Ideias sobre o transplante

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A notícia da necessidade de um transplante marca um dos momentos mais desafiadores na vida de pacientes e familiares, despertando emoções e preocupações que, às vezes, podem ser tranquilizadas, se ouvirmos o que eles pensam, pois há pouca informação. Mais do que um procedimento técnico, o transplante representa uma experiência humana que envolve dimensões psicológicas e sociais, transformando a relação com a vida, a morte e o próprio corpo. É uma jornada que conecta pacientes, profissionais e instituições em torno de histórias de doação e esperança, onde cada órgão transplantado simboliza o encontro entre a ciência e a solidariedade, reescrevendo o futuro de quem recebe uma nova chance de viver.

Receber a notícia da necessidade de transplante desencadeia uma série de pensamentos e preocupações que vão muito além do procedimento médico em si. Mais uma vez, é a fé inabalável que os ajuda a enfrentar o medo e a incerteza.

 

Danilo: Então, a ideia, passava vários filmes, uma delas é que, por exemplo, eu tava com problema pulmonar e achava que não aguentava, podia não aguentar. A outra é que ia demorar, podia demorar e eu não suportar... E o transplante em si também é um risco, sabe que, queira ou não queira, cirurgia às vezes até mais simples que seja é uma faca de dois gumes né. A pessoa vai, tá nas mão de Deus.

 

As ideias pré-concebidas sobre receber um órgão de outra pessoa podem ser surpreendentes, revelando receios e crenças que impactam a maneira como o transplante é vivido e compreendido. A mente desempenha um papel central nesse processo de aceitação e adaptação, muitas vezes criando cenários que não se concretizam após o procedimento.

[Entrevistador: E o que é que o senhor achava antes, assim, sobre essa coisa de receber o coração de uma pessoa que partiu? O que é que vinha na sua cabeça?]

Duarte: Eu achava assim meio estranho assim, achava assim: Meu Deus, uma pessoa que já se foi.

[Entrevistador: Mas estranho como?]

Duarte: Estranho. Eu achava que eu ia ficar sonhando, aquela coisa, com aquela pessoa, sabe? Esse tipo de coisa, né? Mas tudo coisa da minha cabeça.

[Entrevistador: Sonhando com a pessoa que morreu?]

Duarte: Sim, sim. Às vezes eu pensava isso, né? Mas nunca sonhei com nada não. A gente coloca tanta coisa na cabeça, na mente da gente. Meu Deus do céu! A gente é o que a mente da gente faz... simula o que a gente pensa. Graças a Deus, Dr., a minha mente é boa, um psicológico bom.

 

A preocupação com a origem do órgão surge em relatos, como o de Danilo. Além da curiosidade há o medo sobre possíveis mudanças em seus pensamentos e comportamento, como relata Felipe Valerio.

Danilo: Eu só pedi a Deus, durante, enquanto eu aguardava o transplante, pra não ir vim um órgão de uma pessoa que fosse assassinada, fosse tirada a vida de forma bruta, violenta. Isso eu pedi a Deus, meu Deus, certo e, graças a Deus, é veio de uma pessoa que teve problema de derrame, certo. Aí o que eu pedi a Deus é pra não vir de uma violência e também nunca pedi pra que viesse logo, nem nada. Pedi a Deus que chegasse na hora certa, mas que não fosse de morte violenta.

 

Felipe Valério: Todos os transplantados têm curiosidade. Todos. Eu sei disso porque eu converso com os outros e todos tem essa curiosidade. Mas eu tenho um misto de, de medo, de uma certa insegurança de como eu vou me sentir. Mas eu tenho sim curiosidade. Eu tenho sim. Eu gostaria de pegar e abraçar essa mãe. Parece que foi a mãe que autorizou. Então, eu tenho poucas informações. Eu gostaria de dar um abraço. E que Deus abençoe. Abençoasse aí a vida dela. Essa decisão parece ser um pouquinho difícil para ela. Das histórias que eu sei. Não sei nem se são verídicas. Mas parece que de, do corpo do filho dela ajudou muita gente. E aí ela não queria se desfazer do coração. Aí alguma coisa falaram de mim para ela, que levou ela a doar. É só o que eu sei.

 

Para alguns pacientes, o foco inicial está simplesmente na sobrevivência, com pouca compreensão do processo até que estejam realmente passando por ele:

Edmar: Não queria saber de nada, só do coração. Só quando eu comecei que eu consegui foi entender o que era o implante, não sabia o que era. Só quando eu entrei no hospital eu entendi o que era coração transplantado.

 

A falta de informação sobre o transplante por vezes aumenta o sentimento de medo, que pode evoluir para quadros de ansiedade e depressão. Este medo está associado tanto à cirurgia em si quanto à possibilidade de falecer durante a espera por um órgão compatível. A complexidade do processo gera muitas dúvidas nos pacientes, que não entendem como a troca de um órgão por outro pode ser bem-sucedida.

