Profissionais de Saúde da APS

Temas: APS

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Os desafios e as reflexões dos profissionais de saúde durante a pandemia covid-19 foram destacados em diversos aspectos. Dentre os vários tópicos abordados nas entrevistas, um deles foi a importância do contato humano na prática da enfermagem. Uma enfermeira da AP 3.1 destaca a falta do toque físico como uma perda significativa no cuidado com os pacientes. Para ela, ações como apertar a mão ou dar um abraço são gestos que transmitem carinho e confiança. Com a pandemia, o olhar tornou-se o principal meio de comunicação e conforto, substituindo o contato físico necessário.

Tem a questão do toque, como isso é importante. Vejo isso como muito importante na prática. Apertar a mão de alguém, tocar na pessoa, isso é uma forma de carinho de passar uma certa confiança. Eu sou… minha essência é muito disso, de abraçar, tocar. Estar ali presente, estar mais junto, sentir. E aí, isso… Isso me fez muita falta. Então às vezes você tem uma pessoa um paciente ou até um familiar alguém que está precisando mesmo de um abraço, de um aperto de mão, e você fica com aquela sensação, o que faço com as minhas mãos, não posso. E aí o olhar mais do que nunca foi o que a gente podia e ainda pode oferecer. (ENF Tayná)

Outro ponto importante, foram os conflitos e medos vivenciados pela equipe de enfermagem. Um enfermeiro da AP 2.2 se recorda da resistência em relação ao processo de execução dos testes diagnósticos, os quais em sua maioria, envolviam a coleta de material por meio de swab de naso ou orofaringe. Ele enfrentou conflitos com técnicas de enfermagem que temiam contrair COVID-19 durante a testagem, preocupadas com a segurança de seus familiares. Ele teve que convencê-las de que estavam protegidas com a paramentação adequada e que era necessário continuar o trabalho na testagem.

Enfrentou bem. Em questão de conflito em equipe, tive algumas… algumas técnicas de enfermagem na época que não queriam ficar na testagem porque tinham medo de contrair o COVID e depois ia para casa, como iria para casa para ver o filho pequeno ou a mãe idosa ou o pai idoso, não queriam ficar na testagem. Então, esse tipo de conflito que eu tive mais, então não posso colocar mais um e não colocar outra, entendeu? Então, esse tipo de conflito que eu tive mais. Eu tive que chamar para conversar e dizer “Tem toda a paramentação, você está protegida, você já está vacinada. Precisa ficar sim”. Na testagem, tive muito esse conflito (ENF Leônidas).

O mesmo enfermeiro relembra os processos para a retomada do serviço. Para a volta à dita “normalidade” após o período mais crítico da pandemia inúmeros foram os desafios enfrentados, pois a equipe teve que reassumir serviços anteriores além de continuar com a testagem e vacinação de COVID-19, criando uma carga de trabalho adicional.

E tem sido um desafio agora também, do que eu penso toda essa retomada de serviços. Eu penso, assim, que eu como enfermeiro, a gente… falando pessoalmente mesmo. Eu perdi muito da mão na consulta, no atendimento de enfermagem, porque isso a gente está retomando agora, então a gente ficou muito tempo sem fazer essas práticas de saúde, sabe? A gente ficou sei lá, seis meses, um ano sem fazer isso, aí os enfermeiros ficavam atendendo, fazendo os testes de COVID e os médicos que ficavam atendendo mais os casos da unidade, das linhas de cuidado. Então, essa retomada agora, de todos os serviços funcionando na atenção básica, tem sido um desafio muito grande também, porque a gente tá tendo que retomar tudo, fazer todos os trabalhos que a gente já fazia antes mais o COVID. Mais os testes de COVID, mais a vacinação. E vai ser permanente praticamente. Não vai sair tão cedo, veio para ficar. Então, você tem no mínimo mais dois setores aí: o setor de testagem e o setor de vacinação do COVID (ENF Leônidas).

Os desafios quanto à informação e conscientização também se fizeram presentes. Uma ACS da AP 2.2 enfrentou a difícil tarefa de combater a desinformação, explicando às famílias a veracidade das notícias em meio à avalanche de informações conflitantes. Convencer as pessoas a seguirem medidas de segurança, como ficar em casa, foi especialmente desafiador. Mesmo sem grandes conflitos profissionais, ela e seus colegas viviam com o constante medo de contágio, afetando sua rotina e criando um ambiente de tensão. A sobrecarga de trabalho e a incerteza eram sentimentos constantes.

