Não só as pessoas evitam a presença de alguém diagnosticado com hanseníase, também a pessoa diagnosticada passa a evitar as outras pessoas.
Adriana nos conta, “eu mesma fico me impedindo, às vezes até eu mesma posso estar com preconceito comigo mesma. Eu fico assim "ah, a maioria que eu conheço tem gente com bebê novo, com criança nova", aí fico, assim, preocupada. Até minhas patroas mesmo falam "Adriana, vem aqui", eu falo: "Não, deixa eu esperar mais um pouquinho, ter mais tempo de tratamento, aí eu vou ver vocês", porque eu me preocupo muito com criança, com idoso, eu me preocupo muito. Eu me preocupo mesmo”.
Para alguns o preconceito internalizado, assim como o preconceito exercido pelas outras pessoas, está relacionado ao desconhecimento. Como nos explica, Izaías:
“Eu pensava que não iria conseguir fazer nada, que não iria conseguir arrumar namorada, não iria conseguir me casar, não iria conseguir fazer as coisas, fazer obra, fazer as coisas que eu gosto, jogar bola, sair. Porque a hanseníase é vista, pelas pessoas que não conhecem, é conhecida como lepra, aí o pessoal volta pra aquela ideia do passado, que se você tem lepra você tem que ficar preso, essas coisas. Pela bíblia a hanseníase é uma praga, então a pessoa tem que ficar isolada do mundo. Depois que eu fui conhecendo o que era a hanseníase, aí minha cabeça mudou. Pessoas iam me falando "isso tem cura, isso é coisa do passado...".
Para muitos, o sentimento de vergonha se soma ao medo de rejeição. Ermelinda nos diz: “E aí, a gente, si próprio, sente preconceito. Ah, é dolorido, a gente fica com vergonha de falar pras pessoas, pros conhecidos, pros amigos. A gente fica tímida nesse assunto. Eu fiquei. [...] a gente mesmo se põe para baixo”.
E Josefa fala do sofrimento de rejeição imaginada: “eu pensei ‘ele vai embora’, ele vai dizer que ‘eu já peguei ela com 4 filhos, agora deixo ela com...’ Nessa época eu tinha só 2 dele, faltava vir o outro. Eu digo, ‘tá bom, seja feita a vontade do Senhor’. Aí pronto. Eu fiquei chorando a noite toda até que o sono pode mais do que o choro, aí eu dormi”.
Maria Anábia adoeceu na infância, com 6 anos, de hanseníase e se pergunta até hoje se o tratamento com os remédios para hanseníase teria prejudicado seu aprendizado.
“eu queria saber se prejudicou? Por que eu não consigo ler? Eu me pergunto muito isso, entendeu? Porque se eu soubesse ler eu poderia ter um bom emprego, entendeu? Seria uma pessoa melhor, não que eu seja ruim, mas assim... [...] Não ser tão tímida. Por eu não saber ler eu já me afasto um pouco. Entendeu? A pessoa não sabe ler, ela fica com um pouco de preconceito dela mesma de não saber ler, entendeu? Que nem hoje, ontem, sexta-feira eu tava aqui me consultando, aí muita gente tava perguntando onde fica a sala tal. Aí ela falou assim, não pra mim, ‘essas pessoas não sabe ler'."
E conclui Marizélia, recordando sua conversa com sua filha, que estuda medicina: “se você não fosse da área, você iria ter medo, isso é natural as pessoas terem medo e você se sentir rejeitada. Mas... é... o pior da doença, da hanseníase... O pior da doença é... é essa parte psicológica que a gente sente muito”.
E, por fim, a jovem Yara, “Porque hoje, hanseníase não é uma coisa... um bicho de sete cabeças, hoje em dia hanseníase é uma coisa tranquila, é uma coisa como se fosse... as pessoas têm como se fosse uma gripe: dá, faz tratamento e passa. E... eu tinha muito preconceito, não era nem eles, eu que botava preconceito comigo”.