Luiz Zanini - Médico de Família e Comunidade
Zanini, 57 anos, se autodeclara branco, casado e com 2 filhos, é médico da família com 34 anos de formado. Adoeceu em janeiro de 2021. Hipertenso moderado, conta que sua esposa tinha muito medo de que ele pegasse covid-19, pois ela achava que ele morreria. Entretanto, ele começa compartilhando que sua evolução foi diferente da que ela esperava. Quando percebeu os primeiros sintomas, foi 3 dias após tomar a primeira dose da vacina. Concomitante, sua esposa apresentou sintomas de COVID-19. Logo após ele positivou para covid-19.
Conforme o tempo passou, Zanini não apresentava os sintomas típicos da doença, mas sim um quadro de diarreia e dores nas costas. Entretanto, sua esposa apresentou sintomas mais graves. Mesmo os dois estando doentes, ele conta que sua maior preocupação foi com a esposa e a gravidade do acometimento dela. A partir disso, ele passou a fazer os afazeres domésticos, já que sua manifestação foi amena. Zanini se emociona ao contar que ficou com medo ao longo da evolução clínica de sua esposa. Eles foram algumas vezes fazer exames no hospital e ele diz ter sentido muito medo ao vê-la entrar, e ela não retornar.
No começo do ano, ele junto de sua esposa e outros familiares alugaram uma casa em Búzios na época da pandemia. Sua esposa começou a sentir os sintomas nesse período e logo Zanini e ela alugaram um quarto numa pousada com medo de transmitir para o restante da família. Porém, sua esposa ao fazer o teste do swab nasal, o resultado foi negativo. Então, decidiram voltar para a casa, onde nesse meio tempo outros familiares dela começaram a adoecer. Zanini acha que o teste foi mal feito, mas não sabe ao certo como houve a contração da doença.
De início, ele tomou hidroxicloroquina por 3 dias. Zanini acredita na eficácia desse medicamento, pois assistiu entrevistas e concluiu ser positivo o uso. Ele contou que teve que cuidar mais da esposa, e que nunca tinha precisado dar tanto apoio a ela quanto nesse momento. Na relação com os filhos, ele sente que os filhos encararam como se fosse algo leve, pois Zanini estava bem. Sua recuperação foi rápida e dentro de 15 dias conseguiu retornar ao trabalho. Mas, ao verem a mãe pior, se aproximaram mais para apoiar.
Para ele, a covid-19 foi uma doença desconhecida: “eu vi na China e quando vi já estava aqui. Quando você está vendo na televisão, parece que não vai chegar aqui nunca. Está lá em Marte e eu estou em outro lugar”. Zanini conta que começou a ler sobre a doença, mas muito do material que foi escrito, a seu ver, tinha um viés político e muitas notícias falsas. Esses pontos fizeram ele se afastar um pouco da busca de informações para voltar a buscar depois de certo tempo, quando havia informações mais “consolidadas”.
Partindo do ponto de vista profissional, Zanini compartilhou que no início da pandemia chegou na clínica da família um homem diabético, taquidispneico, e ao aferir a oxigenação o oxímetro mostrou 87% de saturação. A ausculta pulmonar não mostrava alterações. Zanini levou o paciente para a sala de observação, mediu a glicemia, para confirmar que o quadro não era consequência da glicemia descompensada. Ao aferir de novo a oxigenação, estava 97%, o que fez ele liberar o homem. No dia seguinte, a chefe de Zanini ligou para ele e disse que o homem deu entrada no pronto socorro com a respiração descontrolada e faleceu. Zanini contou que isso o marcou muito, pois naquele momento não havia condutas específicas para lidar com a covid-19. Ele disse que, com o tempo, se tornou mais fácil o reconhecimento dos casos.
Ao voltar a trabalhar, após o adoecimento por covid-19, Zanini contou que sentiu um cansaço físico por uma semana, quando se recuperou plenamente, voltando a trabalhar normalmente. Quando ele retorna a atender na clínica da família, passa a atender pacientes que não tinham covid-19. Ele diz que do ponto de vista profissional, começou a perceber como a pandemia influenciava a população que não estava doente, deixando-as ansiosas. Ele compartilhou sobre uma senhora que chegou a ir 4 vezes à clínica da família com crises de ansiedade, que pareciam sintomas gripais da covid-19, e isso confundia a equipe.
Zanini disse que voltou a buscar informações sobre a covid-19, mas que não tinha certeza da veracidade das informações. Paralelo a isso, ele se mantinha atualizado por meio dos grupos de WhatsApp em conjunto com outros médicos e também pela experiência que foi construindo no decorrer da pandemia.
Na vivência de Zanini, a atenção primária atuou fortemente junto aos pacientes com covid-19. Uma vez vacinado, durante um tempo, foi o único médico da equipe que trabalhou o dia todo atendendo pacientes sintomáticos respiratórios. Ele contou ainda que faltam estudos robustos para verificar o benefício de medicamentos como a hidroxicloroquina e, por isso, não prescrevia aos pacientes, por mais que ele tivesse tomado: "Você imagina, eu vou passar um remédio para uma pessoa, uma medicação que é questionável, para uma pessoa que não consegue na clínica, que vai ter que comprar […] eu posso causar um problema. E se eu faço isso e realmente não é tão forte a influência dessa medicação?”.
Ele relatou que na clínica da família era uma luta constante contra um “inimigo invisível”. E ele percebeu como os colegas lidavam com a situação. Diz que após receberem a vacina, muitos sequer usavam os EPIs, como luvas, máscaras: “além de colocar a pessoa em risco, colocava outras pessoas em risco”. Ele relatou que sabia que ao chegar em sua sala tudo estaria contaminado, pois os colegas não tinham o cuidado necessário com a assepsia.
