Em março de 2020, no início da pandemia, a propagação da infecção, ações preventivas, mudanças de comportamento estavam se disseminando.
Em março de 2020, algumas pessoas como Miguel chegaram a produzir um evento onde expôs a si e várias pessoas no trabalho, sem consciência do risco.
“Em função de uma atividade profissional, eu organizei uma reunião aqui na empresa envolvendo quase 150 pessoas e não se falava ainda de riscos, isso foi em meados de março, se eu não me engano. Mais para o final de março, eu comecei a sentir alguns sintomas e aí já houve relatos aqui de alguns participantes daquela reunião que apresentaram também sintomas.”
Rosana Karina também não considerou as medidas preventivas recomendadas, no momento inicial, isso resultou em sua contaminação e na contaminação de sua família em abril de 2020. “No início, eu fui muito negligente, eu não usava máscara, você vê que a minha covid foi logo no início, né? E eu... por não acreditar no início, eu viajei pra lá, infectei meus pais”.
No entanto, outras pessoas rapidamente organizaram uma rotina na qual se sentiam protegidas. Nem todos puderam ficar em casa, trabalhar em casa no seu home office, fazer compras de alimentos online etc. Mas aqueles que puderam, especialmente nos primeiros meses, ficaram muito surpresos quando se perceberam contaminados pela COVID-19, até porque as pessoas acreditavam que podiam se proteger.
Em abril de 2020, o afeto despertado por um encontro casual com um velho amigo suscitou vontade de ajudá-lo, o que levou Verônica a incluí-lo nas suas refeições com as amigas do mesmo prédio, que era parte da sua rotina protegida: “nós estávamos passando a pandemia juntas, as 5, os apartamentos 101, 301, e eu 302. Duas em cada um, éramos 5 mulheres passando todas as refeições juntas e nos unindo. [...] Eu tenho mania de acolher muito"... O amigo, trabalhando diariamente em contato com outras pessoas, se contaminou e, num dos almoços, Verônica foi contaminada.
Em maio de 2020, Ana Cristina adoece apesar de “desde o dia 15 de março, eu não saí mais de casa”. Ela não foi informada que suas vizinhas de porta estavam infectadas. Frequentava o hall comum, assim como usava a lixeira comum aos dois apartamentos sem usar máscara ou qualquer outra proteção.
Mas houve muitas pessoas que precisaram se expor diariamente para continuar a trabalhar e ter o seu sustento e o da família. Dentre as pessoas internadas no sistema privado, a minoria precisou trabalhar presencialmente, ao passo que a minoria das pessoas internadas no SUS não trabalhavam presencialmente. Em ambos os grupos as pessoas que permaneceram em casa foram frequentemente contaminadas por seus parceiros.
Em abril de 2020, Viviane, que ficava em casa cuidando dos filhos, acredita que foi contaminada por seu marido que trabalhava fora, e pegava metrô todos os dias.
“Ele chegava em casa, como eu tenho um filho pequeno, quando ele chegava no portão as crianças já corria. Por mais que ele falava assim: ‘Não, não, deixa eu ir pro banheiro tomar banho’, mas as crianças já corriam, entendeu, pra falar com ele. Lá em casa todo mundo teve, mas eu tive pior.”
Em abril de 2020, também Jorge Luiz conta que, no início, não havia este cuidado com máscara, e sua esposa “tinha que sair porque é ela que faz tudo lá em casa; vai no mercado, vai receber”. Até que ela adoeceu e no terceiro dia ele adoeceu também com COVID.
Muitas pessoas, que foram internadas no sistema público de saúde, contraíram a COVID-19 trabalhando: costureira, prestador de serviço, profissional técnico-administrativo, motorista de aplicativo e vários profissionais de saúde.
Em abril de 2020, Ademir mantinha-se trabalhando no setor administrativo do escritório, portanto trabalhando internamente. Como ele nos diz, “eu acho que é um vírus, então ele pode estar em qualquer lugar. Tem várias hipóteses…” Ele complementa que tomou um ônibus, um Uber, foi ao centro comprar algo, e “parei no bar para beber um chopp, mas assim tentando manter uma certa distância.” Até que ele informa que o colega de trabalho dele, que fazia mais trabalhos externos, e mantém bastante contato com ele, uma semana antes adoeceu com COVID. Nesta época, Ademir ainda não usava máscara.
Em maio de 2020, Concelita nos relata que não sabe exatamente como se contaminou, mas em seguida nos diz: “não sei, porque eu costuro para fora e me dou com todo tipo de pessoas. Então é aluno que viaja logo que chega, costuro para alunos, eles vão na minha casa.”
Janilda, profissional de saúde, acredita ter se infectado no hospital pediátrico onde trabalha, em maio de 2020.
