Auricélia Andrade
Diagnóstico – Miocardiopatia Hipertrófica Familiar
Idade ao ser diagnosticado – 17 anos
Idade ao sofrer o transplante cardíaco – 49 anos
Idade ao ser entrevistado – 55 anos
Auricélia inicia o relato da sua jornada contando sobre a sua segunda gravidez, aos 17 anos. Nessa ocasião, a sua mãe ficava muito preocupada e falava que ela era muito nova para estar grávida "Auricélia, tu tá muito nova, com 17 anos e taís, taís grávida. Como é que tu vai fazer a vida desse jeito? Vai estudar!" . Devido a esses comentários e outros sobre o pai dos seus filhos, Auricélia resolveu procurar um médico para fazer uma laqueadura tubária, cirurgia para diminuir as chances de engravidar novamente. Antes de fazer a cirurgia, ela precisou ser avaliada por um cardiologista, que no exame notou algo diferente e perguntou se ela tinha algum problema no coração, ao que ela respondeu que não, mas tinha casos na família como a exemplo da sua irmã que havia sido diagnosticada pouco tempo antes. O médico, preocupado, a trouxe para Recife e após alguns exames o a informou que ela tinha um problema no coração que precisaria ser estudado. Auricélia voltou para casa e informou a família. Após certo tempo, seu irmão e sua mãe faleceram e Auricélia e sua irmã, Andreia, foram morar com a tia. Nesse momento, ela decidiu “Agora vou ter que andar pra saber o que realmente tem no meu coração” e foi diagnosticada com miocardiopatia hipertrófica familiar.
Ela conta como o cuidado da tia foi importante nesses momentos iniciais, era ela quem as levava para o hospital e as ajudava. Além de Auricelia e da irmã, a sua tia também tinha a mesma doença e precisou colocar um dispositivo no coração que impedia que este parasse, o cardiodesfibrilador implantável (CDI). Esse dispositivo era muito caro, mas como o caso da família de Auricélia tinha chamado a atenção dos médicos, eles providenciaram o aparelho e arcaram com os custos do internamento. Ela conta que após um ano, a sua tia veio a falecer.
Auricélia continuou com suas andanças para fazer exames, mas nesse período a sua irmã teve um derrame e ficou sob os seus cuidados. Ela conta como tomou as dores da irmã para si e questionava o porquê de demorarem tanto para fazer o transplante da sua irmã “Aí eu fui muito brava! Porque nas últimas, como é que se bota um coração numa pessoa em cima da hora?.” Além disso, Auricélia relata como esteve perto da sua irmã em todos os momentos pré e pós transplante desde as consultas que antecederam o encaminhamento para fazer a cirurgia até a alta após 3 meses do procedimento.
Quando volta a falar sobre si, Auricélia diz que continuou indo às consultas de rotina e após 03 anos do transplante da sua irmã, ela descobriu que seu coração estava funcionando mal e que precisaria fazer o mesmo procedimento. Auricélia se recusou, pois viu e sofreu com a difícil recuperação da sua irmã e não queria passar por isso novamente. “Eu brigava muito. Dizia que não fazia transplante porque ela sofreu muito após transplante. A pessoa passar três meses dentro de um hospital. Para mim, que era irmã, foi muito difícil.” Mas ela aceitou após algumas conversas com seu médico assistente que a disse: "O organismo de um não é o mesmo do outro, Auricélia. As pessoas não são iguais. Você vai fazer e vai dar certo!"
Então, Auricélia foi chamada para fazer o teste do pulmão para saber se poderia receber o coração que havia chegado. Ela conta que tinha outras duas pessoas na sua frente e acreditava que nenhum coração serviria para ela porque fumava muito. Entretanto, para a sua surpresa, o resultado do teste saiu em algumas horas indicando que ela poderia receber o coração! Auricélia diz que a sua recuperação foi tranquila e passou 12 dias no hospital. Ela teve uma complicação e seu pulmão ficou cheio de líquido, mas, se não fosse isso, acredita que teria ido para casa antes. Sobre o receio que tinha no início devido a história da sua irmã, ela diz: “O meu transplante foi uma coisa muito diferente de Andreia. Muito diferente mesmo.”
Auricélia ainda é muito presente na rotina da sua irmã e nota que elas tem diferentes visões sobre a vida. Auricélia tenta animá-la dizendo que há dificuldades impostas pela vida “Mas o coração é novo. Você tá vendo seus neto crescer, né? Tu ainda tem dois olhos pra ver, tem um coração batendo. Tem tantos que queriam tá no teu lugar.”
