Entre as Ondas

Temas: APS

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No intervalo entre as chamadas ondas da pandemia Covid-19, as unidades e equipes tentaram se reestruturar. Ao mesmo tempo, foram notados novos perfis de pacientes acessando as unidades para atendimentos que não eram sobre síndrome gripal.

Um médico da AP 3.3 narra um período entre a segunda e terceira onda de redução importante na quantidade de atendimentos relacionados a sintomas respiratórios, com testes negativos para Covid-19 e indicando a presença de outros vírus respiratórios como resfriados e gripe. Tal mudança foi tamanha que permitiu que as unidades de saúde retomassem suas atividades normais, conforme orientado pela SMS-RJ em outubro de 2021, na tentativa de retomar o cuidado de outras condições de saúde negligenciadas durante os períodos mais críticos da pandemia. Doenças crônicas, transtornos mentais, e o impacto da fome e do luto, são apontados como áreas críticas que requerem atenção contínua.

"Eu acho que a gente tá vivendo nesse momento um período mais tranquilo. Nessas últimas três semanas [setembro 2021], a gente viu de fato uma redução bem importante da quantidade de COVID. Para ter uma ideia, assim, estava atendendo há três semanas, uma média de 24 pessoas por turno lá na parte só dos sintomáticos respiratórios. Na semana passada, a gente estava por volta de 13 atendimentos por turno, então ainda é uma quantidade de atendimento razoável e considerável, mas para uma população adscrita do nosso território de 20 mil pessoas, que é o que a gente tem mais ou menos de pessoas, acho que é um quantitativo razoável. E boa parte dessas pessoas, nas últimas três semanas, que testaram conosco, os testes são negativos. Então a gente tem visto emergir outros vírus, resfriado e gripe, influenza, outros que não são COVID" (MFC Márcio).

 

"A gente tá numa nova fase, a gente vai entrar em uma nova fase da campanha de vacina, tá começando a dar um pouco mais de refresco em relação ao COVID, no caso de sintomas respiratórios. A gente tem visto essa redução, não sei se isso se sustenta, mas a partir dessa data de 1º de outubro [2021] a recomendação aqui da gente é que já volte às atividades normais nas unidades de saúde. [...] é importante a gente cuidar de pessoas com COVID, mas as pessoas também sofrem na tuberculose, sofrem com violência, com transtorno mental, hipertensão, diabetes, enfim de tudo mais. Só acho que agora a gente tá vendo as pessoas sofrerem com fome, sofrerem porque estão em luto. A tripla carga de doença que aumenta, vira quatro cargas de doença" (MFC Márcio).

 

Durante o período entre as ondas, foi possível reavaliar a escala de trabalho e reintegrar os enfermeiros de volta aos consultórios. Isso proporcionou uma oportunidade para as equipes retomarem a vigilância das linhas de cuidado. No entanto, essa tranquilidade foi temporária, pois no final do ano de 2021, os casos começaram a aumentar novamente, especialmente em novembro e dezembro, forçando uma nova intensificação das medidas de resposta à pandemia. Essa oscilação entre períodos de alta e baixa demanda impôs um ciclo de ajustes constantes na força de trabalho e nas estratégias operacionais das unidades de saúde, evidenciando a necessidade de uma gestão flexível e adaptável para enfrentar as flutuações da pandemia.

"Diminuiu um pouco [entre agosto e outubro de 2020], nós até fizemos uma reorganização da escala, aí os enfermeiros saíram um pouco da sala do COVID para tentar voltar para os consultórios, tomar pé do que tava acontecendo enquanto estava tranquilo. Diminuiu equipes atendendo. Enfim, houve uma tranquilidade. Depois no final do ano foi que começou a crescer de novo, começou a aumentar o número de casos em dezembro, novembro, mais ou menos aí começou tudo de novo" (ENF Maria Aparecida).

 

A gestão de algumas linhas de cuidado, particularmente gestantes, crianças, hipertensos e diabéticos, muitas vezes se limitava à renovação de receitas, sem a possibilidade de uma abordagem mais individualizada. Isso resultou em uma descompensação significativa das condições crônicas de muitos pacientes. Além disso, a saúde mental emergiu como uma área crítica, com um aumento considerável de pessoas buscando tratamento para transtornos mentais devido ao impacto da pandemia. A perda de empregos, morte de parentes, e outras consequências emocionais associadas à Covid-19 levaram a um aumento nos casos de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais, intensificando a demanda por serviços de saúde mental. A violência doméstica também registrou um aumento preocupante, adicionando mais uma camada de complexidade para os profissionais de saúde.

"A preocupação maior eram as gestantes, as crianças e os hipertensos, diabéticos, pacientes com risco cardiovascular mais avançado, grau 2, grau 3. Esses, a gente ia atendendo assim: renovando receita e “tchau e benção”. Não tinha como fazer um atendimento mesmo. E aí, quando a gente foi tomar pé, nossa senhora! Tinha muita gente descompensada, sem contar a questão da saúde mental que aumentou muito. Muita gente começou a acessar por conta da saúde mental. Perda do emprego, perda do parente, isso tudo desorganizou várias famílias. Muitas! E aí, a quantidade de usuários que começaram a fazer tratamento medicamentoso, terapia, acessar mais a unidade, foi muito gritante. E a gente não estava dando conta dos nossos pacientes crônicos, hipertensos, diabéticos. E aí, entrou mais esse grupo que aumentou demais, muita gente nova, que você chegava assim, fazendo um atendimento comum, usuário hipertenso, e ele começava a chorar na sala. “Eu perdi meu emprego”, “eu perdi meu parente”, “eu perdi um amigo”, “meu casamento não tá bem depois do COVID” ou "eu sofri violência". O número de violências também aumentou muito. Como está até hoje essa situação da violência e da saúde mental" (ENF Maria Aparecida).

 

Uma enfermeira da AP 5.1 observa que, embora a situação tenha melhorado consideravelmente em comparação com os picos anteriores, a Covid-19 ainda persiste de alguma forma na comunidade ainda em 2024. O contraste entre a situação atual e o passado recente cria um sentimento de alívio misturado com a cautela, à medida que a Covid-19 continua a ser uma preocupação, mesmo que em uma escala menor. Necessária vigilância contínua e um sistema de saúde preparado para lidar com possível reemergência de casos, enquanto se ajusta para retomar e sustentar as atividades normais de atendimento dos usuários. 

"Os vestígios ainda têm, ele ainda tá. É, mas ele está entre nós de alguma forma. É, então assim, eu falei, gente, é complicado. Mas é estranho quando a gente vê três casos positivos, que antigamente eram 50, 100 positivos num dia. Hoje [01/2024], a gente não quer ver mais" (ENF Luciana).