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Os profissionais falam da dinâmica familiar em função do isolamento sugerido para evitar o contágio acrescido das reações de cada pessoa envolvida. De longe esse tema esteve muito presente nas narrativas das três categorias profissionais.
A preocupação maior era com os familiares mais velhos ou mais vulneráveis pela presença de alguma outra doença, especialmente pais e avós.
Então, quando a gente começou na pandemia, eu tava morando com a minha mãe. E minha mãe na época tava com 66 anos que já é um público idoso, de relevância. E aí é o desconhecido, aquilo “Cara, eu tô ali, na assistência direta”, eu tô exposta diretamente. [...] Eu acho que o medo não era nem por mim, eu nunca tive um medo assim, claro, é desconhecido, de eu adoecer, o medo era de pegar e transmitir para a minha mãe. Então, nesse momento, quando eu vi tudo muito incerto, eu decidi, isso foi em março, de março a julho de 2020, eu decidi sair de casa e morar com meu namorado mais novo, não tem comorbidade, não é uma população de risco! (ENF Bruna Saldanha)
Já em relação ao cônjuge houve menor preocupação, maior compartilhamento do espaço doméstico e, não raro, a presença dos sintomas foi quase simultânea. Para alguns casais foi uma experiência tranquila.
a gente não se afastou, dormia na mesma cama, a gente fazia as nossas rotinas normais, ele também perdeu olfato e paladar, mas como eu falei, ele voltou uma semana antes, ele já tinha vontade de comer coisas, e eu não tinha: “ah, vamos pedir hamburguer?" “ah, mas eu não estou com vontade de comer hamburguer, nem sinto gosto.” “Tá bom, vamos pedir hamburguer". E aí eu comi hamburguer com ele, com a memória do gosto do hamburguer (MFC Talita).
Ele [marido] também tinha consciência de que uma hora isso ia acontecer. Ou primeiro eu ou ele, porque ele trabalha na rua [como Uber]. Então, assim, no momento da pandemia, ele não podia parar de trabalhar. Então ele se cuidava, usava máscara, tinha álcool em gel, oferecia para os passageiros. Então a gente já estava ciente que, uma hora ou outra, alguém ia pegar. E que fosse da forma mais leve possível. Então não teve essa questão de culpa. Então foi muita parceria. Ele não me culpou, em nenhum momento, e eu não culpei ele, porque a gente estava vulnerável. Graças a Deus, meu marido é muito parceiro, muito amigo, e quando eu estava caída, ele me levantava, e quando ele estava, eu levantava ele. E a gente foi superando (ACS Mayara).
No entanto, houve também reações muito intensas de receio de contaminação por familiares ou vizinhos por um profissional de saúde que trabalhava na linha de frente.
eu moro com meu companheiro, atualmente aqui no Rio. Ele é professor, então ele ficou em casa, porque as escolas pararam. E como ele tem os pais dele também, a gente decidiu para ele voltar para casa dos pais [...] Sem saber muito o que poderia acontecer, ele voltou para casa dos pais para eu não ter contato com ele. Então, eu fiquei sozinha por uns 4 meses, sem ter contato com ninguém mesmo. Então, era do trabalho para casa, da casa para o trabalho. Então, teve todo esse contexto também de isolamento mesmo (MFC Amanda Barbosa)
Quando meu filho dizia assim “pai, eu vou no mercado”, ele [marido] respondia “deixa que a sua mãe vai”, “ninguém vai sair daqui”, “ninguém sai”. E se alguém botasse o pé, descesse para buscar uma correspondência na caixa do correio, ele já brigava, ele não queria. [...] E ninguém saía de casa, meu marido então não saía de dentro do quarto. Primeiro que todo mundo tinha medo de mim, eu era a pessoa que ia para rua, ia para Clínica da Família e ia para o hospital. Então eu já chegava já na porta de casa, já tirando roupa, já tava naquele processo todo, mas isso eu já saía de lá já sempre de banho tomado, eu nunca vinha sem. Mas chegava aqui tomava um outro banho, me arrumava, e eles ficavam cada um nos seus quartos. Eu evitava ao máximo estar circulando também junto com eles. Mas aqui em casa ninguém teve COVID (ENF Maria Aparecida).
Acho que as pessoas ficam com medo. Só de eu trabalhar na saúde, o dono do prédio que eu moro, já falava “Rebeka, não sobe aqui em cima”. Não vem estender roupa não vai fazer mais um pouco. Quando ele soube do COVID então, ele não chegava nem na porta com medo, mas assim teve pessoas, que não queriam chegar perto de mim e tal com medo de se contaminar (ACS Rebeka).
Com toda a questão do isolamento e risco de contaminação, em muitas narrativas encontramos a saudade das pessoas queridas que todos passaram a viver durante a pandemia.
Eu moro na mesma cidade que os meus pais, a gente mora relativamente perto, e eu tinha o costume de visitar eles semanalmente, e foi uma coisa que eu parei de fazer. Passei muitos meses sem ver os meus pais (MFC Atila)
O pior impacto para mim foi que eu fiquei muito tempo sem ver minha mãe. Minha mãe mora em outro Estado, mora em Minas e eu moro com a minha esposa. E a minha irmã mora aqui no Rio também. Eu fiquei muito tempo sem ver, acho que fiquei mais de 8 meses sem ver a minha mãe, mas vários meses também sem ver a minha irmã (ENF Leônidas).
Eu cheguei a ficar quatro meses sem poder ver minha filha, sem poder ver minha mãe, sem poder ver as pessoas que me dão as forças. E a minha irmã, eu tenho uma sobrinha que é pequena, a gente sempre foi muito presente uma na vida da outra (ACS Daiane).