Ele também nos contou sobre os pacientes. Diz que muitos tinham medo, ansiedade e iam várias vezes à clínica. Ele compartilhou sobre um caso em que ao dar o diagnóstico para um paciente e dizer que ele necessitaria se afastar, o paciente diz que mesmo com um atestado médico, o patrão o demitiria e que não poderia faltar no trabalho. Mas, Zanini alertou sobre o perigo de contaminar outras pessoas, além do fato de ele poder piorar. Ele contou: “elas se sentem mal por não poderem ir trabalhar, com medo de perder o emprego, mesmo estando com um quadro suspeito da doença. Ou seja, como esse regime, de certa forma, é escravizante para a mente humana.”
Zanini vê também uma mudança no padrão do entendimento da doença por parte da população. Na sua experiência, conta que no início, muitos pacientes da clínica achavam que a covid-19 era “doença de rico” pelo fato de ter chego no Rio de Janeiro em um bairro de classe média/alta - Barra da Tijuca, mas ele diz que com o tempo, a percepção mudou, quando a doença passou a afligir todas as classes sociais. Inclusive, no início achava-se que também era uma doença de idosos, e com o tempo também se notou que não existia esse padrão.
O médico fala que quando as vacinas foram lançadas, ele foi mandado para uma clínica de idosos para vaciná-los. Ele conta que na clínica prepararam uma recepção de agradecimentos para os profissionais que fossem vacinar. Ele compartilhou que as pessoas ali estavam ansiosas pela vacina. Um senhor, após tomar a vacina gritou “viva o SUS” e isso comoveu Zanini. E essa reação positiva o fez querer tomar a vacina também.
Zanini foi chamado para vacinar no Parque Olímpico da Barra da Tijuca. Diz que foi muito bem estruturado, porém, ele percebe que pelo bairro nobre em que estava, muitos exigiam tomar a vacina, mesmo que não fossem do grupo da vez. Outro ponto que ele ressaltou é que há pessoas que iam sozinhas, outras iam com a família completa, outras iam com animais de estimação. E a reação das pessoas são as mais diversas. Ele também conta que muitas pessoas filmavam todo o processo. Houve aqueles que se negaram a tomar determinada vacina por conta de efeitos adversos. Houve ainda absenteísmo da segunda dose e ele trouxe o ponto de que houve uma discussão sobre a obrigatoriedade da vacina. O médico contou que não enxerga a vacina como a salvação. Mas, sente que é um fator importante para a resolução da pandemia.
Como mensagem ao profissional da saúde, ele acredita ser importante desfocar da doença, olhar para a pessoa e cuidar da pessoa. E se cuidar ao mesmo tempo. Para a pessoa adoentada pela COVID-19 ele diz que o diagnóstico não é uma sentença. Pelo contrário, é uma luz, uma oportunidade de se cuidar e ser cuidado pela equipe multidisciplinar. Ele finaliza: “Creia que há algo superior”.
Caio Maia - Médico de Família e Comunidade
Caio, 30 anos, se autodeclara branco, médico de família e comunidade localizado em Rio das Pedras, Rio de Janeiro, formado há 7 anos, é casado e, assim como ele, sua esposa adoeceu simultaneamente, tendo também sintomas de covid-19. Caio confirmou o diagnóstico a partir da realização de teste de PCR, na primeira semana, após ficar sintomático, e com o teste sorológico na segunda semana. Nos primeiros dias, tiveram mal-estar, diarreia, febre, que progrediram para uma fraqueza intensa e fortes dores no corpo. Não sentiram falta de ar. Ele julga que o cansaço foi uma das piores manifestações da doença “Eu olhava para o teto cansado. Algo surreal. Cansava de ver televisão”. Além disso, subitamente também houve perda de olfato e paladar, o que diminuiu muito a vontade de se alimentar e também de cozinhar, atividade que lhe traz muita satisfação.
No total, o médico realizou 14 dias de isolamento. Durante esse período, contou com a companhia de sua esposa e com uma rede de apoio composta de amigos fiéis e familiares. Seus pais e sogros iam lhes visitar a fim de levar refeições. Eles não entravam na casa, ficavam somente na porta, afastados e utilizando máscaras. Caio acredita que esse tenha sido um momento muito difícil para sua família, principalmente para sua mãe. Ela passou por um momento traumático, quando, ainda criança, Caio desenvolveu pneumonia e ficou 27 dias internados no hospital. Além disso, Caio também tinha histórico de tuberculose, outra doença que afeta as vias respiratórias.
Em abril de 2020, a pandemia de covid-19 ainda estava nos seus momentos iniciais, e o mundo tentava se preparar para lidar com as consequências e imprevisibilidades provocadas pelo novo vírus circulante. Foi nesse mesmo momento que ele começou a sentir os primeiros sintomas da infecção pelo coronavírus. Ele atuava também como preceptor de residentes de medicina na unidade e, junto à sua equipe, tornou-se referência no manejo de pacientes com covid-19. Através do excelente trabalho, assumiu a condução do tratamento de indivíduos com sintomatologia mais grave da doença. Foi nesse cenário, exposto a alta carga viral, que o doutor acredita ter sido infectado.
