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O caminho até a indicação de um transplante cardíaco costuma ser longo, marcado por múltiplas consultas, exames, e por tentativas de outros tratamentos. Surpresas, desafios, dificuldades de acesso ao sistema de saúde, outros problemas, enfim um longo percurso. Com frequência, é só após vários anos com insuficiência cardíaca que a possibilidade do transplante começa a ser considerada. Nessa longa jornada, o papel da equipe médica é essencial para o diagnóstico e para ajudar o paciente e seus familiares a compreenderem a gravidade do quadro e a necessidade de um novo coração.
Esse longo e árduo percurso é ilustrado por Andrea, que compartilha como seu tratamento se estendeu por 30 anos e, infelizmente, o transplante só foi realizado após dois AVCs. Como consequência, ela perdeu a mobilidade do lado esquerdo do corpo, incluindo o braço, além de apresentar comprometimento do equilíbrio.
Andrea: “Só que durante a trajetória, durante 30 anos de tratamento, apareceu outra, no meu caso, apareceu outra doença que era o forame oval patente e a miocardiopatia hipertrófica, né? Aí, eu tive dois AVC durante esse trajeto. Depois de dois AVC foi que eu transplantei. [...] Perdi a mobilidade do lado esquerdo, do braço esquerdo e não tenho o equilíbrio. Eu ando, mas eu não tenho o equilíbrio. De repente eu dou a volta, entendeu?"
O relato sobre o trajeto de Andressa evidencia a gravidade de seu estado antes do transplante, culminando em uma parada cardiorrespiratória. Após sentir falta de ar em casa, foi levada à Emergência por sua mãe. Durante o atendimento, justamente quando recebia alta, seu quadro se agravou subitamente. Foi reanimada e encaminhada à UTI, despertando sem compreender o que havia ocorrido. Além das limitações físicas, lidou com a perda da voz, a queda de cabelo, marcando um momento de grande fragilidade em sua vida.
Andressa: “Até que um dia eu tive uma parada. Eu estava em casa, eu tinha recebido alta. Quando foi num domingo à noite, não, domingo de manhã, eu me acordei com falta de ar. Eu tinha feito hemodiálise. Aí eu me acordei, eu estava com falta de ar. Aí do sábado para o domingo... Aí eu dormi no sofá. Eu dormia sentada com uma almofada bem grande, assim, que eu não conseguia deitar. E minha mãe dormia no outro sofá, me observando. Quando foi de manhã, ela disse: “não, é melhor te levar na manhã”. “Não mainha, mas dá para aguentar. Aí, num domingo de manhã eu vim para cá, pro IMIP, para Emergência. Quando deu duas horas que ele ia me dar alta, eu comecei a cansar. Ele: “deita ali Andressa, para esperar você receber alta”. Foi quando ele foi, me botou no quartinho na linha vermelha. Eu pensei que eu ia ficar no oxigênio. Aí ele disse: "olha Andressa, você está tendo uma parada". Eu disse: “eu não tô não”. Aí ele disse: “você tá”. Aí ele me deitou. Aí eu disse: “doutor, eu não tô respirando. [...] Foi quando eu baixei assim a cabeça, eu já me acordei entrando na UTI, sem entender nada. Eu olhei assim, eu olhei minha mãe, minha mãe já estava com outra roupa, aí quando eu vi a porta da UTI, eu não acredito que eu voltei. [...] Foi quando o médico veio falar, ele fez: “Olha, Andressa…”, quando eu fui falar, aí ele: “você tá sentindo alguma coisa?” Eu falava, mas a voz não saía. “Tá sentindo muita dor, né?” Aí ele fez, “essa dor é porque a gente fez massagem cardíaca que você teve uma parada, você perdeu a voz pelo fato de na correria…”, né, pra fazer, para me reanimar, o tubo que botaram em mim foi de adulto, e eu, como era muito magrinha, mais do que eu sou agora, e para mim teria que ser de criança, infantil."
Carlos Henrique lembra-se apenas de dois momentos marcantes em sua trajetória. Ele relata que seu coração estava como um “motor velho”, o que o levou a ser encaminhado ao médico. O doutor ligou para sua mãe, informando que "era a hora". Ela confirma, e Carlos Henrique explica que se referia ao momento da cirurgia.