No começo da pandemia, houve muitas demandas de familiares, amigos, conhecidos que chegavam a toda hora. Com o avançar da pandemia foram cedendo possivelmente pelas informações estarem sendo mais difundidas, o número de casos estar sendo menor. Compreensivelmente a preocupação da médica com estas demandas contrasta com a satisfação do ACS que se sentia útil e valorizado pelas pessoas.
As pessoas mandavam mensagens direto, o tempo todo, pedindo exame, falando sintoma. Isso era uma angústia também, porque saía do trabalho, mas o trabalho não saía de mim. Porque vinha por outros meios. Não eram pacientes não. Eram todas pessoas da minha vida pessoal, família, amigos que tinham meu telefone (MFC Talita).
Cara, eu sou agente de saúde, então eu moro próximo à Unidade, então assim, por eu estar aqui há muito tempo, todo mundo que me vê na rua, pode ser num sábado, num domingo, eu saindo pra algum lugar, todo mundo pede informação. "Pô, está abrindo amanhã, tem vacina, tem médico? Meu filho vai fazer isso aqui, tem dentista?” Então, a gente sempre dá uma informação, entendeu? Recebe o carinho, um abraço, pede informação, ajuda. Assim, é gratificante isso. (ACS Everson)
No começo da pandemia, houve preocupação com a perda financeira decorrente da perda do trabalho de vínculo precário por familiares entre os ACSs.
Ele [marido] é Uber, então ele teve que deixar de trabalhar, e isso afetou nossa renda. A gente teve que ficar à mercê da ajuda dos nossos pais, que, graças a Deus, tiveram condições de ajudar a gente nesse tempo (ACS Mayara).
Não só o trabalho, mas também o lazer ficou bem mais restrito.
Eu sou muito ativa, eu malho, eu adoro fazer atividade física, então, assim, não fazer isso, isso foi muito ruim pra mim. Então, eu fui me adaptando. Então, eu chegava e ia fazer exercício em casa, eu tentava me adaptar, vamos dizer, a essa nova vida. E tentava fazer, e pegava garrafas pet, enchia com água pra fazer peso, e fazia na varanda aqui de casa, até pra poder ocupar um pouco a mente, porque trabalhar o dia inteiro é Covid, Covid, Covid (ACS Leticia).
Eu procuro controlar [o estresse] com minhas distrações. Caminhada, os hobbies que eu tenho de leitura, revista em quadrinho, romance, que eu me distraio com isso. Mas tem sido um desafio muito grande controlar essa ansiedade, esse nervoso, essa ansiedade que fica assim, talvez tenha até que precisar buscar questões alternativas como Yoga para poder controlar… (ENF Leônidas).
Eu fiquei muito mais sedentário, dentro de casa, fazia exercício dentro de casa, você acaba ficando com pouco mais de preguiça, então eu não tinha disposição física, ficou muito pior, e eu engordei, assim, consideravelmente (MFC Átila).
Houve quem tivesse preocupação com seu bem-estar e sua saúde mental e, de fato, reduziu o trabalho, e desenvolveu novas atividades e habilidades num plano conjunto com seu marido. No seu relato ela considera que foi “feliz” durante a pandemia.
Eu acho que minha experiência na pandemia, ela é diferente, e talvez mais de boa, mais agradável, porque eu tenho uma carga horária baixa de trabalho. Isso é uma opção que eu fiz, porque eu tinha passado há pouco tempo por uma carga de serviço muito grande, e queria dar uma pausa, dar uma relaxada, trabalhar menos. E aí, é isso: eu trabalho 20h por semana, teve um período da pandemia que eu trabalhava 26 horas por semana, porque eu fazia um turno de telessaúde na prefeitura. Eu acho que por causa disso, minha saúde mental ficou legal assim. Não tive burnout. [...] Eu acho que eu e meu marido a gente teve uma preocupação grande em manter a saúde mental. [...] A gente conseguiu se virar bem assim, cozinhar bastante, aprender alguns hobbies, eu aprendi a tocar violão na pandemia, aprendi a fazer crochê, o Bruno faz cerâmica agora. A gente está assim… A gente conseguiu se ocupar de uma maneira saudável. [...] A gente conseguiu se organizar para se cuidar dentro de casa. E então, apesar de todas as mudanças, eu acho que fui feliz durante a pandemia sim (MFC Julia Horita)
Por fim, a reflexão de uma médica levou-a com seu marido a uma decisão importante.
Vendo a finitude da vida tão de perto, tão mais frequente do que a gente da Atenção Primária está habituada, eu acho, eu me peguei pensando que eu precisava ter um filho logo. Eu estava com 30 anos na época, tinha acabado de fazer 30 anos, e meus pais envelhecendo, meu corpo envelhecendo, e as pessoas morrendo, e eu pensei, cara, não, eu tenho que engravidar, eu preciso ter um filho agora, eu tenho que dar um neto para o meu pai, tenho que dar um neto para a minha mãe, como assim, e eles idosos também, meu pai também é profissional de saúde, e vai que acontece alguma coisa com eles, eles morrem, e não tiveram esse prazer! Então, começa daí, em maio de 2020, a gente optou, eu e o Bruno, ele também seguindo as mesmas ideias, com acompanhamento pré-concepcional, comecei a tomar as vitaminas, em agosto eu tirei o DIU e em outubro eu descobri a gravidez, dia 11 de outubro eu descobri a gravidez (MFC Clara Antunes).