracidade de muitas informações sobre o assunto e que reforçavam a desconfiança até mesmo sobre publicações de sites oficiais do governo.
Para Barbara Caline, que adoeceu em fevereiro de 2021, isso era um problema “Não entrava no site do Ministério da Saúde, porque não sentia confiança, não sinto até hoje, cheguei a acessar o site da Federal do Ceará, com algumas considerações, mas surgiu umas fakes news na época, e algumas coisas que meio que me assustava que estavam surgindo, e realmente eu comecei a ver que o nível de ardilosidade tava tão grande que eles conseguiam pegar brasões, marcas d'água, e conseguiam fazer documentos bem toscos, sabe?”
“Eu peguei muito no início da pandemia. Eu vejo essa manipulação do governo muito de querer minimizar a situação, como se isso fosse apagar o número de mortes, como se isso fosse apagar o número de órfãos. Então, para que as pessoas não parem de trabalhar para a economia continuar, mas é uma coisa muito, muito desumana. É um pensamento que o mais importante é o dinheiro, é muito macro, não pensar que o macro, é sustentada justamente pela aquela base, por aquelas famílias, para aqueles trabalhadores que precisam se expor, às vezes no transporte público para a grande massa, então é péssima a abordagem desse governo. É vergonhoso a forma como [a pandemia] foi tratada. Acho que até a questão da vacina mesmo, acho, teve... Eu perdi pessoas próximas com a COVID, que já tinha vacina, que se não fosse pela incompetência do governo, poderiam já ter sido vacinadas e poderiam ter pego sim, mas não desenvolver a forma grave. Então é muito ruim, muito triste, ver a forma como o governo tratou, e a gente percebe que só teve um passo atrás por conta da repercussão internacional. Paula internada em junho de 2020.
“Você escutar de algumas pessoas, não só dela [mãe], mas de passar o que eu passei por não ter tomado remédio ou que eu deveria ter feito isso, deveria ter feito aquilo, realmente, você tem que respirar fundo e dizer assim ‘cara, graças a Deus tô bem’, muitas pessoas não tiveram a mesma oportunidade que eu, o que por um lado me deixa muito feliz, mas por outro lado como é triste. Tudo isso das famílias e das pessoas que ficam, é triste demais. […] tive duas discussões homéricas em relação a isso no grupo da família: uma foi com minha mãe e outra foi com o grupo de família também. [...] Cloroquina, ivermectina e blablablá e tem que fazer isso, pensando em coisas sem lógica, eu não consigo conceber que remédio de parasita consegue matar um vírus. Eu sou formado, assim eu tenho discernimento, gosto de buscar informação, eu estudei.” Marcio internado em março de 2021.
“Se eu te falar uma coisa, eu não sei se você vai querer gravar [risos]. O meu irmão, teve sintomas muito mais graves que o meu, e ele foi para uma clínica particular, estava superlotada, demorando a atender e ele muito cansado. Você… não sei se vocês sabem, mas dentro das comunidades, qualquer remédio você compra numa farmácia. E ele comprou um kit para ele de antibióticos, várias coisas e mais uns chás, mais as ervas. Eu sei que a família toda..., mais caldo de galinha, mas que sei lá o que fizeram com ele, e ele com três dias ele não tinha mais nada, e ele já tinha uma situação muito mais grave que a minha. Mas eu, por ser profissional da saúde, não quis fazer nada preventivo. Eu falei ‘vamos esperar essa bendita comprovação científica’. Era o certo a fazer, mas muita gente perdeu porque essa prevenção tinha que ter chegado nesse momento”. Janilda, internada em maio de 2020.
“Mas eu vou ser bem sincero com você, em alguns momentos assim, cara, que eu ainda, tinha saído hospital, “será que se eu tivesse tomado essa porcaria?” Eu aí depois de um tempo. Vitória todo mundo conta, mas derrota essa galera não conta mesmo.” [...] Marcio, internado em março de 2020.
“Eu falei para a minha esposa que antes de eu ficar doente, eu falava pra ela, se eu adoecer eu estou disposto a tomar uma caixa de hidroxicloroquina, se der um caminhão eu tomo. Eu tinha relatos de pessoas que fizeram o uso da hidroxicloroquina principalmente e que a doença não avançou. Se vai funcionar em mim ou não, eu não sei, mas eu quero correr esse risco. Eu não queria passar pelo que eu passei, porque eu quase morri, então prefiro morrer tentando algo do que morrer pela doença.” Júlio, internado em março de 2021.
