Impacto Sobre a Vida Familiar

A presença da hanseníase levou a separações, algumas logo após o diagnóstico. Denis e João Carvalho sofreram com reações imediatas das suas companheiras. E foi o que mais trouxe sofrimento a eles.

Eu perdi a minha família por causa da doença, filho, esposa, eu perdi casa. E por causa disso eu fui até também preso, porque eu não queria sair da minha própria casa, mas eles arrumaram um meio e entraram na justiça pedindo uma medida positiva, porque eles queriam me tirar da minha casa por causa da doença, e como eles não conseguiram tirar, eles entraram na justiça pedindo uma medida positiva e a justiça concedeu, e até hoje eu tô fora da minha casa, eu perdi tudo o que eu tinha pra doença, e fiquei numa situação muito difícil”. (Denis)

 

Eu trabalhava com carga e descarga de caminhão, perdi o emprego, mas o emprego não me abalou não, porque eu já sou acostumado com bastante ramos na cidade, o que mais me abalou foi que a menina chegou e disse ‘não, você pega o prato dele, separa o prato dele, separa a colher dele, separa tudo, a partir de hoje nem a tua roupa eu vou lavar mais’ [...] Eu ficava dentro do quarto, me deitava no chão, me esfregando que nem um cachorro, me esfregava com as costas nas paredes, assim, tenho até marca. Eu ficava agoniado, assim, com a tal da hanseníase”. (João Carvalho)

 

Para outros, a hanseníase trouxe uma mudança importante na vida cotidiana, nos papéis familiares, levando a que esposas fossem apoiadas e estimuladas a trabalhar fora, enquanto os seus maridos ficavam em casa, cuidando das crianças pequenas - José Vieira trabalhava como serralheiro, e Jucenir como eletricista.

quando aconteceu isso, ela ficava só em casa cuidando dos meninos. Aí ela foi, arrumou um serviço e foi trabalhar, aí eu fico em casa cuidando dos meninos. Quatro, só que nessa época os meus meninos estavam todos pequenos. [...] Mas tem que ser assim, porque se não for unido assim, não tem. Quando eu tava bom, que eu aguentava trabalhar e tudo, eu cuidava de todo mundo, mas só que ‘agora, minha filha, eu vou ficar aí agora, e tu tem que dar conta’. [...] já imaginou, tu ganhando, em comparação ao que tu ganha, 2000 há anos...aqueles anos atrás, no valor de 1500 conto hoje, aí tu passa a ganhar 300 e pouquinho, rapaz... Por aí já foi meu desespero! Porque eu fazia hora extra, trabalhava sábado, trabalhava domingo...” (José Vieira)

 

Marco fala com satisfação “namorei, casei, tive filhas; tenho duas meninas lindas” e ele adoeceu em torno dos 20 anos, e como nos diz “acabei vencendo”, mesmo sem mais poder fazer esportes, que ele gostava muito, como nadar, correr, “mas... toquei de boa”.

Outros pacientes jovens nos contaram como foi a conversa com a(o) namorada(o) quando eles pretendiam se casar. Izaías com a ajuda dos profissionais de saúde mais próximos dele, e Maria da Saúde com ajuda de seus pais, ambos tiveram conversas francas e muito boas para todos.

Quando ele falou que queria ficar noivo, meu pai chamou ele e falou: ‘olha, a gente vai te contar a história da Maria pra você’. E contou toda minha trajetória pra ele, e falou ‘é isso mesmo que você quer?’ Eu tinha 23 para 24 anos. E ele até comentou: ‘Eu até já sei, porque eu tenho uma tia que teve o mesmo problema, e não tenho preconceito nenhum’. Nós ficamos noivos, nos casamos, e graças a Deus ele não me discrimina em hipótese alguma. [...] Ele até comentou com meu pai ‘quando eu a conheci eu perguntei o que ela tinha na mão...’ Eu sempre procurava esconder a mão pra ele não ver. E ele falava, ‘ela se incomoda muito em esconder a mão e eu falava pra ela que não tem nada a ver ela esconder a mão’.”

 

Alguns poucos se casaram com pessoas que também tinham alguma doença, como por exemplo diabetes com sequelas, mas apenas um casou-se com uma “ex-hanseniana”. 

Ana das Graças, com vários anos de casada, em outra fase da vida, combina e divide os afazeres domésticos com o marido. “Porque assim, eu acordo de manhã, meu marido faz o café, eu vou pro banheiro, tomo banho, venho, tomo café. Se eu tiver que fazer almoço, por exemplo, fazer arroz, cozinhar feijão, fazer carne, fazer os legumes... Acabou. Eu não faço mais nada o resto do dia, não tenho forças. Tudo meu é assim: por etapas. [...] Se eu ponho roupa pra lavar, meu marido é quem estende pra mim. Nem isso eu faço. Aí fica difícil, no caso, eu tô com 63 anos e ele tá com 70, então a gente vive assim um casal.

Maria da Conceição, também casada há muitos anos, nos fala: meu esposo nunca se separou de mim, sempre me apoiou, nunca dormimos separados, sempre me amando, como sempre, casamos”.

 

De todos os participantes que têm filhos, apenas Taísa nos relatou ter uma filha com hanseníase diagnosticada na infância, com 5 anos. Alguns outros tiveram filhos diagnosticados quando adultos, frequentemente jovens adultos. Muitos dos participantes ao receber o diagnóstico de imediato se preocuparam em não transmitir hanseníase especialmente para os filhos, quando já os tinham. E Taísa nos conta aliviada: E nela nunca apareceu essas reações que aparecem em mim, ela nunca reclamou de dor, nunca. Isso aí, eu dou graças a Deus que não, isso aí ela nunca passou não. [...] Ela tem uma vida normal, normal, normal, como de qualquer outra criança.

 

De um modo geral, os familiares próximos foram importantes na rede de apoio dos participantes.