Ainda não é a sua vez

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A espera por um transplante de coração é cheia de incertezas, e um dos momentos mais difíceis desse processo acontece quando o paciente é convocado — ou seja, recebe a notícia de que há um coração disponível —, mas, por algum motivo, o transplante não se concretiza. Às vezes, é por incompatibilidade entre o doador e o receptor. Outras vezes, a família do doador desiste da doação na última hora. Seja qual for a razão, esse momento deixa uma marca forte na memória e nas emoções de quem já vinha lutando com a esperança renovada.

Para muitos pacientes, esse chamado é vivido como um misto de alívio e tensão. A expectativa de finalmente receber o órgão dá lugar, repentinamente, à frustração, à tristeza e até ao medo de que a chance nunca mais se repita. São experiências que testam a paciência, a fé e a capacidade de continuar esperando. Apesar da dor de ouvir “ainda não é sua vez”, muitos relatam que esses momentos também os ensinaram a fortalecer a confiança na equipe médica e a aceitar o tempo das coisas, mesmo quando ele parece injusto.

Alguns pacientes, como Carlos, relatam que ao enfrentarem a desistência de uma família doadora são acometidos por grande tristeza e frustração. O fato mostra que, mesmo com órgãos disponíveis, questões familiares podem influenciar diretamente o sucesso do transplante, impactando diretamente a disponibilidade de órgãos, prolongando a espera dos pacientes na fila. Esta fala evidencia a incerteza constante que os pacientes vivem, mesmo quando parecem estar próximos do transplante, e que, apesar da desistência da família doadora, eles conseguem se agarrar a palavras de conforto para manter a fé e esperança, reforçando a importância do apoio psicológico para os pacientes na fila. Esse suporte emocional é fundamental para que os pacientes enfrentem os momentos difíceis da espera, evitando o desânimo total e mantendo o foco na possibilidade da recuperação:

"Foi 30, 35 dias. Porque uma, uma família desistiu. Com 15 dias, aí o doutor falou assim: 'Poxa, Carlos! Quase essa semana tu faz o transplante, viu?' 'O que foi? O que foi, doutor?' 'Não, é... A família desistiu.' Aí eu fiquei outra vez triste. [...] Tava tudo certo e na hora desistiu. Aí eu fiquei assim... Ele disse: 'Não esquenta, não. Tenha fé em Deus que vai dar certo.'"

 

A mãe de Carlos, Josiane, conta que seu filho ficou dez meses na fila, recebeu chamadas para três corações diferentes, mas nenhum foi compatível até a quarta tentativa. Ela acompanhou seu filho durante todas as internações. O processo de busca por um órgão compatível pode ser longo e exigir múltiplas tentativas, pois nem todos os órgãos disponíveis correspondem ao perfil do receptor, evidenciando a complexidade biológica do transplante.

"E ele teve de... Ficou na fila dez meses. Dentro de dez meses apareceram três coração. Eu fui chamada três vezes, mas nenhum deles foi compatível. Só na quarta que foi. Aí eu estava internada aqui no hospital."

 

A concorrência por um único órgão disponível aumenta a tensão, mostrando a imprevisibilidade do processo. Após uma noite de espera, José recebeu a notícia de que o coração compatível foi destinado a outra paciente, mas, apesar da tristeza, demonstra resignação e esperança para a próxima oportunidade. Esse relato evidencia a realidade dura e frequente do transplante: a concorrência entre pacientes e a necessidade de lidar com frustrações, mantendo a resiliência para continuar na fila. Isso revela a importância do equilíbrio emocional e psicológico de quem está na espera:

"Aí vem o chamado: José Alves da Silva é pra você vim diretamente aqui no IMIP, que você tá concorrendo, vai concorrer a um transplante de coração, você e outra pessoa. Eu disse, tá certo. Aí eu fiquei doidinho né, meu Deus, e agora Sônia, pra gente ir? Aí a mulé olhou pra mim assim com os olhos chei d'água, mas eu fiquei inté contente, não ficava triste não, eu fiquei contente, alegre né, porque eu ia ganhar um coração. Eu não pensava de morrer não, eu pensava de sobreviver, eu não pensava de morrer não. [...] Aí só que sei que quando foi de manhã, passou a noite e não me chamaram, nada. Aí quando foi de manhã o médico veio e falou: 'olhe, José Alves, você não fique triste não, mas a mulé que você tava concorrendo o coração com ela, o coração deu compatível com a mulé, e ela ganhou, certo, mas você não fique triste não que a sua vez vai chegar.' Aí eu falei, 'não doutor, é, a gente fica um pouco meio, meio triste né, não vou dizer que eu fiquei contente né, eu fiquei um pouco meio, meio triste, mas eu digo é assim mesmo.'"