“É porque a gente conviveu com muita criança que estava, mas não tinha muitos sintomas. Acredito que foi ali que eu peguei. E começou todo mundo no setor a pegar, os técnicos… eu lembro que o pessoal da… os médicos começaram, nutricionista, assistente social, tinha muita gente pegando, um atrás do outro, e as pessoas entrando de licença.”
Em junho de 2020, Marcia Cristina adoeceu e acredita que a contaminação se deu no trabalho, durante a refeição “porque era o momento em que a gente tirava a máscara, que a gente tinha contato com os colegas que também estavam almoçando no mesmo local.”
Em julho de 2020, Edmilson, motorista de uma instituição para adolescentes privados de liberdade, associou o motivo de sua contaminação ao aumento do número de casos entre jovens e funcionários, constatado em uma grande testagem feita nos adolescentes e nos funcionários. “Quando resolveram fazer lá o exame, que o governo liberou o exame pra fazer lá mesmo na unidade, foi que detectou que tinha muita gente de covid lá, tanto os funcionários como até os próprios adolescentes que tavam lá, né? Então eu, provavelmente, devo ter pego lá, no trabalho”.
Em agosto de 2020, Carlos Eduardo, médico, trabalhando em mais de um hospital diretamente com COVID, acredita que se contaminou por falta de paramentação, de equipamento individual de proteção. E, em fevereiro de 2021, Renata, auxiliar administrativa da emergência de um hospital público, também atribui o adoecimento ao trabalho, mesmo em uso de EPIs, ela aponta que por estar na linha de frente de enfrentamento da doença, não estava isenta de adoecer “eu sou frente de linha, trabalho numa emergência. E tudo isso a gente vem estudando, fazendo proteção, usando EPI, fazendo todos os procedimentos legais. Mas, infelizmente, o vírus está aí…”.
Em setembro de 2020, Fabrício acredita que se infectou também trabalhando, prestando serviço num condomínio na Barra da Tijuca. Fabrício tem carro próprio e não usava transporte coletivo.
Seis meses depois do início da pandemia, em agosto de 2020, Margareth nos relata como acredita ter sido contaminada, destacando o comportamento das pessoas de não prevenção em situações que implicam o coletivo.
“Olha, eu tenho a certeza de que eu fui infectada pelo meu marido. Ele teve que fazer uma viagem ao Rio de Janeiro e ele se assustou muito na volta com um voo muito lotado, muitas pessoas sem máscara e as pessoas querendo levar a vida normal, então ele repensou se ele realmente pegaria aquele voo, mas aí acabou que ‘olha, eu já estou dentro do avião, agora é tomar os meus cuidados’, e inclusive assim, a pessoa que ele viajou do lado estava sem máscara, e ele ali delicadamente conversou com a pessoa, e perguntou se a pessoa não se incomodava de colocar a máscara e a pessoa disse que não usaria máscara e não acreditava que a máscara poderia proteger. Então meu marido pensou assim, pode não proteger a ele, mas pelo menos a mim poderia me proteger! Então meu marido acredita que ele se contaminou dentro daquele voo porque quando ele chegou em casa, 5 dias depois ele já começou a manifestar os sintomas.”
Alguns casos de adoecimento por COVID também estiveram relacionados à busca por atendimento devido a outros comprometimentos da saúde. No caso de José Luciano ele contraiu COVID, em fevereiro de 2021, após ser internado para realizar uma sessão de hemodiálise “eu fui pra um procedimento de hemodiálise num hospital de Salvador… num desses dias que estava na enfermaria... fizeram a coleta da gente, meu e mais três colegas que estavam na enfermaria, e cinco dias depois, próximo da alta da gente, veio o resultado de que nós fomos infectados pela Covid”.
Algo semelhante é atribuído por Soraia, ao buscar atendimento para uma crise de asma em junho de 2021 e ser diagnosticada com COVID. “Ao todo, pelo que eu me lembre, foram feitos cerca de cinco a seis testes de covid, só o último que veio dar positivo, isso eu já tava no hospital, então assim, acredito eu que ter pego a covid foi por consequência dessa crise de asma, que eu precisei dessa Emergência.”
Manter a distância social, o isolamento necessário é sempre difícil, Maria Claudia adoeceu em setembro de 2020, e comenta “na verdade, quando peguei foi até imprudência nossa, foi o aniversário do Diego, foram 16 pessoas aqui do meu prédio, e as 16 pessoas pegaram. Só que eu fui a única que fiquei muito mal.”
Em novembro de 2020, Marcial “tava começando a viver de novo, a sair de casa de novo”, mas como ele mesmo diz “não tinha vacina, não tinha proteção nenhuma”.