Caio conta que, no sexto dia de progressão dos sintomas, sentiu que seu quadro se agravou, assim como o de sua esposa. Desse modo, a partir de conversas com um grande amigo- também médico- e de seu próprio discernimento, decidiu fazer uso de Cloroquina, Anitta e Azitromicina. Segundo ele, a única das medicações que lhe causou efeitos adversos foi o medicamento Anitta, pois acentuou a sua diarreia. Apesar desses medicamentos não terem comprovações científicas de efeitos benéficos em humanos para tratamento de covid-19, Caio achou que os resultados in vitro eram relevantes e resolveu testar em si mesmo esta alternativa. Ao dialogar com a sua esposa sobre o tratamento, ela decidiu não ingerir cloroquina com receio de que os efeitos adversos fossem atrapalhar uma futura gravidez do casal. Após realizar o uso das medicações, Caio sentiu-se mais confortável em posteriormente prescrevê-las aos pacientes, se necessário.
No 14° dia, Caio estava sentindo-se melhor dos sintomas, em geral, e começou a se preparar para voltar ao trabalho na clínica. Essa movimentação causou grande preocupação em seus pais, que desejavam que o filho não mais tivesse exposição ao vírus. Caio voltou gradualmente ao seu posto de trabalho. Ele conta que no início seu raciocínio ainda estava muito lentificado. “Eu não tava com a rapidez que eu tenho agora, sabe? Para resolver as situações, reunião daqui, reunião dali.”, relata. Acredita que somente após um mês, sua recuperação foi total.
A espiritualidade foi um fator central na passagem de Caio pela doença. Pouco antes de ser acometido pela covid-19, ele e sua esposa passaram pela dolorosa experiência de sofrer um aborto espontâneo, fato que abalou muito o casal. Em momentos subsequentes, o médico teve uma experiência diferenciada na sua fé, o que o permitiu atravessar a circunstância do adoecimento com mais segurança de que tudo aconteceria como deveria ser, com propósito. Ele enfatiza sobre a COVID: “Não foi um marco na minha vida. Eu entendi como um dos obstáculos que eu precisei passar”. Aos sábados, realizava cultos online e entende que a oração dos companheiros o ajudou muito na sua recuperação.
Caio aconselha aos profissionais de saúde que centrem o cuidado nos pacientes, dividindo com eles angústias do prognóstico. Ainda ressalta que nenhum tipo de evidência vai ser mais valioso do que a experiência do indivíduo. Ademais, ao refletir sobre o futuro, o médico não demonstra medo quanto à evolução da doença na população. Acredita que em algum momento a doença se tornará endêmica e que em momentos fora da pandemia a letalidade não será grande.
Marcio - Médico de Família e Comunidade
Márcio, 34 anos, se autodeclara pardo, médico formado há 10 anos, é especializado em medicina de família e comunidade, é casado e tem 2 filhos. Desde o início da pandemia, ele participou ativamente na linha de frente da covid-19 na clínica da família em que trabalha. Compartilha que positivou para a doença em junho de 2021, mas sua esposa e seus dois filhos não foram contaminados. Seus sintomas foram leves, duraram 5 dias e ele os caracteriza como “sensação de gripe”. Contudo, relata ter tido dificuldade de foco e concentração aproximadamente 30 dias após a doença, além de comprometimento da memória recente.
Em fevereiro de 2020, quando foi declarada uma nota oficial do Ministério da Saúde sobre o coronavírus, alega ter ficado preocupado devido ao desconhecimento mundial acerca desse vírus. Mesmo com todo receio, a equipe da clínica da família na qual ele trabalha teve bons resultados de organização e monitoramento. Além disso, nenhum funcionário da sua unidade foi a óbito. A intensificação das testagens em sua clínica iniciou em agosto de 2020, com o teste de anticorpos. Pouco depois desse período, foi introduzido o PCR. No final desse mesmo ano, dobrou o número de atendimentos de covid-19, segundo Márcio.
O entrevistado comenta que a fase de maior desgaste foi durante o início da vacinação, pois muitos queriam se vacinar mesmo não fazendo parte dos grupos preferenciais: “quando os critérios não são muito claros, deixa o profissional de saúde mais exposto”, justificou sua dificuldade. Quanto à escolha do tipo da vacina, não foi uma questão prevalente em sua unidade: “não é a maioria dos casos que as pessoas escolhem a vacina. As pessoas brigam mais pra tomar do que pra não tomar”. Esse período também foi importante para a equipe desenvolver uma maior articulação com a comunidade por meio de tecnologias. Os agentes comunitários de saúde foram um intermediários excepcionais entre a clínica e a comunidade, enfatiza o Márcio. Segundo ele: “eles [os agentes de saúde] são multiplicadores, multiplicando informações para outras pessoas”.
Para Márcio, o maior desafio da atenção primária, é o realinhamento, já que existem outras demandas que ficaram secundárias diante do aparecimento da covid-19, como por exemplo: tuberculose negligenciada, diabetes descompensada e transtornos mentais não-tratados, sendo essas questões intensificadas durante o advento da pandemia.
Clara Antunes - Médica de Família e Comunidade
Clara, 32 anos, médica de família e comunidade formada há 8 anos, mãe de uma menina, adoeceu por COVID-19 em 2022, vacinada com as 4 doses da vacina. Sua experiência de adoecimento foi leve por conta das vacinas e já esperado, mas sua surpresa foi o quão tarde se contaminou, por estar na linha de frente. Seus sintomas foram febre e dor no corpo.
