Superação

Alguns participantes, que passaram por um caminho terapêutico difícil, longo, apesar de terem ficado com algumas sequelas, nos afirmam um sentimento de vitória. Escolhemos João Carvalho, Jucenir, Maria da Conceição, Izaías e Maria da Saúde, embora haja ainda outros participantes que poderiam também compartilhar conosco seu processo de superação.

João Carvalho nos resume seu sentimento atual nos dizendo:

“Tudo isso que aconteceu comigo, mas graças a Deus hoje eu tô bem, tô tranquilo, fiz o tratamento. Hoje eu, graças a Deus, já tô bom, já aguento fazer... 90% meu de saúde já tá melhor, graças a Deus.

E João nos explica como ele lida com seus desafios cotidianos de modo a sustentar sua independência e seu bem-estar.

Essa aqui é a mão que eu mexo na faca, a minha faca é desse tamanho, é 15 polegadas. Eu mesmo corto a carne de porco, eu mesmo corto a carne de bovino, eu mesmo limpo meu quarto, eu arrumo minha cama, minhas coisas, eu que lavo as roupas, eu que faço meu dever de casa sozinho, não mando ninguém fazer dever de casa, sozinho, não mando ninguém fazer. Eu mesmo vou lá no fogão, pego a panela e boto no fogo lá, se eu não posso pegar a panela e levantar pra cá, o que eu faço? Eu pego a panela e arrasto ela bem devagarzinho assim ó, coloco ela num cantinho. Não boto a panela na mesa, porque eu sei que vai me atrapalhar. Não, não é sentir falta de força, porque vamos supor, a sensibilidade não é muita pra você levantar uma panela que tá quente, então no que ela tá quente, eu pego ela e arredo assim que é pra ela poder não me queimar.

Entrevistadora: Quer dizer, o senhor praticamente se sente sem nenhuma limitação?

João: Sem nenhuma limitação.

Entrevistadora: Tem umas adaptações que o senhor faz pra se cuidar melhor?

João: Tranquilo.

Entrevistadora: Entendi.

João: Tranquilo, se eu vou limpar o meu apartamento com a vassoura, eu mesmo pego a vassoura, vou lá, pego um pouquinho de água. Se eu sei que eu não posso pegar 10 litros de água eu pego 5, nem que eu pegue água 2 ou 3 vezes na torneira, eu vou lá, pego, limpo meu apartamento tranquilo, de boa, graças a Deus, faço meu dever de casa tranquilo. Eu mesmo vou no mercado, faço compras, faço compras sozinho.”

 

Jucenir se diz “um vencedor”. Depois de anos, destaca que seu filho mais velho se formou em analista de sistema e sua esposa em Administração, e ambos estão trabalhando nas suas áreas de formação. E nos resume dizendo: 

“Os problemas vêm, os obstáculos vêm, mas a gente tem Deus, ele sempre abre uma brechinha pra gente conseguir vencer. Eu não me julgo da doença, não reclamo, não tenho esse preconceito, me livrei de tudo, graças a Deus, eu consegui. Eu digo que sou um vencedor, digo que sou uma pessoa assim que eu tenho tudo na vida, tendo Deus no coração, você não dá para se julgar. Minha família está bem, é bem estruturada, meu filho trabalhando, terminando a faculdade. E foi a fase que ele sofreu mais, no começo da minha doença, ele passou um ano sem estudar, não queria largar do pai.”

 

Maria da Conceição também nos conta como ela transformou problemas em soluções, desafios em conquistas, depois de resumir seu sentimento atual de ter “a minha saúde de volta”

“E hoje eu estou aqui feliz, recuperada, tem sequelas, existe. Tem dia que a gente tá com o nervo no pé doído, o nervo da mão doído, usa muleta num dia, aí no outro dia já está bem, porque a gente confia em Deus, aí Deus é por todos nós que tem fé, aí a gente supera. Nunca deixei de fazer minhas atividades, de ajudar alguém que necessita de mim, sempre estendi a mão, embora aqueles que não me acolheram, eu fazia o bem por eles, para que Deus me desse a minha saúde de volta e Deus me deu, hoje eu agradeço.”

“E a cirurgia me recuperei levando o netinho pra escola [risos], viu!? Com quinze dias que eu comecei a botar o pé no chão, ele já começou a chorar, ‘mamãe, e agora mamãe, eu só ia pro colégio de motinha e agora eu tenho que ir a pé?’ Eu falei: ‘não, Wellington, põe a moto pra fora, bota a muleta perto do tanque, que eu vou lhe levar pra escola’. ‘Mãe, pois monte na moto’. Montei, saí, levei, pronto, to recuperada, to com meu pé recuperado. As marchas fez com que fizesse fisioterapia... as marchas que eu passava na moto, serviam como fisioterapia. A doutora falou: ‘você não tá fazendo fisioterapia?’. ‘Não, to andando na cinquentinha, dando marcha e meu pé tá bom, movimentando, trabalhando normalmente em casa’. A vida é assim são de momentos bons e ruins, então a gente tem que aceitar o bom e o ruim, e levar vida normal.”

 

É assim. A superação é isso! É a boa vontade de viver, de passar bem, passear, usufruir, não é.