“Se tem alguém que duvida de que mesmo você sendo saudável, mesmo você praticando exercício, você não pode desenvolver uma forma grave e vir a falecer, é possível sim. Então, as pessoas ficarem mais conscientes mesmo nisso, principalmente os jovens que acreditam que não correm perigo, só pelo fato de serem jovens, e se expõem mais. Então, foi vendido muito como uma doença para mais velho no começo”. Paula, internada em junho de 2020.
"Depois de tudo que eu passei ainda falaram assim pra mim: ‘Marcelo, eu não acreditava nisso, que era possível, ver o que você passou, eu não acreditava que isso poderia acontecer’. Isso é bem impressionante, até hoje tem pessoas achando que não pode ter um caso grave e morrer, apesar de tudo ser noticiado, como é e tal. Vai acontecer com alguém distante, mas não acontece com o próximo, isso é bem, bem impressionante”. Marcelo, internado em abril de 2021.
“principalmente o após covid me deixou mais, como é que vou explicar, prestando mais atenção nas coisas, assim, e mais indignado. Quando eu vejo pessoas aglomeradas, porque antes eu via e falava: “poxa, não pode"; hoje quase que eu desço do carro e esgano a pessoa, não fiz isso, mas eu penso em fazer às vezes. Me deixou mais indignado com algumas atitudes, principalmente com o negacionismo da doença, então hoje eu sou muito crítico em relação a isso. Eu falo: ‘gente, se você pesquisar aí no entorno, pega dez pessoas que você conhece, tem história de mortes, tem história de internação, tem história de intubação.” Marcial, internado em novembro de 2020.
“Eu daria um conselho para todo mundo assim: não brinca com a covid, não brinca com a covid, que essa doença é séria, com mais de 600 mil brasileiros mortos. […] Isolamento social é importante e o uso da máscara é fundamental, não aglomerem, isolamento social e uso de máscara até a gente atingir um numerozinho mágico de setenta por cento da vacinação. Quando a gente atingir esse número mágico, aí a gente começa a viver um pouco mais.” Marcial internado em novembro de 2020.
“Mas eu queria mostrar para os meus amigos, meus parentes, justamente para não perder nenhum deles. Que é verdade, porque eles debochavam. Eles estavam debochando da situação: ‘Isso não é nada, não pega não! Isso é coisa de… é só o que o bicho ruim quer mesmo, a gente tem fé em Deus!’. E eu: ‘Caraca, mas você não vê jornal não, mané?! Está pegando mesmo, vê na Fiocruz como é que está! Você mora pertinho…’. E nada, nada. Foi a hora que eu peguei, e eu quis mostrar para eles que realmente é verdade. Eles têm que viver para eles verem. Peguei minha moto quando fui trabalhar, eu fui escondido lá, aí cheguei lá pilotando devagarzinho, e hoje que eu corri também só pra mostrar para eles, aí chega eles: ’ih ó Nelson aí!’. Eu não queria nem falar, ficam: ‘Se afasta, se afasta aí’. Aí eu: ‘Vocês têm que acreditar hein! A coisa é verdade mesmo!'”. Nelson, internado em maio de 2020.
As negligências governamentais no Brasil, foram diversas, Gilson, por exemplo, internado em Manaus, em janeiro de 2021, no auge da crise de oxigênio que ocorreu no estado do Amazonas relata a forma como as informações lhe foram passadas e as distorções existentes sobre a origem da doença e as questões políticas do país. “Chegou o chefe do setor administrativo, ele estava visitando todas as pessoas com a bela notícia ‘vocês serão transferidos para Brasília ou pra Goiás está faltando oxigênio no hospital.’ ” Gilson chegou a presenciar como essas distorções afetaram a percepção dos outros pacientes sobre a origem da COVID-19 “Tem uma história por exemplo de uma pessoa que ele chegou, ele, pelo que ele contava morava num bairro nobre da cidade e já chegou dizendo ‘ora! Se eu encontrar um chinês eu mato, se eu encontrar um chinês eu mato"'. E também afetaram as percepções sobre as posições que o governo do Amazonas tomou frente a crise sanitária enfrentada, devido à politização empregada à doença, no Brasil, “aí numa num desses momento lá do do foi a única vez que eu comentei quando eu vi o governador... do Amazonas indo para Brasília pedir tratamento precoce. Eu fiz algum comentário, ele disse, mas ainda bem que a gente tirou o Lula. Aí eu deixei pra lá, não falei mais nada, fiquei no meu canto quieto. observando aquela gente, porque aquela gente naquele plano de saúde que eu tinha, aquela gente é um agente mais da elite da cidade. Né?”