Ela compartilha que no início da pandemia, pensava que seria apenas uma gripe mas que infelizmente foi algo totalmente diferente e avassalador. Diante do desconhecimento da doença, havia um sentimento de impotência, Clara relata que os protocolos não permitiam analisar a garganta das pessoas e simplesmente isso foi um impasse grande para se adaptar para as necessidades e precauções do período. Como médica da família e comunidade, têm maior contato com a população do território e percebeu várias perdas. Com toda a situação, ela começou a perceber a finitude da vida, e nesse momento começou a se questionar se deveria ter um filho, principalmente ao pensar em seus pais, que já são idosos e que a qualquer momento algo nesse período tão caótico.
Ao final do ano de 2020, depois de ter passado por todos os preparatórios, descobriu que estava grávida. Além disso, durante a sua gravidez teve diversas questões em relação ao seu trabalho e à vacina. Clara comenta que tinha diversas dúvidas em relação à vacina para gestantes, como também a parte burocrática em relação a seu serviço no qual estava em uma fase não sendo considerada profissional da saúde. Depois de um tempo ela conseguiu ser vacinada e a sensação foi de alívio, mas também de pavor, já que recebeu a informação de uma gestante que morreu dois dias após ter tomado a vacina.
Assim que passou a primeira onda, ela começou a trabalhar na Rocinha, no ano de 2021, em uma situação totalmente diferente, já que nesse momento as pessoas estavam praticamente todas vacinadas e havia os equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados, mas não sabia o que estava por vir. Desse modo, Clara começou a achar estranho ainda continuar atendendo tantos casos de síndrome gripal, mas não sabia que estava lidando com um surto de influenza e que posterior a isso viria uma nova onda de COVID com uma nova variante.
Por fim, Clara nos conta que após o nascimento da sua filha as visitas foram totalmente restritas pois temia que algo acontecesse a sua filha, principalmente a contaminação do vírus. Sua vida não teve muita mudança pois não convivia com os amigos desde o início da pandemia, tendo que ter se adaptado ao seu ‘’novo normal’’.
Talita - Médica de Família e Comunidade
Talita, 30 anos, se autodeclara branca, casada, formada em medicina há 7 anos, atualmente é médica de família e comunidade e esteve na linha de frente durante a pandemia da covid-19. Seu marido trabalha embarcado e, após uma volta para casa, em meados de abril de 2020, começou a apresentar sintomas gripais. Alguns dias depois, ela também começou a apresentar alguns sintomas, como dor de cabeça e fraqueza. Após 2 dias dos sintomas iniciais, Talita realizou exame PCR e foi afastada do trabalho por 7 dias, enquanto aguardava o resultado do exame. Além disso, com 10 dias de sintomas, realizou teste rápido para a doença com o resultado positivo para coronavírus. Outros sintomas foram náuseas, perda do olfato e do paladar e calafrios. Ela relata que, uma semana antes do diagnóstico, começou a atuar em uma clínica da família próxima à sua residência, precisando ser afastada ao todo por 14 dias após o início dos sintomas.
Talita acredita que a contaminação ocorreu a partir do seu cônjuge, embora ele não tenha feito exames para confirmar o diagnóstico. Ela e o marido se trataram com medicações para alívio dos sintomas, além de hidratação, assim como ela recomendava aos pacientes enquanto estava na linha de frente do cuidado contra a COVID. Inicialmente, ela chegou a duvidar da possibilidade de ter sido contaminada, questionando se os sintomas, comuns à gripe, não seriam por outro motivo. Em um segundo momento, quando recebeu o diagnóstico, confessou que se sentiu mal por ter sido acometida pela doença no auge da pandemia e, consequentemente, por não poder mais ajudar as pessoas naquele momento, quando a demanda por atendimentos era muito alta.
Enquanto esteve doente, ela não sentiu medo da doença, tanto por seus sintomas terem sido relativamente leves, quanto por relatos de amigos que também tiveram a forma branda da doença. Ela procurou repousar, se hidratar e ocupar a cabeça durante o isolamento.
No aspecto familiar, Talita compartilha que seu pai fazia parte do “grupo de risco” e por muito tempo teve medo da doença, distanciando dela, principalmente durante os sintomas. Seus familiares maternos manifestaram a doença com sintomas leves, com exceção do seu avô, que teve falta de ar e chegou a precisar de oxigênio suplementar. Como ela e seu marido adoeceram juntos, permaneceram em isolamento juntos, com sintomas leves, mantendo o contato e as atividades diárias que exerciam anteriormente. Ela conta que não saiu de casa para nada durante esse período, porque: "não vou fazer uma coisa diferente do que eu falaria pros pacientes fazerem".
Além da ajuda do seu marido, durante o isolamento, Talita contou com o suporte e as orientações de uma amiga médica, que a acompanhou durante todo o processo de adoecimento.
Refere que, no início da pandemia, mantinha todos os cuidados com paramentação e medidas de higiene para controle da disseminação, mas que, com o maior contato com a doença, acabou reduzindo essa atenção.
A experiência de Talita com a doença foi relativamente tranquila e, um dia após seu período de isolamento, ela já se sentia bem o suficiente para conseguir retornar ao trabalho.
Seu conselho para profissionais da saúde é que eles tenham empatia pelos pacientes, evitando minimizar os sintomas sentidos, mesmo que sejam brandos. Para ela, é importante também manter uma conversa aberta com o paciente sobre os tratamentos e condutas.
Defende que ter imunidade contra a doença permite que se tenha uma liberdade maior para realizar atividades desejadas. Como cristã, acredita ainda que ter uma prática religiosa é uma boa rede de apoio.