Apesar de todas as dificuldades envolvidas, ao receber uma nova chamada para o transplante, José Alves se agarrou a sua espiritualidade, atribuindo esse evento a uma intervenção divina que lhe proporcionou um milagre. Para muitos pacientes, como José, a fé e a crença em uma força superior são elementos que dão suporte emocional e esperança durante o processo de espera pelo transplante.

"Aí passou, acho que, foi rápido, parece que foi Deus mesmo na minha vida viu, foi Deus tava na minha vida. Aí não passou dois meses não, aí veio o chamado."

 

Marcos descreve uma situação em que foi internado após surgir um coração disponível, mas a compatibilidade não foi confirmada, e ele foi liberado para aguardar em casa. Nem sempre a disponibilidade inicial do órgão resulta em transplante imediato, o que pode aumentar a frustração e o sentimento de “quase lá” vivido pelos pacientes.

"Aí Dr. Fernando Figueira falou comigo e disse que ia, em breve, ia arrumar um coração para transplantar em mim. Aí chegou um tempo que apareceu um coração, aqui no IMIP mesmo, aí a ambulância foi, foi me pegar lá. Aí trouxe pra cá. Aí me internou. Aí Dr. Fernando veio, disse: ‘Marcos não chegou a hora ainda não, porque quando eu fui olhar o rapaz lá não era compatível o coração com você. Aí vamos mandar o senhor para casa. Aí você fica aguardando em casa até aparecer’."

 

Às vezes os pacientes chegam muito perto do transplante, mas ainda assim enfrentam a quebra da realização de um sonho no último momento.

Ah, foi tudo tão rápido, porque o Dr. Rodrigo e a equipe, eu esqueci o nome das meninas, das doutoras, ela já vinha conversando comigo, me orientando. E eu fiquei mais segura, entendeu? 'A qualquer momento, Maria do Carmo, vai chegar o seu coração. Vá se preparar.' Aí, eu me preparei, só que o coração não deu certo, como eu falei ao senhor, não foi? Eu fui para o bloco cirúrgico, aí não era a minha vez."

 

Em outros momentos, essa recusa virá através de outras circunstâncias da vida, como no caso de Mirko, que após três meses internado, teve que sair da fila temporariamente por uma infecção bacteriana, perdendo a chance de receber um coração compatível que apareceu nesse período. Mirko, após o tratamento da infecção, voltou à fila e teve nova chance. Então, mesmo que haja intercorrências inesperadas, que podem atrasar ou impedir o transplante, é importante que o paciente seja estimulado a não desistir.

"Aí foi quando eu passei três meses aqui sem poder ir para casa, respirando, respirando. Primeiramente, Deus, segundo os aparelhos, né. [...] chegou um certo período que até apareceu um coração para mim. Só que eu tive que sair da fila por conta de uma bactéria no sangue que eu peguei. Foi, aí tive que sair da fila para poder tratar ela para poder entrar novamente. Aí passei um mês tratando dela. Depois de um mês, limpou, eu entrei na fila novamente. Na fila novamente. Mas depois que eu entrei na fila, não chegou a 15 dias, não, para aparecer outro coração, não. E durante o período que eu passei aqui, eu passei na, no tratamento para limpar o sangue e apareceu um coração compatível comigo. Só que não veio para mim. Veio para uma paciente da enfermaria feminina porque eu não podia transplantar devido a bactéria que eu estava no sangue."

É essencial que essas intercorrências sejam tratadas com seriedade, pois isso afeta demais a vida e a recuperação do paciente. Mirko, por exemplo, expressa sua angústia e tristeza ao saber que o órgão compatível não foi destinado a ele por motivos clínicos, demonstrando o sofrimento psicológico associado a essas situações. Portanto, nota-se que o sofrimento emocional faz parte da rotina dos pacientes na fila de transplante, sendo um aspecto que deve ser considerado no cuidado integral ao paciente.

"Eu fiquei bastante angustiado, né? Porque eu sabia, ali, naquele, naquele momento que chegou ali, era minha, praticamente, minha salvação, né? Mas quando eu soube que infelizmente não, não podia ser transplantado, eu fiquei bastante angustiado, triste. Porque não é fácil."