Espiritualidade

Temas: APS

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Em meio às experiências de âmbito pessoal dos profissionais de saúde da APS carioca, a espiritualidade também foi um aspecto compartilhado. A influência da fé e da religião durante a pandemia covid-19 esteve presente nas entrevistas de profissionais de todas as categorias e diferentes credos.

Uma MFC da AP 3.1 descreveu sua participação em reuniões de oração via Zoom com amigos, destacando a importância de manter contato e receber apoio espiritual. Ela encontrou conforto na oração e no apoio de outros cristãos, acreditando que sua fé a ajudou a enfrentar os desafios da pandemia.

Eu sou cristã há muitos anos, e na verdade a gente fazia algumas reuniões de zoom, de oração… até os amigos mesmo. Então foi importante sim. Estar sempre falando com pessoas, sabendo que estão orando por mim, e eu também poder orar e acreditar que vou ficar bem, vai ficar tudo bem. Acho bem importante sim você ter uma crença (MFC Talita).

Uma ACS da AP 4.0 descreveu a fé como base. Ela enfatizou que a fé em Deus foi fundamental para enfrentar o período difícil da pandemia assim como o apoio significativo da comunidade religiosa, o que reforçou sua crença de que todas as dificuldades têm um propósito divino. A profissional também usou o tempo de isolamento para refletir e rever seus conceitos, atribuindo suas experiências ao plano de Deus. 

Com certeza, acho que a base de tudo é a fé, a base de tudo é Deus. Sempre na minha vida eu pensei assim “Deus é comigo então não tenho o que temer” A gente é humano, temos nossos medos, a gente tem nossas aflições. Mas a certeza de que Deus está conosco, que Ele está no controle de tudo, a gente pode passar por qualquer coisa. As pessoas da minha igreja também me ajudaram bastante: mandaram mensagem. Sempre tive a certeza que ia dar certo, porque aquilo ali que eu estava passando era para um aprendizado, eu acho que nada acontece na nossa vida por acaso. Se Deus me colocou ali, se eu estava naquele quarto, porque tinha algo que eu tinha que mudar em mim, nos meus pensamentos. Foi ruim, né? Mas ao mesmo tempo eu precisava daquilo, parar e refletir, rever nossos conceitos. A fé é uma coisa sobrenatural, é você crer no que você não vê, mas ter a certeza que vai dar tudo certo (ACS Rebeka).

Uma enfermeira da AP 3.3 trouxe os desafios impostos pelo afastamento relacionados a sua prática religiosa. Como umbandista, enfrentou dificuldades com o afastamento físico do terreiro e a impossibilidade de realizar reuniões espirituais. Relata que recebeu suporte espiritual contínuo de sua mãe de santo e realizou rituais em casa, incluindo uma limpeza espiritual significativa antes do falecimento de sua mãe. Compartilhou os sentimentos vividos de conforto e desespero simultaneamente, acreditando que as mensagens espirituais indicavam tanto preparação quanto aceitação do curso natural da vida. 