Caroline Oka - Médica de Família e Comunidade
Caroline, 29 anos, se autodeclara amarela, médica formada há 5 anos, com especialidade em família e comunidade, afirma que teve COVID no início da pandemia em abril de 2020. Ela compartilha: “A vida mudou muito depois disso, principalmente na atenção primária".
Ela relata que a falta de equipamentos de proteção individual para os profissionais da saúde, a insuficiência de informações sobre o tratamento, além da falta do contato físico entre as pessoas, que para ela era muito importante, tornou tudo difícil naquela época. “estava esperando sempre por um cenário de guerra”.
A entrevistada compartilha seus primeiros sintomas respiratórios: coriza e perda de olfato, chegando à conclusão que estava com covid-19. Ela afirma que a sensação era de estar com o atestado de óbito nas mãos, se preparando para o agravamento da doença, comenta que ficou muito ansiosa com toda a situação. Ademais, no momento que teve a doença, seu marido estava viajando, e com isto, ao mesmo tempo que sentia a solidão, ela agradecia por ele não estar junto, e consequentemente não ser contaminado pela doença, que era algo muito temido por ela. Esse medo se estendeu mesmo após o tempo de 14 dias de isolamento. Ficou em isolamento na casa da mãe, tomando todos os cuidados, usando máscaras, não saía do quarto e a comida era deixada na porta para evitar transmissão: “era uma sensação de muita vulnerabilidade, junto com a crise de ansiedade". Apesar de ter tido sintomas leves e não ter dessaturado em nenhum momento, ela sentia muita falta de ar, o que gerava nela um enorme desconforto. Durante três meses, a médica relatou que seu olfato ficou muito comprometido, não sentia cheiro nenhum. Em seguida, seu olfato foi aos poucos retornando, mas diferente do que era antes. Felizmente, não foi necessário ser internada, por decisão própria não tomou o "kit COVID", somente dipirona, água e repouso.
No começo da pandemia, Caroline atendeu um grande volume de pacientes com sintomas leves. Em um segundo momento, no pico da pandemia, chegaram pessoas mais graves, as quais muitas delas precisaram ser internadas, e ela afirma “a enfermaria se transformou quase em uma UTI, pois não havia mais vagas na unidade”. Nesse momento circularam muitas informações novas e, além disso, toda semana havia uma atualização diferente do protocolo, o que para ela era muito complicado. Ademais, segundo a médica, uma das suas maiores frustrações foi constatar que as pessoas, de um modo geral, não estavam tomando os cuidados necessários para conter a propagação do COVID. Por outro lado, na atenção primária, assim que foi disponibilizada a vacina, houve um grande alívio para os pacientes e os profissionais da saúde, dado que as chances da doença se agravar estavam sendo reduzidas.
No dia das mães, ela participou de uma videoconferência com sua mãe, este foi um momento de aproximação com sua família podendo aliviar um pouco o sentimento de solidão em que vivia. Ainda assim, somente depois de 4 a 5 meses após a doença, em novembro de 2021, que Caroline voltou ao convívio social pois, como ela afirma, "a saudade apertou”. O marido de Caroline também retornou para casa, e ele e a médica continuaram com todos os cuidados necessários, dado que o marido tem asma controlada e por isso sempre existiu muito medo dele ser infectado, o que não aconteceu felizmente.
Durante todo o processo, ocorreram várias intercorrências que provocaram uma sobrecarga na clínica da família onde Caroline trabalhou na pandemia, e para preservar sua saúde mental reduziu a carga de trabalho. Desta forma, a médica foi para uma unidade com um nível sócio econômico diferente, que não possuía uma demanda tão grande, diferentemente da anterior. Todo o panorama profissional mudou, principalmente quando se passou a realizar os testes para covid-19 dado que, apesar do aumento do número de pacientes que chegavam para ela, a situação não era tão grave, claro que ainda haviam alguns casos graves e outros até chegaram a óbito, mas não eram maioria. Devido a baixa de profissionais, Caroline teve que atuar em muitas frentes, como atender, testar, notificar, orientar e ainda suprir as demandas da unidade. Ela relata que ao invés de diminuir a demanda, acabou aumentando: “acabou que virou uma loucura”. Felizmente, um tempo depois, ocorreram novas contratações, organizaram melhor e o trabalho foi dividido entre todos os profissionais da saúde no local em que trabalhava, o que para ela foi um grande alívio.
A experiência de Caroline na unidade de internação, na enfermaria, com doentes muito graves, em razão da falta de vagas na UTI, foi muito tenso, ela diz “foi uma maluquice”, pois ela não atuava em um serviço hospitalar desde a sua graduação, uma vez que sua área de atuação é Medicina de Família. Ela compartilha que os pacientes do SUS sofriam com uma enfermaria lotada e até mesmo com um galpão, com um doente do lado do outro “comparável a cenas de guerra, um ambiente caótico”. Contudo, a médica, ainda assim, afirma que conseguiu fazer um bom trabalho em ambos os cenários.
Durante toda pandemia, a médica constatou que a COVID é uma doença surpreendente: “em um dia a pessoa estava bem, conversando, perguntando quando ia sair e, no outro dia, com um alto fluxo de oxigênio, precisando ser entubada e transferida para UTI, era uma corda bamba”.
Um outro aspecto que para ela foi surpreendente, foi a mudança no número de pacientes internados depois que começou a vacinação. A internação acompanhou praticamente a mesma proporção da vacinação, ou seja, reduzindo a necessidade de internação. E é nesse momento que Caroline diz “achei muito interessante e dá aquele aliviozinho, uma esperança, a gente vê, caramba.... Tem uma luz ali no fundo do túnel, foi muito legal, a gente vê a vacinação fazendo efeito e vivenciar tudo isso foi uma montanha russa de emoções”. O maior alívio para ela foi quando as unidades começaram a ser fechadas por falta de pacientes.