Além do governo brasileiro demorar a se posicionar com relação a compra das vacinas, o que só possibilitou que a vacinação para a prevenção do Covid se iniciasse em janeiro de 2021, depois de iniciado o programa de vacinação, com a competência em imunizar as pessoas que o nosso país sempre teve em relação às várias doenças infecciosas, veio a crítica do governo veiculada na mídia contra as vacinas.
“A gente fica preocupado assim, alguns noticiários, sempre colocam em suspeita as vacinas que foram descobertas em um curto espaço de tempo. E aí, falam de uma determinada vacina aí, que o intervalo para descoberta dela, quer dizer, descoberta, testagem liberação ao público, foi de pelo menos oito anos. Mas, assim, é como se fosse uma guerra, doutora, estamos numa guerra daí vem as grandes necessidades e vem as grandes invenções. Eu acho que a vacina é um pouco disso. No futuro, podem ter consequências, podem ter consequências, mas neste momento para se vencer essas batalhas a receita é essa, e tá dando certo. Não sabemos se a vacina vai ter efeitos que eles chamam de colaterais a longo prazo, a curto prazo, eu pelo menos eu não sinto nada.” Francisco, internado em fevereiro de 2021.
"Algumas condutas foram baseadas na política, no que eles acreditavam, tipo, kit covid, ivermectina, azitromicina, eu mudaria isso. Eu acho que a pessoa tem que pensar com a ciência e não com a política, não com seus ideais porque não existe isso. […]
No início, com meu pai, a gente aceitou tudo, como agora saiu a reportagem do plasma convalescente, da azitromicina... Nós tomamos azitromicina. Meu pai foi infundido com plasma de convalescente diversas vezes, mas assim, a gente tinha que tentar. O caso estava muito crítico, então nesse caso específico do meu pai, a gente liberou tudo o que pudesse, o que não pudesse, a gente autorizou vários procedimentos testes, sem comprovação científica, porque a gente não podia perder meu pai. Agora no meu caso não, quando eu estava consciente, quando eu estava bem e vi que não era uma coisa que eu concordava, eu disse que não.” Juliana internada em março de 2021.
“É, mas no trabalho, com certeza tá todo mundo vacinado, porque a gente tem que preencher... Eu de casa já preenchi o formulário de situação vacinal que você tem, e só pode entrar, o crachá da pessoa só é liberado para passar na entrada lá, quem for vacinado. [...] Não quer tomar vacina também não vai entrar para trabalhar, não tem opção. A opção é ir trabalhar ou, senão, pode perder o emprego. [...] Eu ia muito na Reduc, mesmo trabalhando em home office, eu ia para poder fazer o PCR, entendeu. Você entrava lá, a gente tinha à disposição lá, eram três pontos de coleta de amostras para você fazer o PCR.” Luiz, internado em março de 2021.
O governo federal deixou a desejar em várias questões relativas às medidas de controle e combate ao coronavírus. Eu, graças a Deus, eu tive um impacto reduzido, mas muitos que não têm as condições que eu tenho, morreram. Aí você vai potencializando conforme as pessoas vão tendo menos condições, os impactos nefastos dessa necropolítica, isso é uma necropolítica. É uma política de morte, realmente. Isso é lamentável. Essa total incompetência de um órgão como o Ministério da Saúde, que deveria ser o regulador, o administrador, o coordenador central de todas essas medidas de combate à COVID19 e, principalmente, em relação à questão da vacina, porque o PNI é um programa que outrora foi premiado nacional e internacionalmente pela sua abrangência, eficácia e pela sua competência. E agora a gente vê que está muito complicado. Melhorou, graças a Deus, agora, mas para muitas pessoas foi tarde demais. Para mim, veio, não veio tarde porque eu sobrevivi, mas poderia ter ficado tarde demais, como para algumas pessoas. Eduardo, internado em março de 2021.