 

Izaías nos narra, com satisfação e gratidão aos profissionais de saúde, como ele contou a sua atual esposa sobre sua doença. Confiante na relação terapêutica especialmente com sua fisioterapeuta e sua arteterapeuta, levou sua então namorada para o hospital onde ela conheceu as profissionais e outros pacientes, e assim compreendeu o que era hanseníase, o que era a doença que Izaías tratava. Depois de vários anos isolado, triste, com dores, Izaías compartilha conosco seu sentimento atual:

Eu faço tudo que eu fazia. Não com o mesmo fôlego que eu tinha, mas, assim, se tiver alguma coisa pra fazer dentro de casa eu faço, arrumar casa eu arrumo, fazer o almoço eu faço, jogar bola eu jogo, voltei a jogar bola... Mas não com excesso, não faço como jovem [sorri] Eu já estou com 29 anos!? Mas eu faço. Tô fazendo as coisas. Faço.”

 

Como Izaías, Maria da Saúde adoeceu muito jovem, com 17 anos. Quando do diagnóstico, ela precisou ser internada por um ano, dada a intensidade e a gravidade do seu adoecimento. 

Ela compartilha conosco como foi o desafio de voltar a andar.

Eu não conseguia andar direito porque eu não sentia estar pisando no chão, eu tinha medo de cair. Mas eu fui levando assim, minha família sempre me apoiando. Eles tiverem um certo cuidado, eu acho que até um pouco excessivo comigo, mas eu creio que por carinho, por atenção mesmo. Mas, depois com o tempo, com o tratamento, eu vendo que estava melhorando, fui vendo que eu conseguia, e eu fui tentando colocar na minha cabeça que a minha mente tinha que mandar no meu corpo. Minha mãe sempre me falava: ‘você tem que colocar na sua cabeça que você pode andar, que você só precisa ter cuidado pra você não se machucar, mas que você é capaz’ depois da cirurgia. Mas eu levei um bom tempo até voltar a andar normal, até ter uma certa segurança entre aspas de andar na rua, porque eu tinha medo de andar. Eu não andava sozinha, porque eu tinha muito medo de cair, das pessoas esbarrarem em mim e eu cair, porque eu não sentia. Hoje em dia até as pessoas me perguntam: ‘como você consegue andar se você não sente os pés?’ E minha mãe sempre falava assim: ‘quem comanda teu corpo é o teu cérebro, então você tem que botar na sua cabeça que você não é paralítica, que você anda, você só não tem sensibilidade’. E eu fui desenvolvendo isso pra conseguir voltar a andar normal, mas foi bem difícil. Foi um período bem difícil. Andei um bom tempo de muleta. Como falei, tinha que andar acompanhada. Eu segurava meu pai. Toda vez que eu saía com minha mãe, eu tinha que andar me segurando em alguém. Eu tinha muito medo, mas com o passar do tempo eu fui vendo que eu conseguia, que eu tinha limitações, mas que não era impossível.” 

 

Entrevistadora: Quando você nos diz que você lutou intensivamente durante 11 anos, você demarca o tempo a partir de que experiência? O que marcou o fim desses 11 anos?

Maria: O que marcou o fim foi assim... Foi quando eu me olhei no espelho... Fico até emocionada de falar... Eu percebi que minha pele estava normal, não apareciam mais caroços, não apareciam mais bolhas, e eu pude me ver porque... eu não sei se eu vou conseguir explicar. Antes, quando eu me olhava, eu via cada bolha que nascia, eu não me achava uma pessoa normal. Na minha cabeça eu pensava: poxa, não é normal eu estar bem e do dia para a noite meu corpo estar cheio de bolhas, cheio de caroços, e quando eu consegui ver que eu passei um bom período sem ter essas reações, pra mim foi um alívio. Foi a melhor coisa que eu pude ver que não aparecia, não tinha mais aquela reação que eu tive durante todo aquele tempo. Então o que mais me marcou no fim do tratamento foi poder me olhar no espelho e poder dizer ‘eu não tenho mais uma pele que nasce bolhas, agora eu tenho um rosto normal, não estou com rosto deformado’ porque eu inchava muito por conta da medicação, então o que realmente me marcou foi isso. Foi quando a minha mãe me chamou e ela falou assim... Foi quando a doutora falou assim: ‘você está de alta do tratamento, você não vai mais precisar tomar remédio, só que você vai precisar fazer o acompanhamento devido às sequelas’. A gente faz o tratamento devido às sequelas. Nesse dia que ela falou pra minha mãe, nós chegamos em casa e eu lembro que ela botou um espelho bem grande no quarto, e falou assim: ‘Se olha no espelho, depois você fecha os olhos e pensa em tudo que você passou, tudo que você viu atrás’. E eu fiquei de olhos fechados e ela falou: ‘agora abre e olha você’. E foi muito emocionante porque eu me olhei e me vi sem manchas, sem caroços, sem bolhas nenhuma, e ela falou: ‘Eu falei, você conseguiu. Você tá bem’. E pra mim foi o que mais marcou, foi esse apoio que eu recebi dela, porque é difícil, doutora. [se emociona] Muito difícil me olhar no espelho e ver que eu não tinha pele. Minha pele caía como se eu me queimasse, sem eu me queimar. Eu tava em cima de uma cama de hospital e, quando eu acordava, a pele ficava no colchão. Foi muito difícil. Desculpe. [emocionada]