A hanseníase traz muitas consequências difíceis para a vida das pessoas, embora haja tantos exemplos de resiliência e superação. As pessoas conseguem seguir suas vidas, algumas se casam, tem filhos, outras conseguem trabalhar readaptando o tipo de atividade.
Contudo, a intensidade da experiência da hanseníase pode gerar mudanças no modo como cada um se sente, seja no início, seja em momentos mais intensos do tratamento, ou mesmo sentimentos mais duradouros que permanecem, como nos diz David “minha autoestima, pra ser sincero, não é mais a mesma [...] porque pôxa tem muita limitação”.
Uma perplexidade, uma estranheza, uma dificuldade de incorporar o fato de estar doente à pessoa que ela sempre foi aconteceu ao Alexsandro: “Quando chegava no corredor, ali da hanseníase, sentado aqui, todo mundo olhando a hanseníase [cartaz], eu falava ‘o que que é isso? O que que eu tô fazendo aqui?’ [...] A doutora Consuelo é que falava assim pra mim: ‘Alex, olha, fica calmo, vai dar tudo certo’.”
Por vezes, a pessoa passa por um aprendizado difícil, que talvez uma outra doença ou uma outra situação da vida também trouxesse. Almir estava no pós-operatório: “A própria vida acabou me ensinando que a gente somos dependentes um do outro, então temos que contar sempre com a ajuda... Só que, no momento, pra entrar aquilo na minha cabeça não entrou, fiquei depressivo de novo, confesso que chegou a dar vontade, mas eu não sei, fico escutando vozes 'você é inútil, não serve pra nada, melhor se matar, tá dando trabalho aos outros', só que não quer dizer que eu cheguei a pensar em fazer isso, só que muitas coisas passaram em minha cabeça, chegou a passar isso também, eu falei "meu Deus do céu, tá perdido”, então fui mais no psicológico mesmo pós-cirurgia”.
Yara adoeceu quando adolescente e atravessou um tempo difícil: “Eu pensava muito no que as pessoas falavam e... eu sofri muito com isso. Eu não queria mais ir pra escola... não queria mais estudar... eu não queria mais olhar pras pessoas... eu me achava feia, me olhava no espelho, eu achava que eu ia ficar feia. Como eu fui mudando de cor e as pessoas foram perguntando e eu fui ficando inchada, daí eu me achava a pessoa mais feia, eu achava que ninguém ia olhar pra mim. E aí... eu tinha um namorado na época e eu acabei terminando com esse meu namorado por conta disso, porque eu achava que ele não queria mais nada comigo. [...] Não era qualquer roupa que eu usava... eu não gostava de usar saia, não gostava de usar vestido, eu só queria ficar no quarto, muitas vezes eu nem queria sair de casa, passei praticamente o ano todo em casa, não queria sair pra lugar nenhum.”
Maria Anábia, ao fim da entrevista, num momento de “coragem”, nos pergunta se a hanseníase ou seu tratamento pode ter lhe causado uma marca que lhe envergonha:
“Eu queria saber se ela [hanseníase] prejudica o saber da gente, o saber assim... o saber das coisas. Entendeu? No caso, assim, eu não consigo ler, não sei se isso era por causa do remédio que era muito forte. Eu nunca conto isso. [...] Eu me pergunto muito isso, entendeu? Porque se eu soubesse ler eu poderia ter um bom emprego, entendeu? Seria uma pessoa melhor, não que eu seja ruim, mas assim... deixaria de ser um pouco mais nervosa, conversar com mais gente, entendeu? Chegar num grupo e introduzir e entrar na conversa. Não ser tão tímida. Por eu não saber ler eu já me afasto um pouco. [...] A pessoa que não sabe ler, ela fica com um pouco de preconceito dela mesma de não saber ler, entendeu?”