Carlos Henrique: Só me lembro só de duas coisas.
Entrevistador: O que?
Carlos Henrique: Me levaram pra doutor. Meu coração tava parecendo um motor velho.
Entrevistador: Tá parecendo um motor velho? E você sentia o que?
Carlos Henrique: Eu? Aí o doutor ligou pra minha mãe. Não foi isso?
Josiane (mãe): Foi.
Carlos Henrique: Ele disse: "Vem, é a hora”.
Entrevistador: A hora de que?
Carlos Henrique: Da cirurgia.
Josiane, mãe de Carlos Henrique, compartilha sua perspectiva como familiar diante desse percurso. Após vários exames, seu filho diagnosticado com miocardiopatia restritiva primária, uma condição adquirida pelo próprio coração. Sem opções de tratamento eficazes, a médica sugeriu colocá-lo na fila de transplante. Josiane o levou para o hospital especializado, onde ele iniciou o processo para a cirurgia.
Josiane: “Aí disse: "Não, a gente vai tentar descobrir a causa que ocorreu isso." Mas como nem no ECO, ressonância, nenhum descobriu, só foi ver depois que fez a biópsia. Aí mandou pro ECOT, tudinho, pra São Paulo. Quando veio foi que Carlos tinha uma miocardia restrita. Miocardiopatia restrita primária, que foi o próprio coração que adquiriu, com o decorrer, ele foi hipertrofiando aos poucos. Aí ela foi sendo... As medicação, não tem medicação. Aí foi quando ela falou pra mim que eu tinha de colocar ele na fila de transplante. Aí eu vim pra cá, ela encaminhou pra aqui. Ele passou pelo todo o mapa, fez todo o procedimento. Eu tive de ficar já de imediato aqui, porque a distância não convinha."
Cláudia relata que descobriu seu problema cardíaco durante a primeira gravidez, quando teve um quadro de mal-estar aos dois anos, sendo socorrida por sua mãe. Porém, o diagnóstico definitivo veio após o nascimento de seu filho, quando ela quase morreu durante o parto devido à aceleração do coração. O bebê também ficou em risco, e o parto precisou ser antecipado, já que Claudia estava desfalecendo. Embora tenha sentido desconfortos durante a gestação, o verdadeiro sofrimento começou após o parto, quando os problemas cardíacos se intensificaram.
Claudia: "Eu descobri na primeira gravidez do menino, que até o tanto eu não sabia. Quando eu tive o problema aqui, quando eu tive problema, foi com dois anos de idade, que eu passei mal. Aí minha mãe socorreu. Isso que a minha mãe contou. Aí ela socorreu. Aí ela socorreu. Aí descobriram que eu tava com problema do coração."
Claudia: "Eu vim descobrir quando meu menino nasceu. Depois que meu filho nasceu. Aí fizeram a bateria de exame, que até o tanto no dia do parto, eu quase morri. Tanto eu como ele.
Entrevistador: O que foi que houve?
Claudia: Eu não sei explicar direito o que foi. Porque eu só sei porque eles falaram que meu coração tinha acelerado, que eu tava desfalecendo, né? E eles começaram a correr tanto que tiveram que tirar na hora. O menino tiveram que tirar."
Claudia: "É, do meu coração. E também quando chegava a acabar prejudicando ele também, o bebê, porque teve hora que ele acabava, ficava mais agitado. E foi por isso que o médico também achou melhor tirar ele antes do tempo, que ele era para nascer em maio. Aí fizeram o parto. Depois o meu maior problema, maior, acho que não foi durante a gravidez. Tinha, sentia mal, mas eu achava que não era tanto que nem depois, que aí depois que veio o sofrimento mesmo."
A jornada de alguns pacientes reforça a complexidade do diagnóstico até a indicação do transplante. Os sintomas de Erianderson — cansaço intenso e tosse seca — se agravaram até o desmaio em casa, o que levou à descoberta de uma infecção que comprometeu o coração. Inicialmente, um médico afirmou que ele não teria condições de realizar um transplante; no entanto, mais adiante, ele encontrou uma equipe médica que solucionou seu problema. No caso de Jeová, seu caminho foi percorrido com algumas incertezas, já que a melhora de seu estado de saúde foi temporária. Foi apenas com a ajuda e amparo de sua médica que Jeová persistiu no tratamento, sendo encaminhado para o transplante algum tempo depois.