O ano de 2020, acho que, para todo mundo que faz parte de alguma religião que tenha um templo como eu faço, eu sou umbandista, a gente ficou afastado do terreiro, a gente não podia se reunir, não podia fazer nada. Eu fui muito contra todas as iniciativas de reunião, porque a coisa não estava boa. E eu me lembro que nessa ocasião que tudo aconteceu, a minha mãe de santo é uma pessoa muito presente na minha vida, na vida da minha família. Ela também conhecia a minha mãe, a minha mãe não era da religião, mas ela tinha um respeito muito grande. Ela sempre apoiou a gente. Minha mãe de santo gostava muito dela também. Então a gente sempre se comunicava. Ou ela ligava para mim, para minha irmã, ou para o meu pai, para ter notícias e orientar qualquer coisa que a gente precisasse, ritual. E ao mesmo tempo que a religião te traz um conforto, às vezes a gente espera da religião, da crença, principalmente quando a gente é espírita, uma resposta, mas a gente quer a resposta que o nosso coração precisa. Nem sempre a resposta que a gente quer. Então foi muito difícil. A sensação, a impressão de que os santos estavam se calando, porque a gente sabe hoje em dia que não foi. Não foi isso. Mas nada pode interferir na ordem natural da vida, na nossa religião a gente acredita que a gente vem para um propósito e vai por esse mesmo propósito. Quando chega a hora de ir, Deus leva. Então, saber isso, traz um conforto por um lado e por outro traz o desespero. Porque você pensa “poxa, se a missão da minha mãe acabou, que que eu faço?”. Eu não quero que seja agora, eu sou filha, eu não quero. Eu não estou preparada para isso agora. E quando aconteceu. Na semana, que ela faleceu, alguns dias antes, a gente recebeu a visita de uma preta velha que fez um trabalho lá em casa. Ela pediu para fazer uma limpeza espiritual. Ela fez um trabalho bem bonito. E a gente ficou assim, a gente não falou, mas com certeza ela sabia, e ela falou assim “Eu não estou prometendo nada a ninguém. Eu vim fazer o que me pediu, o que me pediram lá em cima para ser feito” E o que ela fez? Ela fez uma mesa A gente chamou a mesa. Ela fez uma mesa bonita para minha mãe, pegou alguns santos católicos que ela tinha devoção colocou na mesa pediu para o lado dela da cama ficar vazio, para o travesseiro tudo, tudo sair, para ser guardado, ninguém deitar do lado dela da cama, pintou a casa descarregou tudo. E aí no final falou isso: “Eu não estou prometendo nada a ninguém, vim fazer o que me pediram para ser feito” e aquilo me encheu de esperança, porque eu pensei poxa eu acho que ela está preparando tudo para a minha mãe voltar. Eu acho que é isso. Meu coração com a esperança de filha pensou isso, mas na verdade não era, ela estava fazendo o desprendimento da minha mãe pra não ficar nada, nenhum apego dela aqui. Era isso que ela tinha ido fazer. Só que ela não podia falar, ela podia tratar dessa forma porque eles não têm autorização para dizer, olha fulano vai morrer por lá não vai com ele não, porque os orixás, os mensageiros eles falam por mensagem, por parábolas. Então se vai acontecer alguma coisa importante eles te preparam, mas eles não falam o que vai acontecer. O que mais uma vez ninguém pode alterar o curso natural das coisas se é uma coisa que dá pra ser evitada, que tem como você correr atras para que não aconteça, eles vão avisar, mas se é a vontade de Deus, nada pode interferir. Então não tinha. Então quando aconteceu tudo, eu me lembro que eu tentei falar com a minha mãe de santo várias vezes, eu não conseguia (ENF Débora).

Um MFC da AP 4.0, em entrevista realizada no ano de 2020, descreveu que viu a COVID-19 como parte de um processo de aprendizado e crescimento espiritual, acreditando que todas as atribulações têm um propósito claro segundo sua fé. Destacou como pode contar com o apoio e oração dos irmãos da igreja, que ofereciam ajuda prática e espiritual, fortalecendo sua fé e resiliência durante o período de enfermidade. O profissional acreditou que as dificuldades enfrentadas, inclusive no período pré-casamento, serviram para amadurecimento pessoal e fortalecimento do relacionamento com Deus. 