Ademais, a experiência com a vacinação, já na atenção primária, também foi uma emoção muito grande: “ lembro quando recebi a primeira dose e a sensação de alívio que dá no peito, me lembro até de falar 'ufa'.“
Caroline compartilha que sua mãe é técnica de enfermagem e comenta que foi uma felicidade enorme para as duas terem se vacinado e toda a família. Além da imensa felicidade em ter muitas pessoas no mundo se vacinando.
Caroline comenta que houveram 3 momentos críticos: o início da pandemia, por não se saber muito da doença e de suas complicações, além de não se saber como tratar certos casos, gerando uma grande insegurança. O 2° momento, foi durante o pico da pandemia (quando houveram 3000 mortes por dia no Brasil), pois além de muitos profissionais que adoecerem, houve uma sobrecarga muito grande do sistema de saúde e de sua jornada de trabalho. Por fim, durante a 2° onda, a falta de recursos e materiais para atender todos os pacientes em tempo hábil era o que mais a afligia.
Pessoalmente, para Caroline foi muito desafiador trabalhar em um momento de muita desinformação, de sucateamento do SUS, além de ser muito frustrante para ela ver que as pessoas não levavam a pandemia a sério, se aglomerando, não se cuidando, não usando máscaras, e não sendo empáticas com a situação tanto do profissional da saúde que estava sobrecarregado pela maior demanda, como também com as pessoas ao redor que poderiam ser contaminadas. A médica afirma que foi um momento de ressignificar as amizades e até mesmo ressignificar as relações virtuais.
Caroline também narra que não tiveram pessoas próximas da família que foram a óbito, felizmente. Ela conta que seu pai teve falta de ar, mas que na época não contou a ela.
Por fim, uma mensagem que a médica deixa para os profissionais da saúde é “a vida na atenção primária é uma montanha russa mesmo, o dia a dia nunca é fácil e o nosso trabalho tem muito valor”, e por isso é necessário não desanimar. Já para as pessoas que estão com a doença, a médica afirma que é muito importante saber entender os sinais que o corpo está dando e como ele está reagindo. Por isso, é muito importante não esperar o quadro piorar e procurar logo atendimento. É muito importante se isolar e saber que o médico sempre será um ponto de apoio.
Julia Horita - Médica de Família e Comunidade
Julia Horita, 31 anos, se autodeclara parda, casada, médica formada há6 anos, preceptora da residência em medicina de família, relata que não chegou a contrair a doença. Quando a pandemia começou, ela estava no Vietnã de férias, pois tinha acabado seu terceiro ano de residência em Medicina de Família e Comunidade. Quando voltou em março de 2020, ficou duas semanas de quarentena por ter voltado de outro país e depois começou a trabalhar em abril em uma clínica da família no Rio de Janeiro.
No começo de seu isolamento de 14 dias, Julia passou por um momento de susto e medo de poder estar doente, mas conta que apesar de seguir todas as orientações, não levava a doença tão a sério. Nos primeiros momentos isolada com o marido, a médica diz que teve uma preocupação com a saúde mental do casal, programando uma rotina e fazendo exercícios físicos em casa.
A entrevistada conta que seu principal desafio foi enfrentar a ignorância acerca da doença e não saber como agir. Relata ainda que quando estava no Vietnã e via todas as pessoas usando máscaras achava aquilo desnecessário já que não era algo que a OMS tinha recomendado ainda no início da pandemia. Julia compartilha que todas essas situações e a falta de evidências científicas geraram grande angústia para ela.
Além disso, por ser preceptora de residência, a médica conta que carrega uma grande preocupação com seus residentes que passaram toda sua formação no contexto de pandemia, que perderam oportunidades por conta da doença e tiveram expectativas frustradas. Julia acredita que o profissional de saúde fica muito comprometido nesse contexto, além de gerar um sucateamento nos locais do Rio de Janeiro que necessitam da mão de obra desses residentes: “O Rio de Janeiro precisa da gente como mão de obra também. Então algumas coisas que são relacionadas ao ensino, ficam muito sucateadas e desvalorizadas”. Para Julia, esse contexto deixou uma lacuna na formação desses residentes com relação às ações com a comunidade e na medicina de família.
Ao prestar atendimento médico durante a pandemia, ela passou por experiências marcantes. A insegurança e o medo de não dar conta de todos os pacientes foram constantes. Um caso em particular afetou muito Julia. No final de um turno, um senhor com sintomas chegou com sua filha angustiada pedindo ajuda e, naquele momento, a médica só conseguia pensar no próprio pai. Sabia que não conseguiria internar aquele senhor por falta de leito, não tendo nada que ela pudesse fazer naquele momento além de prestar cuidados básicos. Ademais, ela conta que a falta de insumo para conseguir atender os pacientes e até mesmo para fazer os testes de COVID foi uma grande frustração para ela e para os seus residentes.
Julia relata que junto com a pandemia, os profissionais de sua área sofreram também com a desvalorização da atenção primária, além de problemas na gestão de escala de residentes, o que levou a uma perda de controle da vigilância que prejudicou seus pacientes: “Todos os nossos diabéticos agora são crônicos, todos os nossos hipertensos agora possuem insuficiência cardíaca”. Apesar de todos os empecilhos, a médica de família conta que conseguiu manejar seus horários e ter uma rotina em que sua saúde mental não fosse tão afetada.
