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A testagem de covid-19 foi um componente crucial no enfrentamento da pandemia, mas passou por múltiplas etapas no cenário da APS carioca. A disponibilidade limitada de testes, a falta de protocolos claros e a evolução das estratégias de testagem caracterizaram os primeiros meses de resposta à pandemia.
Profissionais de saúde narram a evolução da disponibilidade dos exames diagnósticos na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro destacando as dificuldades iniciais e as mudanças nas práticas ao longo do tempo. No início da pandemia, em março de 2020, não havia ampla disponibilidade e, portanto, não se tinha confirmação etiológica da maioria dos casos. Inclusive para os próprios profissionais houve dificuldade no acesso ao diagnóstico laboratorial. Alguns precisaram recorrer à rede privada, em que os laboratórios cobravam elevados preços, com recursos próprios. A angústia da incerteza sobre o diagnóstico na ausência de exame confirmatório foi ressaltada por uma das MFC.
“Na primeira semana foi o PCR. E aí depois, na segunda semana, a gente fez sorologia que também deu positivo IgM e IgG. Eu fiz por conta própria, particular, naquela época a gente não tinha disponibilidade disso no SUS, paguei até caro” (MCF Caio).
“Eu não sabia que estava com coronavírus até fazer o exame. Eu acho que essa angústia é sanada quando você tem o teste, entendeu? Se eu pudesse mudar alguma coisa, eu acho que ampliaria esses exames que diagnosticam coronavírus” (MFC Talita).
“[...] foi bem difícil também para fazer o teste. Eu me afastei e eu não sabia como tinha que fazer o teste” (ACS Rebeka).
A escassez de testes como o PCR na APS em 2020 complicou ainda mais a capacidade de identificar e isolar casos rapidamente, como destacado por dois MFC, um da AP 1.0 e outra da AP 3.3. Essa limitação de recursos impedia a ampla testagem, essencial para o controle da disseminação do vírus, resultando em um atraso significativo na identificação de casos positivos. As áreas programáticas possuíam fluxos próprios para a testagem de seus profissionais, em geral nas chamadas unidades sentinelas, porém nem sempre de fácil acesso: “No início, na APS do Rio, era muito difícil a gente testar alguém. Eu consegui testar, porque tinha um fluxo, eu trabalhava na 1.0 [em 2020], tinha um fluxo para profissionais da rede, mas foi um parto” (MFC Caroline Oka).
Foi meio complicado, não tinha fluxo para testagem [abril 2020]. Não tinha PCR muito fácil para passar, para paciente não tinha nenhum, para gente nas Unidades, lá na 1.0 tinha uma Unidade como se fosse sentinela, que eles estavam fazendo testagem com PCR para pessoas com síndrome gripal e os profissionais que tivessem adoecidos na nossa área (MFC Átila).
O início da testagem de pacientes se deu após aproximadamente seis meses do início da pandemia, inicialmente com testes rápidos de anticorpos – que não diferenciavam infecção atual ou contato prévio – , posteriormente testes rápidos com diferenciação entre IgM e IgG, seguido da oferta de PCR-rt, cujo resultado levava entre 3 a 10 dias e, por último, testes rápidos de antígenos em que a partir do swab de nasofaringe tem-se o resultado em 15 a 20 minutos. Vale destacar que o público-alvo era definido em notas técnicas, visto a indisponibilidade de material para testagem em massa: “No início, a gente não tinha nem como ofertar o teste rápido. Hoje [agosto/2020], a gente tem teste rápidos, também tem swab, mas só para linhas de cuidado, pacientes com tuberculose…” (ACS Mayara).
Só teste de Covid e influenza era separado, para gestantes, crianças menores de 2 anos ou 5 anos, não lembro agora, acho que eram menores de 2 anos, e óbito, casos de óbito no território por síndrome gripal. Mas aí era PCR, não saía o resultado na hora, chegava bem tempos depois. Cinco dias depois (MFC Clara Antunes).