Jonean: Assim, na minha concepção eu achava assim: “Oxe, se eu colocar o coração de outra pessoa, eu vou morrer, menino. Isso aí não vai durar muito." Aí eu fiquei preocupado. Fiquei em depressão. Fiquei em casa. Ficava em casa. Aí vinha e passava mal. Aí vinha pra cá, ficava internado.

 

O medo relacionado à cirurgia de transplante é um fator decisivo que pode levar os pacientes a não quererem fazer a cirurgia. Nesse momento, a dimensão psicológica ocupa o primeiro plano, se mostra fortemente presente em suas vidas pois, muitas vezes, o medo do desconhecido afeta diretamente a decisão de salvar ou não a própria vida:

[Entrevistador: Mas por que que o senhor estava sem querer fazer o transplante antes?]

José Delson: Com medo, com medo.

[Entrevistador: Medo de que?]

José Delson: Fiquei com medo, assim de me acontecer algo de errado na cirurgia. Teve um dia que eu estava na UTI e me acordava falando que tinha tomado um choque, tinha acabado de tomar um choque. A mulher falava: “não vida, você não tem mais o marcapasso”. Mas na minha cabeça eu estaria tomando um choque daquele. Eu acho que devido a parte do choque, eu fiquei com aquilo, aquela coisa na minha cabeça, a qualquer momento está tomando choque.

 

Lenielson: Ainda vai morrer em transplante, quem sabia isso? Vai morrer, não escapa não. Todo mundo diz: então agora tem jeito não, escapa mais não.

 

O transplante de órgãos é um procedimento capaz de salvar vidas, oferecendo uma nova chance para muitos pacientes. No entanto, em relação ao conhecimento acerca do transplante, é comum que alguns pacientes cheguem na cirurgia ou no centro médico com nenhum ou pouco conhecimento sobre o processo operatório em si:

José Roberto: Rapaz, eu pensava que esse negócio de transplante não, não existia não. Como eu comecei a adoecer, eu pensava que eu ia morrer, sabe? Que eu ia morrer e não sabia que tinha, que existia esse tal de transplante. Eu pensava que isso não existia, não. Foi depois que o médico falou que, que existia? Esperar uma pessoa, né, para doar.

 

[Entrevistador: E o senhor na época sabia o que era um transplante?]

Josivan: Não, eu nem acreditava.

[Entrevistador: Não acreditava em quê?]

Josivan: No transplante. Quando eu cheguei aqui, eu fui ver os pacientes sendo transplantados e eu com aquela fé de que eu melhorasse. Foi dito e feito.

 

[Entrevistador: Antes a senhora sabia como é que era um transplante?]

Maria Josilene: Sabia não, doutor, não sabia não, e eu não tive um pingo de medo. Eu disse ao doutor: "seja o que Deus quiser. Estou entregue a nossa Senhora, Seu, Seu filho". Entrando na sala, não vi mais nada. Até que a gente entra, só vê a boniteza do médico trabalhando. Não vi mais nada, quando só vi se foi no outro dia o médico chegou lá: "Josilene, terminou a cirurgia, terminou sua cirurgia". Já tinha passado um bom tempo, parece que foi no outro dia. Eu não to bem lembrada, mas parece que eu entrei de 07h00 sai de 01h00 da sala de cirurgia e depois no outro dia na UTI que eles tavam me acordando: "terminou sua cirurgia".

 

Para Pedro Assis, o transplante parecia algo distante, restrito a países mais ricos, como os Estados Unidos, e acessível apenas para quem tinha dinheiro. Ele lembra que, na época, muitos morriam por não conseguirem um coração, já que o procedimento não era realizado em Pernambuco.

[Entrevistador: E na época o senhor sabia o que era um transplante? Como é que seria?]

Pedro Assis: Sabia não. Eu sabia o que era um transplante, quando a pessoa ia pra fora porque não existia transplante aqui em Pernambuco. Um transplante que existia lá fora, nos Estados Unidos, aquele pessoal. Quem tinha dinheiro é quem fazia transplante. Porque quantas não morreu através disso, tentando conseguir o coração e não conseguia e até agora está aparecendo coração e tá dando tudo certo.

 

Embora muitos pacientes reajam com medo diante da ideia de um transplante, alguns entendem sua situação com certa normalidade. Rosimeri foi um claro evento de uma paciente que não sentiu medo, encarando o transplante como uma cirurgia simples.

[Entrevistador: Como foi isso? Quando, quando disseram que você ia precisar de um transplante, o que é que você pensou? O que é que você sentiu?]

Rosimeri: Eu não pensei em nada. Se vai fazer, eu vou fazer, né? Mas eu não... Como eu digo, eu não tive medo quando Dr. Rodrigo disse que precisava fazer. Tive não.

[Entrevistador: Uhum. E você sabia o que era um transplante?]

Rosimeri: Não.

[Entrevistador: E o que é que você achava que era?]

Rosimeri: Eu achava, assim, uma cirurgia simples. Aí depois foi que a minha prima disse: “Olha, o transplante é trocar de coração. Aí no lugar do teu vai botar outro.” Aí também eu não tive medo, não. Eu não tive…