Por fim, Julia relata que um dos momentos mais emocionantes de sua vida foi quando ela foi vacinada, apesar de ter ficado preocupada por não haver tantas vacinas e ser vacinada antes de pessoas que precisavam mais, como sua avó. Para ela, o aprendizado mais importante que ficou de toda essa experiência é a necessidade de demonstrar afeto sempre que possível, principalmente para pessoas afetadas com a doença não se sentirem tão solitárias. Atualmente, além do trabalho, Julia está focando em projetos pessoais e cuidando de sua saúde.
Amanda Barbosa - Médica de Família e Comunidade
Amanda Barbosa, 30 anos, se autodeclara branca, médica de família e comunidade formada há 5 anos, atua na cidade do Rio de Janeiro na área programática 2.2. Descreve a sua jornada como médica com o início da residência em 2018 pela Secretaria de Saúde do município do Rio de Janeiro na área programática 1.0, em específico na Clínica da Família Estácio de Sá. Depois do término de sua residência, passou por um período na Clínica da Família Helena Besserman Vianna, área 4.0. Depois, obteve uma experiência na preceptoria no Gardênia, também na área 4.0, na Clínica da Família Azevedo Tiúba. Após isso, retornou para Helena Besserman Vianna e, por fim, no final de junho, começou na área 2.2 que está no momento.
Narra ter tido, dentro do seu conhecimento, 2 vezes COVID-19, tendo sido a primeira vez em julho de 2021, posteriormente, novembro de 2022, ou seja, duas experiências em momentos distintos da pandemia. Ela esclarece que, em ambos os casos, a vacinação já havia começado. Narra que o primeiro sentimento que sentiu foi medo, junto de uma apreensão e insegurança em relação ao que essa doença poderia causar em seu corpo e, então, o que poderia acontecer e que tipo de reação teria. Mas, esse medo inicial foi um pouco atenuado justamente por já ter sido vacinada. Além dessa preocupação com si mesma, ficou aflita em relação às pessoas com quem estava tendo contato, de modo que sua angústia era em volta do próprio adoecimento e das consequências que outras pessoas poderiam ter também.
No primeiro momento que ficou doente, relata que estava, na verdade, em Minas Gerais, sua cidade natal, visitando sua família. Informa que ao decidir visitar sua família realizou o teste de covid-19, mesmo não apresentando qualquer tipo de sintomas, sendo o resultado negativo. Porém, durante sua visita começou a apresentar sintomas e percebeu que naquele momento já estava positivo para a doença. Diz ter sido um momento difícil e de tensão por ter tido contato com seus entes queridos. Seus sintomas eram leves e moderados, sem a necessidade de atendimento hospitalar, realizando apenas o isolamento. Apenas retrata ter ficado sem olfato e sem paladar por cerca de 3 meses, se normalizando posteriormente. Já na 2° vez que adoeceu estava em sua cidade, Rio de Janeiro, distante da sua família. Alega que, novamente, seus sintomas não foram graves. Em relação ao tratamento de ambas as vezes foi apenas em relação aos sintomas que teve, sem nada específico, junto de hidratação e repouso.
Partindo para sua experiência como profissional da saúde, ela relata que foi um grande impacto em sua vida, já que o término de sua residência em Medicina de Família foi em fevereiro de 2020 e, logo em seguida, em março, deu-se início à pandemia de covid-19. Admite que ao final de sua residência estava com altas expectativas de lidar com o cotidiano de sua especialidade, de colocar no plano real aquilo que aprendeu durante sua formação. Com o início da pandemia, toda a dinâmica das clínicas foi alterada, sendo todos os esforços voltados para o enfrentamento daquela nova doença que se expandia tão rapidamente e que ninguém sabia ao certo o que estava por acontecer. Relata que havia uma grande preocupação em relação à proteção dos profissionais de saúde, de modo que utilizavam capote, luvas, faceshield e máscaras, o que fazia com que eles não conseguissem reconhecer uns aos outros. Havia, também, uma grande tensão em saber se haviam sido contaminados, além do fato de haver muitas mortes acontecendo pelo mundo. Isso tudo despertava uma grande apreensão e insegurança enquanto profissional, de forma que pensava: "Meu Deus, o que vai ser a partir de agora?".
Como trabalhava na linha de frente da atenção primária, Amanda e seu companheiro decidiram que a melhor opção seria ele voltar para a casa dos pais, já que ela estava em contato com o vírus. Então, relata que ficou 4 meses sem ter contato com ninguém, indo apenas do trabalho para casa e de casa para o trabalho. Relata que nunca havia ficado distante de seu companheiro tanto tempo, mas que, mesmo com a saudade, se sentiu mais tranquila em protegê-lo. Essa dinâmica mudou a dinâmica familiar e eles se viam apenas por vídeo.
Na dinâmica de sua unidade, em momentos de maior demanda, qualquer mínimo sintoma era motivo suficiente para a busca de atendimento dos usuários da clínica, sendo uma época de alta procura por atendimento baseado nas pessoas sintomáticas e na busca de testes para covid-19. Ela relata que sua equipe optou por dividir a unidade em estações, de modo a tentar entender se era uma demanda relacionada a sintomas respiratórios ou não, uma vez que, mesmo em menor quantidade, outras pessoas acessaram o sistema de saúde por outras doenças . Assim, a unidade também foi dividida em lados para que houvesse o mínimo contato possível entre uma pessoa sintomática com outras pessoas que não estavam com sintomas. Primeiro, os pacientes eram encaminhados para uma estação para verificar os sinais vitais e, caso não fosse identificado nenhum sinal de alarme potencialmente grave, o atendimento permanecia ali e era feito de maneira rápida. Caso fosse identificado algo mais alarmante, havia a continuidade do atendimento em outras estações. Dessa forma foi estabelecida a rotina, fazendo com que a vivência dos profissionais da saúde se mantivesse basicamente em atendimentos, sendo um momento muito cansativo tanto fisicamente quanto mentalmente. "num batidão, um atrás do outro mesmo, você não para". Evidencia ter ficado nessa parte dos atendimentos, não tendo feito parte ativamente da coleta de testagem, sendo esse um trabalho relacionado aos enfermeiros e técnicos de enfermagem.