Um MFC da AP 3.3 em entrevista realizada em 2021, narra que, inicialmente, os testes disponibilizados pela SMS-RJ não diferenciavam entre infecção aguda e passada, mas representavam um avanço em relação à ausência de testagem anterior.
A gente começou a testagem por volta de agosto [2020] se não me falha memória, mas acho que por volta de agosto do ano passado. Então, acho que essa primeira fase antes da testagem acho que durou ali uns 4 meses, 5 meses. A gente começou uma testagem por um teste de anticorpos, que é um teste que dava alguma informação para gente, mas ainda era um teste que dava informação posterior, depois dos 14 dias de sintomas a gente testava para saber se tinha anticorpo, a gente não diferenciava IgM de IgG, então a gente não sabia se era infecção aguda ou não, mas foi assim que a gente começou. E aí, mais pro final do ano, por volta de outubro, novembro que aí a gente começou a ofertar o rt-pcr. E aí ficou, a princípio era para profissionais da saúde. Depois a gente foi expandindo mais para a população geral (MFC Márcio).
[...] acho interessante a gente olhar para trás e observar esses períodos da pandemia que teve um período em que a gente não tinha teste, um período que só tinha de anticorpo, teste rápido, algo que não servia para muita coisa. Depois PCR, que demorava dois, três dias, às vezes demorava uma semana para sair o resultado, [...] E aí com o teste rápido de antígeno as coisas ficaram um pouco mais práticas, mas a gente também teve um problema da busca pelo teste (MFC Júlia Horita).
No que tange a execução dos testes diagnósticos, tal tarefa coube aos profissionais de enfermagem e, com isso, sentimentos próprios desse momento ficaram evidentes, principalmente o medo. Importante salientar que os profissionais que estão em contato direto com os pacientes e seus fluidos corporais, são os mais vulneráveis à infecção.
Quando chegaram os primeiros testes a gente ficou muito ali na testagem, muito preocupado, todo paramentado. Capote, luva, máscara, óculos, N95, face shield. Esse que foi o pior momento. O momento mais delicado, quando a gente ainda não estava vacinado e o medo de contrair (ENF Leônidas).
Com a ampliação de forma significativa do público para a testagem no estado do Rio de Janeiro, pela Nota Técnica de 15 de outubro de 2020 sobre “Ampliação da testagem de Biologia Molecular RT-PCR para a detecção do RNA do Coronavírus” publicada em Diário Oficial 03 em novembro de 2020 (16), os profissionais de saúde narraram o aumento do número de pacientes procurando as unidades da APS e, consequentemente, uma maior sobrecarga de trabalho: “quando a gente começou a testar em massa, primeiro com PCR, depois com teste rápido antígeno, a gente começou a ter um volume muito maior de pessoas com sintomas” (MFC Caroline Oka).
A introdução dos denominados testes rápidos antígenos em fase posterior da pandemia acelerou o processo de diagnóstico e desterritorialização desse tipo de atendimento fomentou o aumento do acesso por não munícipes. Nesta época, municípios vizinhos que fazem parte da Grande Rio possuíam protocolos diferentes para a oferta dos exames diagnósticos: “aqui na Baixada, se você não mora, pelo menos aqui em Mesquita, se você não tem um comprovante de residência, você não é atendido, coisa que aqui no Rio a gente já não tinha essa orientação” (ENF Debora).
Na terceira onda, marcada pela variante Ômicron, com pico em janeiro de 2022, foi liberada no MRJ a testagem sem necessidade de critérios específicos, como, por exemplo, o tempo em relação ao início dos sintomas. Com a ampliação desse serviço, que significou a testagem em massa, as CF e os CMS tiveram que se adaptar rapidamente, visto que houve um aumento significativo no número de pessoas buscando testes. Por consequência, conflitos diversos foram vivenciados, como as solicitações de atendimento prioritário em meio ao caos vivido.