“Quando eu peguei covid, a curva pandêmica, ela estava no momento mais baixo, já estava se falando de “acabou”, “fim da pandemia”, foi em novembro de 2020. Então, foi naquele primeiro momento da flexibilização. Os bares começaram a abrir. E eu tinha ficado recluso de março até novembro, eu tinha ficado recluso, com essa queda da curva pandêmica eu comecei a sair mais, a comer em restaurantes, eu não sei precisar onde eu peguei, mas eu tenho quase certeza que eu peguei em um restaurante, comia em restaurante todos os dias. [...] o momento em que você fica vulnerável, você tem que tirar a máscara pra comer, e às vezes o ambiente é um pouco mais fechado, se tiver uma ou duas pessoas contaminadas lá, você pega, não tinha a vacina, não tinha proteção nenhuma então era mais complicado.”
E Gilson, por sua vez, adquiriu a doença em dezembro de 2020 ao se deslocar de Teixeira de Freitas-BA para Manaus-AM para passar as festas de fim de ano com os filhos, “eu cheguei de Teixeira de Freitas em Manaus para passar o natal e ano novo, no dia 19 de dezembro… Não me passou na cabeça, embora estivesse no auge da covid, que eu estivesse com covid, e eu já estava sem saber.”
No início de 2021, o transporte coletivo para ida ao trabalho é a referência mais frequente e, também, a volta à vida social.
Em dezembro de 2020, após ter retornado em agosto ao trabalho presencial “agarrada aos EPIs” com medo de contrair COVID, Camila adoece. Kátia Verônica também adoeceu no ambiente hospitalar de trabalho, em dezembro de 2020.
Reneé estava isolado em sua casa, pois havia sido afastado por ter comorbidades, até que recebeu um hóspede que se contaminou e trouxe a infecção para ele. Alcione também, embora trabalhando na linha de frente, acredita ter se contaminado através de uma pessoa que o visitou em casa.
Em novembro de 2020, Sergio adoece juntamente com seu irmão. Em janeiro de 2021, José Luiz é infectado por sua esposa, numa reunião de fim de ano, onde muitos familiares se contaminaram.
Mais uma vez, por conta do deslocamento necessário para o trabalho híbrido, as atitudes individuais de prevenção nem sempre protegem as pessoas em situações coletivas. O marido da Margareth e agora a esposa do Júlio, em março de 2021, se contaminaram e, também, a família.
“A gente acha que foi no ônibus, que ela trabalha em uma escola, ela é pedagoga, e a escola está em funcionamento híbrido. E o ônibus que ela pega é bem cheio, e teve um dia que ela relatou que uma mulher tossiu bem no rosto dela. Terça-feira, se eu não me engano. Aí ela, a minha esposa começou a ter sinais antes de mim, eu acordei numa madrugada de quinta com uma dor de cabeça forte, a minha esposa acho que foi na quarta-feira, ela já começou a apresentar prostração. […] e minha esposa estava de máscara, a mulher eu acho que não.”
Marcio sempre fazia uma longa viagem de carro para o trabalho. Em março de 2021, encontrou uma colega com quem habitualmente viajava e “nunca bateu nenhum teste positivo e tudo mais”. Só que, desta vez, esta colega comunicou a ele que havia recentemente estado com o irmão infectado. Ambos sabendo de que naquele dia havia um risco conhecido, mesmo assim, numa viagem de carro de 4 horas, Márcio nos conta que “acabei tirando a máscara, ar-condicionado, e beleza...” Chegando no destino o teste da colega deu positivo e Márcio foi contaminado.
No caso de Barbara Caline, ela atribui o seu adoecimento e o adoecimento do esposo, em fevereiro de 2021, à prática de atividade física em academia. Ela relata que “...a gente sabe que era uma escolha, a academia… mesmo que a gente tenha continuado fazendo as atividades físicas com máscara, tudo que tinha que ser feito, a gente via muitas pessoas baixando a máscara por conta da questão da atividade física, o ambiente fechado, ar condicionado.”
Em abril de 2021, Marcelo também nos contou como a disciplina do isolamento social se perdeu num momento em família. “A gente desde o início da pandemia tentou ser o mais regrado possível e sem muita informação sobre o que era certo ou errado ou até essas desinformações, mais essa questão de ficar em casa cuidando e tal”. E a contaminação se deu na própria família, “o único contato que eu acabei tendo, foi o que a gente supõe, que pegou e tal, foi com a esposa dele [irmão], que a mãe dela teve”.
A vida social, especialmente dos filhos jovens, por vezes foi o isolamento mais difícil de ser mantido.
