Recebendo o Diagnóstico

Os participantes haviam recebido o diagnóstico de hanseníase desde há cerca de um mês até mesmo há 63 anos do momento da entrevista. O momento em que eles receberam o diagnóstico, que tem clara importância para a vida deles, de algum modo foi lembrado por todos. Muitos dos participantes narraram muito vivamente os sentimentos que atribuem àquele momento, associados tanto a pensamentos e sentimentos sobre como já conheciam antes a hanseníase ou a lepra, como aos sentimentos que tiveram no decorrer da sua doença.

Como nos diz José Vieira: “a médica falou que era hanseníase, aí fui lá embaixo. Quando eu conversei com o pessoal: ‘isso é lepra, isso é lepra, o pessoal de antigamente vivia isolado, não sei o quê’... [...] Eu fiquei uns dias meio afogado, lá embaixo, eu não dava o braço a torcer pra ninguém falar 'ele tá sentido', mas eu fiquei bem constrangido mesmo”.

 

Algumas pessoas dizem ter vivido um “susto”, um “medo”, um “desespero” inicial associado muitas vezes ao isolamento e ao preconceito relacionados à hanseníase, muito intenso no passado, quando havia leprosários. "Poxa, eu vou ser discriminado, eu vou ficar isolado, por isso que eu não estava aceitando, eu me recusava a aceitar.” (David) Eu achava que ia começar a cair, cair dedo, essas coisas, aparecer ferida.” (José Alves)

“Aí eu cheguei em casa num desespero tão grande, porque quando a gente descobre que tem hanseníase, principalmente naquela época que o pessoal ainda tinha muito preconceito, mais do que o que tem hoje, que isso já faz tempo, já tem mais de 30 anos, aí o preconceito era muito grande. [...] Aí eu cheguei, eu perguntei pro médico, disse ‘Dr., vai ser preciso eu me separar dos meus filhos, pra eu ir lá pra dentro, pra aquela colônia pra me tratar?’ Ele falou ‘não, você não pode é cheirar seus filhos. Beijar, você pode beijar seu marido, tudo bem, mas cheirar não, porque a hanseníase pega pela respiração do nariz’.” (Josefa)

 

O acolhimento dos profissionais da saúde, o início do tratamento, as informações sobre a doença e os recursos atuais contribuem para tranquilizar um pouco a maior parte das pessoas. Erico nos diz: “mas ao mesmo tempo veio o conforto porque a doutora falou, olha, você não se preocupa’, a doutora naquele momento conversou comigo: olha, isso tem tratamento, a gente vai cuidar de você’, coisa e tal.” 

O acolhimento e o suporte da família também são muito importantes neste momento difícil, como nos contou Vera Lúcia.

 

Já para outros, neste momento, nada parece suficiente para tranquilizar, reassegurar a pessoa, e o susto dá lugar ao choro, a tristeza mais duradoura, e mesmo à depressão.

Almir nos diz, me assustei logo de cara pelo nome, e quando fiquei sabendo o que era, eu fiquei mais assustado ainda. Chorei muito, desabei, não consegui me conter. [...] Fui para casa muito triste.”

 

Alexsandro nos conta que teve de parar sua vida habitual, por conta dos sintomas físicos de muito cansaço, pés inchados, e muita fraqueza. “Entrei numa depressão profunda... eu gostava daquilo que eu fazia. Fui desanimando, desanimando, que chegou a me dar impotência sexual.”

Receber o diagnóstico é um verdadeiro “choque”, “baque”, as pessoas se sentem “muito mal” porque antecipam e temem o preconceito nas relações e lugares sociais que frequentam, como nos contam Maria da Saúde e Eliane. “Eu fiquei pensando vou sofrer discriminação, as pessoas vão se afastar de mim, não por parte da minha família, porque graças a Deus a minha família sempre me apoiou, mas eu tinha muito medo em relação à escola.(Maria da Saúde

“Eu fiz a biópsia, em um mês eu recebi o resultado - me lembro como se fosse hoje. [Chora] Acabou o chão pra mim. Porque, no passado, a lepra era lepra. Arrumaram um nome bonitinho, hanseníase, mas não deixa de ser uma lepra. No serviço todo mundo me olhava torto. Eu trabalhava na parte da limpeza. Aí quando o médico me deu o diagnóstico eu vim pra cá, ele me encaminhou pro Oswaldo Cruz. Cheguei aqui e eu fiquei cega porque eu não sabia onde eu estava. É, tipo assim, eu estava aqui, mas não sabia onde eu estava. Fiquei perdida porque foi um baque pra mim. Eu sei que eu ia sofrer preconceito, como eu sofri. Até hoje eu tenho isso dentro de mim.” (Eliane)

 

Neste sentido, vários relatam que os profissionais de saúde ao darem o diagnóstico, ou amigas enfermeiras, ou mesmo familiares, avisam para não dizer a ninguém, guardar em segredo o diagnóstico para evitar o preconceito. 