Difícil, difícil porque ficava vendo televisão, aí a pessoa falava uma coisa na televisão, chegava uma notícia no WhatsApp, muita informação e aí para a gente explicar que aquilo não era verdade. Eu acho que o mais difícil é isso, você tentar conscientizar e acalmar a pessoa no meio de uma coisa que era nova, porque era tudo novo, tudo bem diferente, a gente nunca tinha passado por isso, e aí você tem que acalmar a família, explicar para eles, não é bem assim, calma, vamos ver se essa é a notícia verdadeira mesmo, você não lê... E acho que o mais difícil era isso, conscientizar também. E o de ficar em casa também, fazer a pessoa ficar em casa quando fica saindo. Meu marido... Meu marido saía para as coisas dele. Aí eu falava, não sai, não sai, fica em casa. Queria sair, queria trabalhar, queria fazer as coisas dele. Eu falava, não, tem que ficar em casa, sossega. O mais difícil era isso, conscientizar e tentar explicar que nem tudo que estava passando ali, é aquilo, e nem sempre as informações que as pessoas estão passando para você é verdade, vê se é verdade ou se é mentira, isso é o mais difícil (ACS Karen Caroline).

Uma outra enfermeira da AP 2.2 percebeu um fortalecimento das relações entre colegas durante a pandemia, que funcionavam como uma válvula de escape e suporte mútuo. A convivência estreita e a necessidade de enfrentarem a crise juntos intensificaram os laços entre os profissionais, criando uma rede de apoio essencial.

Então é que assim na parte profissional, não tô lembrando muito não, porque a gente tava ali naquela tensão 24 horas. Estou na escala tal, vou para escala tal. Sem tempo para dar uma respirada. Eu acho que o que mudava mais assim, era quando alguém se afastava por Covid. Aí você ficava meio… ih almocei com fulana, aqui do lado, tá com Covid. Me deixava meio tensa. Na questão profissional, acho que não, pelo menos falando assim da Unidade em que eu estava inserida, a gente não teve esse problema, esse distanciamento. Só batia o medo mesmo assim “poxa almocei com fulano e ele positivou para Covid”. E da sobrecarga que a gente tinha mesmo de trabalho pelos afastamentos, mas… Eu acho que era a família que a gente tinha mais presente. As pessoas que estavam na mesma situação que você, que a gente tinha como válvula de escape, não tinha minha mãe, minha irmã, meu sobrinho, mas tava conversando com o enfermeiro que era mais próximo, com o médico que era mais próximo então, acho que também teve esse fortalecimento de laços. Talvez a relação que a gente tenha hoje, que eu tenho hoje com algum desses profissionais não seria a mesma se esses laços não tivessem sido fortalecidos no Covid. Estamos juntos, estamos aqui, estamos brincando no momento, mas a gente tá brincando. A gente tá zoando. A gente tá se ajudando também. Acho que teve esse lado de fortalecer os laços também (ENF Bruna Saldanha).

O contato físico, essencial no cuidado e no conforto aos pacientes, foi substituído pelo olhar, evidenciando a importância do toque na prática da enfermagem. Gerenciar os medos da equipe e a resistência em assumir papéis de alto risco, como a testagem, exigiu diálogo e reafirmações sobre a segurança fornecida pela paramentação. A retomada dos serviços, além da continuidade das ações contra a COVID-19, representou um desafio logístico e operacional significativo. Combater a desinformação e garantir que as pessoas entendessem e seguissem as recomendações de saúde foi crucial, enfrentando desafios pessoais e familiares para manter todos seguros. A crise fortaleceu as relações entre os profissionais, criando um senso de solidariedade e apoio mútuo vital para enfrentar o estresse e a carga emocional da pandemia. Essas experiências refletem a complexidade e a profundidade dos desafios enfrentados pelos profissionais de saúde da APS durante a pandemia, destacando a importância do contato humano, a necessidade de gestão eficaz da equipe e a luta constante contra a desinformação, além de destacar o poder da união e resiliência em tempos de crise.