Não só me ajudou, muita coisa. Não só me ajudou, como é uma certeza que eu tenho o quanto que eu entendi o porquê que eu tava passando pelo que eu passei. O que eu creio é que tudo tem um propósito, inclusive a Bíblia ensina muito que até nas tribulações tem um propósito muito claro. Deus coloca uma atribulação para a gente ter perseverança no sentido de perseverar na fé, e a medida que eu persevero, eu crio uma experiência, isso que está na escritura. E essa experiência no caso é uma experiência com Deus. E essa experiência gera esperança, no sentido de esperar alguma coisa. Ter fé em alguma coisa que a gente não vê. Isso seria a base daquilo que eu entendi, que eu creio hoje em dia. E aí eu sei que o COVID, ele veio… por diversas razões, uma delas pelo processo de luto que a gente tava passando, que a gente precisou passar, de precisar passar por diversas atribulações para a gente amadurecer como casal, amadurecer no conhecimento de Deus, naquilo que Ele tem para gente. E tem dado muito fruto. Porque a gente tem visto na nossa vida como que muita coisa mudou. Da nossa atitude, da minha atitude com a Ana, da atitude nossa com nossos irmãos da igreja, na atitude de começar a ter discernimento sobre tudo o que acontece ao nosso redor. E entender isso, na época que eu passei o COVID, eu sabia que aquilo tinha um propósito, então, nunca fiquei desesperado. Bate uma angústia de saber se aquilo vai progredir mal ou não, mas aí a gente não tava reunindo com os irmãos presencialmente, sábado de noite, o culto. E aí acabou que nesse período a gente faz o culto online e aí nesse momento a gente até testemunhou lá, explicou o que a gente tava passando, a gente explicou o quanto isso estava gerando uma experiência para a gente. E os irmãos oraram muito, e a gente crê muito que isso tenha facilitado muito o processo pelo qual a gente passou, porque eu sei poderia ter sido bem diferente. Nosso período pré casamento foi bem difícil, não o relacionamento meu com ela, mas para fazer o casamento acontecer tanto que três dias antes foi quando teve a greve de caminhões. Três dias antes, o cara que era o principal produtor do casamento virou para a Ana, “olha, eu não tenho flor, eu não tenho fruta, tem que ver se consegue comprar diesel, a gente casou numa ilha, então a gente contratou um barquinho para levar os nossos convidados, e não tinha nem gasolina para levar nossos convidados.” E a gente teve que organizar isso tudo, eu falei, “amor, isso tudo é provação”. Porque a gente sabia que nosso casamento era pra ser uma experiência espiritual, não só por a gente, mas para todo mundo que estava ali, a gente tinha essa certeza que ia ser muito forte para as pessoas. Não sei porque, era uma sensação que a gente tinha. Tanto é que todo mundo que tava lá, minha mãe, meus pais, alguns tios e primos, até a galera que estava servindo pararam para ouvir o Zanini falar, sabe? Uma coisa muito impressionante. Então, eu sei que Ele cuida da gente. Eu sabia que a gente ia passar, Ele ia cuidar. Em momento nenhum eu pensei que eu ia morrer. Ana tinha medo por mim, eu tinha medo por ela, mas eu sabia que se alguma coisa acontecesse, o que a Bíblia me ensina é que acontece para o bem daqueles que amam a Deus. Então, eu sabia que alguma coisa iria ter propósito naquilo. Isso que eu creio. Aí foi isso. Os irmãos ajudavam muito. Eles ligavam. Oravam pela gente. Perguntavam se precisava de alguma coisa. Um casal de irmãos que mora aqui no Recreio que ligava, “Caio precisa que eu vá no mercado? Tô indo pra mim, pode me ligar.” Foi uma outra rede de apoio, que eu esqueci de comentar, extremamente importante. Eles estavam em amor com a gente mesmo à distância. Isso dava muito suporte pra gente (MFC Caio).

Para muitos profissionais de saúde, a fé e a religião forneceram uma base essencial de apoio emocional e espiritual durante a pandemia. A interação com líderes e membros de suas comunidades religiosas ajudou a reforçar a resiliência e proporcionar consolo. As experiências compartilhadas mostram que a fé não apenas ajudou a enfrentar as dificuldades imediatas da pandemia covid-19, mas também contribuiu para reflexões mais profundas sobre a vida e o propósito pessoal.