Alguns vivenciam o momento do diagnóstico como uma grande surpresa”. 

Para Felipe Sales, “nem passou pela minha cabeça [...] porque até então não sabia nem que existia isso”. Para Marcos, após vários diagnósticos e tratamentos sem sucesso realizados durante alguns anos, o diagnóstico de hanseníase se tornou uma surpresa, quando finalmente ele foi encaminhado ao serviço especializado no SUS.

Algumas pessoas reagem ao diagnóstico com tranquilidade e otimismo, acreditam que vão se tratar, em 15 dias não vão mais transmitir a doença, e vão ficar bem após o tratamento e a alta da poliquimioterapia (PQT). Ao contar o que sentiram ao receber o diagnóstico vários falaram do que se confirmou ou não com o decorrer da sua doença. Alguns tiveram o otimismo preservado e outros se decepcionaram ao longo do adoecimento e do tratamento. 

Jovens como Matheus baseiam seu otimismo em alguns fatores. 

“Pelo fato do próprio profissional ter me explicado que a minha estava bastante inicial, pelo fato de eu ter visto bastante fotos feias e a minha não se assemelhava com aquilo, eu me senti bastante tranquilo principalmente porque é uma doença com cura.

 

Para alguns o sentimento de bem-estar ao receber o diagnóstico permanece anos depois. 

Para Geraldo Schupp, “tudo vai dar certo. Tudo comigo é positivo só penso positivamente, minha fé é em Deus

Para José Melo, “eu pensei que vou ficar bom, só isso. Mas pra ficar bom... Eu me tratei, graças a Deus, mas... É a vida. Tô aí até hoje. Tô com 72 anos…”

O alívio esperado pelo tratamento nem sempre acontece ou demora anos para acontecer. "Pô, eu tô fazendo tratamento e não melhora, não passa. Fico desanimado pra tudo às vezes, aí eu tento não entrar em depressão, mas aí eu vou tocando a vida no jeito que dá.” (Erico)

Algumas pessoas voltam a ter sintomas mais graves da doença, e se surpreendem “4 anos depois, aí que eu fui cair na real e ver o estrago que ela fez em mim” (Ana das Graças).

Eu achava que eu ia ficar bem, eu ia fazer tratamento 6 meses e eu ia sair dali, e nunca mais eu ia ter que falar sobre isso, que isso não ia fazer parte da minha vida, mas não, daquele momento para frente a hanseníase tomou conta da minha vida, eu lembro dela todos os dias, todos os dias eu lembro dela, quando eu vou me levantar, quando alguma coisa cai da minha mão, todo momento eu lembro que tenho hanseníase, pra mim agora acho que é uma coisa que eu vou levar pro resto da minha vida". (Simone).

 

Receber o diagnóstico de hanseníase deixa não só as pessoas como alguns dos seus familiares próximos, por vezes, até “horrorizados”, e querendo saber onde a pessoa pegou a doença, especialmente se é o primeiro caso na família.

Izaías perguntou: por que “as doenças só acontecem comigo na família; o único de onze irmãos”.

“No começo eu fiquei assustado: como que eu contraí hanseníase se eu não tive contato com pacientes hansênicos e não teve nenhum hansênico na minha família? Como eu contraí isso? Não fiz ideia, então eu fiquei muito pensativo, mas assim, quem sofreu mais com isso foi minha mãe.” (Felipe

Cíntia nos conta que foi a única de sua casa que contraiu a hanseníase após a visita de seu irmão, a quem atribui a transmissão: 

Provavelmente tinha pegado do meu irmão, que foi numa época que ele foi me visitar, que ele tava numa época que ele tava aparentando as manchas, aí ele foi me visitar, ficou mais ou menos uma semana e provavelmente eu peguei. Tinham dez pessoas morando numa casa, só que só eu peguei. Dez pessoas morando numa casa só que só eu peguei, infelizmente.”

 

Os que já têm casos na família, especialmente quando são muito próximos, irmãos, no caso do Luiz Paiva, por exemplo, podem sentir receio de que a evolução de sua doença seja desfavorável, como a ocorrida com outro familiar.