Erianderson: “Começou com um, com um cansaço. Grandemente. E uma tosse seca. Essa tosse... Que tosse era essa que eu não descobri. Nem eu, nem os médico. E cada vez mais, mais agravando. Chegou um certo momento que eu apaguei, em casa mesmo. Aí, quando me acordei, eu tava no hospital perto. [...] Foi quando descobriram o exato momento, o exato problema que eu tinha, que foi uma bactéria que peguei no fígado, do fígado jogou pro coração. [...] Passei um tempão nos medicamento, deu certo, mas só que devido ao certo tempo voltou tudo de novo. Voltei a cansar, voltei a ficar inchado e eu sei que teve um momento exato, que chegou o momento que eu não tava aguentando mais, até me desesperei. Procurando uma ajuda que o meu médico dessa universidade, ele já era um professor voluntário, aí se aposentou e tal. Ele também me disse que eu não tinha capacidade de aguentar um transplante, fazer. Me desenganou. [...] Aí chegou um certo tempo que eu desisti. Nem medicamento, nem nada. Eu cheguei numa clínica com minha pressão quatro por dois. Quando eu cheguei nessa clínica, que realmente eu não tinha mais acompanhamento médico. Foi numa clínica particular. Aí essa doutora me deu uma requisição pra mim ir diretamente pra outro hospital que se chama Santa Isabel. Porque eu cheguei lá com essa pressão quatro por dois, me internei lá, passei... Me botaram dentro da UTI, passei 13 dias lá. Aí foi quando os cardiologistas de lá conversaram com os cardiologista daqui. Perguntou se aceitariam a minha proposta, tal, o meu caso. Mandaram me transferir de lá pra cá. Eu vim. Cheguei aqui, tive ótimas equipes. Primeiramente de Deus, né? Mas eu cheguei aqui, o meu problema foi resolvido de uma forma que eu só tenho que agradecer.
Jeová: "Quando a doutora chegou: “o que é que você faz aí?” Aí a secretária dela falou: “ele passou mal, doutora, eu tive que botar ele aqui porque ele não podia nem ficar sentado”. Aí nessa final da consulta, eu disse: “doutora, hoje não, a partir de hoje não dou mais trabalho à senhora. A partir de hoje, eu, Jeová, não venho mais aqui, nem em consultório nenhum porque tá com quase cinco anos e não vejo um resultado da minha saúde."
Jeová: "Sempre lhe ajudei. Vou lhe ajudar e você vai sair dessa. E só está assim porque Deus permitiu. Porque não cai uma folha sequer sem a permissão de Deus. Eu estou aqui, sou médica, o poder que Deus me capacitou e Deus quis que eu estivesse nesse hospital para cuidar de você e de muitos. Mas se Deus não quisesse, ele não permitia não. Eu podia estudar e não aparecia emprego para mim. Aí eu disse: É, eu sei disso, doutora. Eu sei. Tudo bem, aí ela disse: você vai vir daqui a três semanas? Eu digo: venho, venho doutora. Ela disse: tá certo, venha que eu estou fazendo, organizando o hospital do IMIP, um hospital de transplante para começar a fazer transplante e meus pacientes que eu quiser me acompanhar, eu vou levar alguns comigo."
Já no caso de Felipe Valério, a possibilidade de transplante foi colocada desde o início do acompanhamento, mesmo antes de a condição se tornar crítica. Dois anos depois, como antecipado por seu médico, o tratamento convencional já não surtia mais efeito.
Felipe Valério: “Quando eu comecei a fazer o tratamento lá, lá em São Paulo, eu tive um cardiologista lá em São Paulo e o atendimento foi pelo SUS, o Dr. André. Dr. André é muito novinho. O Dr. André é muito inteligente e a gente acabou se apegando muito ao Dr. André. Entre as conversas da gente, ele falou para mim: "olha, você, seu caso para mim é transplante. A gente vai tratar aqui e tal, mas para mim é transplante". Então, foi logo naquela época, logo no início, ele falou para mim que seria transplante. [...]