Em geral, foi estabelecida uma rotina em que qualquer paciente com sintomas gripais era testado antes de ser atendido dentro das clínicas. Caso o resultado fosse positivo, o paciente era direcionado para uma área de isolamento; se negativo, podia acessar outros espaços da unidade. Essa medida visava minimizar o risco de contágio dentro das unidades. A partir dessa dinâmica, foram descritos pacientes que utilizavam diariamente o serviço. Essa situação exigiu um esforço contínuo das unidades para manter a capacidade de testagem e gerenciar a demanda própria da APS.
“[...] no início era restrito de acordo com o protocolo que lançaram no momento, mas depois foi tendo um milhão de modificações. Depois teve uma hora que liberava para todo mundo os testes, quem quiser testar, faz, e a gente começou a testar em massa” (ENF Bruna Saldanha).
Foi bem difícil, porque às vezes dava qualquer sintomazinho, a pessoa já vinha e queria fazer o teste. Aí fazia o teste, dava negativo ou dava positivo, voltava dois dias depois querendo fazer o teste de novo para saber se ainda estava com Covid ou não, quando estava positivo. E aí ficava querendo fazer o teste toda hora, toda hora, e aí entra a parte de você conscientizar, explicar, educação em saúde, que não era necessário fazer o teste novamente, mas aí a pessoa não entendia, aí ficava brigando, era difícil, era bem difícil. E outra coisa que era muito difícil também na questão do atendimento na época do Covid era a questão prioritária, por idade, porque a unidade estava muito cheia. Eu lembro que naquele momento que eu citei que eu peguei o Covid, foi no início de 2022, mas quando começou a flexibilização, a unidade ficou muito cheia, muito cheia, todo mundo querendo fazer muito teste de Covid, porque realmente estava muita gente com o Covid, de fato, e aí queriam a questão de prioridade, prioridade, prioridade, só que já tinha muito idoso, aí era uma confusão, uma briga, mas deu tudo certo. Muita briga. É, mas deu tudo certo (ACS Karen Caroline)
“E tem paciente que em qualquer sintoma gripal está lá. Tem paciente que está quase todo dia lá querendo testar. Tem paciente que dá positivo fica indo lá todo dia até dar negativo” (ENF Bruna Campos).
Com o passar do tempo, a realização do teste rápido antígeno para covid-19 tornou-se parte da rotina das unidades, compondo uma avaliação inicial dos pacientes que chegam com sintomas compatíveis com síndrome gripal, determinando o melhor fluxo para atendimento.
a Clínica mantém a rotina de que qualquer paciente com sintoma gripal vai fazer a testagem primeiro, antes de passar por atendimento dentro da Clínica. Se der positivo, a pessoa vai aguardar na área de isolamento. Se der negativa, a pessoa pode entrar dentro da Clínica (ENF Bruna Campos).
Por outro lado, questiona-se a pertinência da manutenção da oferta de testagem para covid-19 de forma ampla, irrestrita e sem vinculação com território, dado o avançar da vacinação e o “fim do status de pandemia” pela OMS. Tal declaração foi feita em maio de 2023, em Genebra, na Suíça, com o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional referente à covid-19.
“Testagem, testagem. E até hoje [outubro 2023] nunca se acabou a testagem, se mantém a sala. E até quando vai ficar isso, não sei. Até quando vai ser válido ficar testando assim?” (ENF Bruna Campos).
A testagem de covid-19 na APS carioca enfrentou uma série de dificuldades, desde a escassez inicial de testes até a necessidade de adaptação às novas práticas e demandas. A falta de testes disponíveis e a ausência de protocolos claros dificultaram a resposta inicial à pandemia, enquanto a evolução das estratégias de testagem melhorou a capacidade de diagnóstico, embora com desafios contínuos no equilíbrio entre o manejo das atividades próprias das unidades/equipes ESF com a gestão da demanda por testes.