Narra um momento em que estava atendendo nas chamadas estações 3 e 4, sendo essas estações onde pessoas com algum potencial de gravidade eram atendidas. E lembra de ter ocorrido muitos pedidos de vaga zero "de assustar, parar e falar meu Deus do céu, o que está acontecendo?". Compartilha sobre a história de uma senhora que ela atendeu muito conhecida na comunidade que possuía uma barraquinha de comércio e comentou que era aniversário de uma das netas e que desejava muito melhorar para poder vivenciar isso com sua família. Essa senhora, assim como muitos outros pacientes, chegou sem aparentar um esforço respiratório, mas ao verificar sua saturação, ela impressionantemente baixa. Ela ficou no suporte de oxigênio por 24 horas até a ambulância chegar, mas foi a primeira paciente que soube que chegou na emergência e não resistiu. Isso foi algo muito marcante e, que teve um impacto muito grande por ter tido contato com ela antes do óbito.
No que diz respeito à vacinação, enaltece ter sido um momento de alívio e alegria. Relembra que toda a equipe passou por momentos tensos e a vacina foi um marco, sendo uma dose de esperança para dias melhores também, segundo ela foi histórico, em que todo mundo tirava foto para recordar esse tão esperado momento. Além disso, relata ter participado desse processo de imunização dentro do trabalho da unidade, indo até domicílio para casos de pacientes acamados e em pontos de vacinação também. Alega que quando a vacinação se iniciou muitas pessoas iam com alegria e esperança, mas com o passar dos dias e da grande demanda, havia um cansaço gerado, pois eram muitas dúvidas e questionamento, então nesse processo de aplicação, deveria ser feito um informativo sobre a vacina aplicada. Ocorreram diversas escalas devido a esse cansaço pela quantidade de doses aplicadas de maneira repetida. Assim, mesmo tendo sido muito positivo ter tido uma alta demanda, pois significava procura por parte da população, a execução não foi algo fácil de ser feita.
Além disso, em momentos houveram momentos de pico como no início de 2022 com a ômicron, 3° ano da pandemia. Nesse momento, relatou estar, depois de muito tempo, de férias, mas que, pelo relato de seus colegas, foi um momento de grande exaustão, pois já havia passado muitos meses vivenciando essa dinâmica do covid-19 para viver novamente outro surto dessa doença, sobrecarregando ainda mais os profissionais da área da saúde. Não foi um momento vivenciado por ela, mas que acredita ter sido difícil, já que a atenção primária retém muitos casos, de que que precisou haver grande resiliência nesse momento já de exaustão.
Alega que, em relação a repercussão da pandemia nos acompanhamentos que fazem parte do cotidiano do médico de família e comunidade, estão sendo colhidas as consequências. Mesmo que tivesse ocorrido a continuidade do cuidado, já que nunca, de fato, houve uma ausência nos atendimentos, todos os esforços estavam voltados para o enfrentamento da covid-19. Então, agora, há uma retomada de pacientes com doenças crônicas descompensadas ou com piora nos parâmetros laboratoriais. Aumento, também, de casos de violência, principalmente contra as mulheres, e relacionados à saúde mental.
Amanda reflete que considera a pandemia como algo que foi transformador em sua vida pela forma como teve que se preparar tão rapidamente para enfrentar algo desconhecido, sendo algo que precisou ser enfrentado mesmo com medo do que poderia acontecer, teve como maior aprendizado a necessidade de buscar sobre aquilo com que estavam lidando, estimulando o estudo e novas informações, pensando em estratégias de combate. Precisava lidar com os colegas de trabalho nesse contexto tão atípico e, também, com os próprios sentimentos ao mesmo tempo que precisava amparar seus pacientes, sendo um momento de resiliência em que havia uma necessidade de união.
Como conselho para um paciente que acabou de testar positivo para covid-19, ela sugere tranquilidade, de pensar no outro, se cuidar, fazer repouso e tentar interromper qualquer forma de transmissão. Orientaria esse paciente, ensinando os sinais de alarme e os cuidados, tendo em vista que hoje vivemos um momento diferente, em que há mais informações sobre o cuidado a se ter com essa doença e o que fazer caso haja um agravamento. Agora, como conselho para familiares e amigos seria também essa dinâmica de orientação, de como essas pessoas poderiam cuidar da melhor forma possível, pensando no ente querido. Já para os profissionais da saúde que cuidam de pessoas com covid-19, é de cuidar de si mesmo, sendo essencial compreender os próprios limites e entender que o descanso e lazer também impactam na saúde e, por consequência, no modo de exercer o trabalho. Por fim, esse “novo normal”, trata-se, na verdade, de um recomeço diferente na retomada da atenção primária, já que a pandemia exaltou que podem haver acontecimentos que necessitem de uma reorganização e uma ressignificação todos os dias. Então, estar preparado para os diversos momentos que podem acontecer. Torna-se importante pensar sempre na união da equipe.