Felipe Valério: “Comecei a ser tratado num posto, eu recebia remédio no postinho e tal. Até que um dia eu cheguei em casa, vinha vindo, eu tava trabalhando, voltei do trabalho, cheguei em casa, abri o portão, mas o carro já dentro de casa. Aí eu entrei dentro de casa e depois eu acordei, desmaiei. Aí eu acordei assim, tava na porta com a casa, a porta aberta, tudo e eu no chão. Aí eu acordei, não tava sentindo nada, exatamente nada. Aí, engraçado foi quando o doutor André falou para mim, ele falou assim: que eu, aquele tratamento seria mais ou menos uma coisa paliativa que duraria mais ou menos dois anos. Incrível que pareça, foi exatamente dois anos. Eu lembro da primeira consulta que eu tive com ele, né? Foi mais ou menos na data, inclusive é incrível, naquela semana tinha completado dois anos que tinha começado fazer tratamento. Até que eu fui transferido para o Hospital Santa Isabel, que já é mais especializado em questão cardiológica, né? Aí eu comecei o tratamento legal lá. E lá já tinha visto que era realmente transplante, não tinha mais o que fazer."
O caminho diagnóstico até a indicação do transplante de Gilson foi marcado por muitos desafios, com incontáveis idas ao hospital para fazer nebulização. Quando melhorava, recebia alta e voltava pra casa, mas logo retornava ao hospital no mesmo dia para realizar mais nebulizações. O diagnóstico só ocorreu quando sua família o levou para outro hospital, que percebeu a gravidade de seu quadro clínico.
Gilson: "Que me cansava muito, me nebulizaram, ficava melhor, dava alta, ia pra casa. No mesmo dia, com 40 minutos ou duas horas, no máximo, ia pra lá de novo. Era socorrido duas, três vezes no dia. Aí fui socorrido para esse hospital umas seis, sete vezes e nada de médico nenhum fazer exame em mim."
Gilson: "Aí cheguei lá na unidade mista, nada de médico cardio, no central também. Aí meu irmão olhou assim: "rapaz, vou fazer o que mãe disse, também. Vou levar tu pro PROCAPE [Recife]". Eu já táva com 42 anos de idade. Aí chegou lá. Aí o médico se assustou quando viu. Disse: "que idade você tem?" Eu disse: “42”. "E o seu coração tá desse jeito? Vou mandar fazer um ecocardiograma pra confirmar, se é do jeito que eu to pensando, o senhor vai ficar internado aqui que pra casa você não vai mais não."
Em alguns casos, como o de Mário Luiz, o caminho do diagnóstico até a indicação do transplante acaba sendo tão demorado e repleto de possíveis complicações que esses pacientes podem ficar anos em cuidados paliativos até que consigam realizar o transplante em si:
[Entrevistador: Quando o senhor tinha 40 anos descobriu que estava doente?]
Mário Luiz: ‘’É, problema nos rins.’’
[Entrevistador: E qual era o problema que o senhor tinha nos rins?]
Mário Luiz: ‘’Ficava no hospital, Barão de Lucena lá, aí procuraram ver se era a pressão de olho, se era diabetes, se era pressão alta. E nada disso constataram, né, não acharam nada. Aí fiquei com problema de rins. Fui ficando verde, ficando verde. Daí por diante fui ao hospital e me deram 18 (?) sem saber que era rins. Quando descobriu, o médico lá descobriu, tem que fazer diálise, aí fui embora pro Getúlio Vargas, do Getúlio Vargas fui pro Barão de Lucena. Daí por diante minha vida foi essa, fazendo hemodiálise. Passei 15 anos fazendo. Depois de 15 anos veio, meu (?) me inscreveu na fila, porque eu não queria. Aí me chamaram pro rins, não pro coração. Aí eu não sabia que tinha problema no coração. Aí eu fiz o exame todinho, tal. Aí quando eu fui marcar a cirurgia, o médico disse que não podia, que se fizesse morria por causa do coração. Aí me mandou pro cardiologista que é esse hoje que me acompanha. Daí por diante fiz exame do coração. Aí com o tempo fiz transplante duplo que foi rim e coração que podia fazer de uma vez só. Isso foi rápido, 15 dias, 20 e o hospital me chamou pra fazer o transplante."