Em fevereiro de 2021, Francisco adoeceu no Carnaval, e nos relata:
“Elas estavam em casa. É, doutora, elas não estavam indo à escola, mas a vida social elas tinham, sexta-feira e sábado elas saíam. Não estava completamente isolado. É difícil isolar o brasileiro. Assim, sendo um país tropical, é difícil isolar o brasileiro, eu acho, a não ser que você coloque tropa na rua.
Maria Isabel também se contaminou no convívio e cuidado da família, marido e filhos adolescentes.
“E aí, o que aconteceu, cuidei do Guilherme, dormi na mesma cama, isolei ele, fiquei levando e trazendo comida aquelas coisas todas e não peguei. Daí depois a Helena, minha filha, pegou, aconteceu a mesma coisa, fiquei em função da Helena, isolei ela e todas aquelas coisas que precisa fazer e, também, não peguei. E aí, o que aconteceu, o João, meu filho, teve um pouquinho antes de mim, ele foi na casa de um amigo do futebol, sei lá, não sei, todos estavam, todos pegaram. [...] e peguei do João.”
Já Eduardo e sua esposa grávida, depois de um ano em rigoroso isolamento social, também se contaminaram a partir dos filhos, que ainda crianças voltaram a frequentar presencialmente a escola, por dificuldades no aprendizado virtual, em março de 2021.
"Não deu uma semana, viu! Eles retornam na segunda-feira para a escola, quando foi na quinta-feira, o meu filho do meio, esse de três anos na época, começa com um quadro de febre alta. […] Exatamente. Depois a gente fica sabendo que o Daniel, no dia que ele retorna à escola tem uma confraternização de aniversário de uma coleguinha da escola, em que na hora do lanche, todos levantaram a máscara para comer o bolo e tomar um refrigerante ou suco. Ou seja, então é nesse momento em que a gente entende... Porque uma coisa quero que fique registrado, o Daniel aderiu totalmente às medidas de segurança, até hoje. [...] naquele momento, a gente entendia que a escola iria seguir o protocolo como deveria.”
Maria Claudia (setembro de 2020), Francisco (fevereiro 2021), Eduardo (março de 2021) e Maria Isabel (junho 2021) se contaminaram a partir dos filhos jovens e sua vida social.
Luiz e sua esposa também se contaminaram a partir dos filhos. Luiz estava em home office há um ano, quando se contaminou no aniversário da esposa, em março de 2021. Há três meses não via sua filha, que poucos dias antes passou mal e precisou ir à Emergência de um hospital, onde acreditam, que ela tenha se infectado.
Em maio de 2021, Augusto “já estava de saco cheio, me divorciei durante a pandemia, ficou eu e o meu cachorro em trabalho remoto. [...] entrei na estatística das pessoas que se divorciaram na pandemia. Durante um ano e tal, eu fui e tentei usar máscara, essas coisas assim, apesar do Leblon estar vivendo um carnaval na Dias Ferreira desde sempre. Então, depois de um ano e tal, você chega no limite, e comecei a não criticar o outro e comecei a sair com o meu cachorro, sem máscara, óbvio, em lugar aberto eu tava sem máscara. E aí, você vai lendo aquelas inconsistências, e pra mim eu já tinha pego isso [...] para mim eu tinha tido e tinha sido assintomático.”
Dentre as pessoas que não puderam trabalhar em home office, e contraíram a doença no ambiente de trabalho, estão os profissionais de saúde e outros profissionais, cujas características da profissão, além da necessidade imperiosa de sobrevivência econômica, acabaram expondo essas pessoas ao vírus.
Em março de 2021, Henrique relata que se contaminou no trabalho. Bombeiro militar, na época, estava trabalhando normalmente na escala 24/72. Como ele nos explica, à noite, quando não tinha socorro, dormiam no alojamento 4 a 5 colegas. “Peguei COVID no quartel, alguém estava contaminado e não sabia ainda que estava contaminado. [...] No meu quartel são 42 militares e cerca de 27 tiveram COVID. Nenhum ficou em estado grave como o meu.”
Glauciane, psicóloga hospitalar, a pedido da paciente que estava saindo de alta, “infringiu as leis” e abraçou a paciente, cujo contato havia sido grande durante sua internação. Alexandre, geriatra, esteve muito exposto especialmente com seus pacientes que não utilizavam corretamente a máscara por limitações na compreensão das normas de prevenção.
Em julho de 2021, Michael Douglas trabalhava como motorista de aplicativo. “Sempre me cuidei muito bem, sempre tentei fazer o procedimento que o governo, tanto a mídia, estavam mostrando que deveria ser feito, álcool em gel, sempre procurando usar a máscara. Mas acredito que por algum descuido meu, trocando dinheiro ou até mesmo um espirro ou algo do tipo, acabei contraindo. Bem provável. Foi trabalhando na época com o meu carro.”