Sobre o futuro, Auricélia diz que não tem metas porque a sua principal meta já foi alcançada: a vida, pela segunda vez. Além disso, ela entrega os seus próximos dias a Deus e agradece pelo seu marido, filhos e neta. Ao falar da sua neta, ela divide um momento singular e de suma importância para a sua vida. No dia em que recebeu a notícia de que seu coração estava funcionando pouco e que precisaria do transplante, ela ficou arrasada e mal conseguiu chegar na casa da sua filha, onde estava cuidando da sua neta. Ela conta que adentrou chorando muito e se sentou com Cibele, a sua netinha, no colo. As suas lágrimas começaram a escorrer e Cibele fez algo que deixou Auricélia impressionada e mudou a forma como ela estava lidando com a sua atual situação: “O senhor acredita que ela enxugava com as mãozinhas dela as minhas lágrimas? Ela enxugava de um jeito... Eu disse: 'Meu Deus!' Ela passava assim as mãozinhas, aí tirava, depois ela vinha de novo e passava. Até hoje, essa cena nunca sai de dentro de mim. Eu acho que minha força maior pra fazer o transplante foi a minha neta. Porque eu não pensava em mim. Como eu disse lá no início que não fazia, né? Mas com a minha neta, quando eu vi fazendo aquele gesto... Foi tudo da minha vida. Então eu não posso deixar minha neta, minha família não!”
Auricélia expressa o desejo de conhecer mais sobre a pessoa que doou o coração e diz que é muito grata a família desta. Quando perguntada, ela diz que não se sente uma pessoa diferente após o transplante mas afirma que leva uma vida normal e sente-se ótima. Auricélia ainda diz que o seu conselho para quem está à espera de um transplante é “Que faça. Não desista nunca do seu objetivo…Eu vou incentivar a pessoa a fazer sim! Porque a vida é boa demais.”
Valdeir
Diagnóstico - Miocardiopatia Hipertrófica Familiar
Idade ao sofrer o transplante cardíaco - 27 anos
Idade ao ser entrevistado - 33 anos
Valdeir, um paciente que relata que seu problema cardíaco era de origem genética e que, com o tempo, sua situação foi se agravando, até chegar ao ponto em que qualquer ansiedade gerava um intenso mal estar. Assim, ao buscar ajuda médica, descobriu que, se não realizasse um transplante o mais cedo possível, acabaria morrendo. Essa evolução, do passar mal à necessidade de transplante, segundo conta, ocorreu em poucos meses. Com isso, prontamente aceitou a realização do transplante e entrou na fila de espera.
Segundo conta, sua espera foi curta, durando cerca de dez dias. No entanto, após o transplante, acabou passando por uma situação complicada, já que houve o rompimento de uma veia e, por isso, precisou voltar para o bloco para realizar a costura. Alguns dias após a realização da costura, começou a sentir muita dor no corpo, o que impedia que conseguisse deitar. Com isso, acabou precisando realizar uma drenagem do pericárdio, já que ele estava cheio de líquido. Devido a tais questões, acabou ficando cerca de 3 meses internado após a cirurgia.
No entanto, mesmo com tais questões, seu transplante foi um sucesso, o que o motivou a incentivar sua prima e sua tia a também realizarem o procedimento. Assim, ambas realizaram o procedimento e, com isso, receberam alta com cerca de duas semanas.
Embora soubesse o nome do doador, acabou esquecendo tal informação, lembrando-se apenas que ele tinha 17 anos ao falecer. Valdeir conta que, por ter ouvido histórias sobre familiares de doadores ameaçando o indivíduo que recebeu o órgão ou pedindo dinheiro, acabou não tendo muito interesse em obter mais informações.
Durante sua internação, conta que chegou a ver 3 a 4 pessoas morrerem por complicações no transplante. Além disso, também viu pessoas morrerem por não aguentarem o tempo de espera. Para ele, tais situações foram significativas, causando choro e o levando a pensar “será que serei o próximo?”.
Atualmente, Valdeir diz estar bem, tanto em relação ao transplante quanto em relação às questões de sua vida pessoal. Embora pretenda voltar com sua lanchonete, conta que está satisfeito com sua vida atualmente, embora relate que seu psicológico não está muito bom, mas que, após alguns surtos, começou a realizar acompanhamento psiquiátrico.
Em relação aos medicamentos, alega tomar todos corretamente. Para ele, tomar as medicações é algo necessário e que é justificável, já que foi um sacrifício conseguir o órgão e passar pelo período pós-transplante. Pensa que é melhor tomar o medicamento e não passar mal do que não tomar e passar mal.
Já em relação ao que diria a outros indivíduos que precisassem de transplante, ele conta que, caso encontrasse tais pessoas, incentivaria que realizassem o procedimento, pois a vida melhora muito.
Por fim, conta que apresentou uma leve rejeição após a cirurgia e que precisou realizar hemodiálise após o transplante, pois seus rins apresentaram problemas. No entanto, cerca de um mês e meio após o início da hemodiálise seu corpo se adequou, podendo abandonar a realização de tal procedimento.