Impacto nas relações com familiares e amigos

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Os pacientes comumente relatam o sofrimento de sua família durante o período do tratamento – agravado pela sua dependência e estado de saúde delicado – e como esse sofrimento pode gerar ainda mais tristeza ao paciente que ainda se sente culpado por isso. Algumas vezes um quadro de depressão ocorre durante a internação, como relatado abaixo:

 

Donizete: Trabalho, família sofrendo. Tudo isso dificulta também no tratamento, né?

[Entrevistador: Família sofrendo? O senhor quer falar um pouquinho mais disso?]

Donizete: Sofrendo porque eu começo a dar muito trabalho. Eu via, como eu disse eu cheguei muito perto de desencarnar, vamos dizer assim. Então isso me levou a ficar um pouco pensativo e triste. E sofri muito também, também porque era muitos remédios, muitas furadas de agulha. Nem sempre conseguia fazer a central. E foi assim, essas variáveis aí, fora o transplante, afetaram. Também eu tive uma depressão forte. Tive assistência da psicóloga e do psiquiatra enquanto internado, eles iam me visitar umas duas vezes e eu venho superando.

O apoio familiar, especialmente da esposa, foi fundamental durante o período de internação. A participação ativa dela nas tarefas, nos cuidados e na busca por exames demonstra a importância da rede de suporte para enfrentar os desafios do tratamento e fortalecer o paciente emocional e logisticamente.

Elindinaldo: Sim, sim. Ela ajudou muito nessa parte. Ela que passou. Passei aqui 45 dias seguidos internado aqui no IMIP. Ela passou esses 45 dias comigo. Nessa parte ela me ajudou muito. Ela correu atrás dos exames. Ela que vinha resolver, sair de madrugada, dormir aqui no IMIP para marcar pra fazer os exames que tinha que fazer, os elétrico, certos exames que tinha. Ela que vinha comigo e a gente fazia junto.

 

A doença afeta emocionalmente ambas as partes de um casal, exigindo adaptações no relacionamento íntimo. A condição gera medo e insegurança, principalmente para o cônjuge do paciente, que teme perdê-lo a qualquer momento.

 

[Entrevistador: E com sua família. Filhos? Como é que tá?]

Duarte: Filhos não tenho. Ah, não tenho. Só de banana mesmo. Eu só tenho minha esposa. Só é só eu e minha esposa. Eu moro na cidade, tenho uma chácara no interior. Eu acho bom ir lá para o interior. Eu acho bom andar vendo uma roça. Eu como um bocado. Eu gosto.

[Entrevistador: E essa questão, assim com a esposa do namorar, voltou ao normal, com um transplante?]

Duarte: Tudo, tudo, tudo, tudo. Voltou tudo.

[Entrevistador: Antes eu imagino que fosse mais difícil.]

Duarte: Difícil. Difícil. O médico disse para...quando eu botei esse marca-passo, o médico disse para ela, disse: “Olha o seu esposo... Ele pode dormir e pode não acordar”. Ele disse pra ela, depois que botou o marcapasso. Só seu esposo pode dormir e pode não acordar. Aí botou. Quando era de noite, às 03h00, sono bom. Ela: “Ei, Duarte! Ei, Duarte!” “Que é?” “Não, nada não”. Eu pensava que era até outra coisa, sabe? Não é nada, não. Ela tinha o maior medo, ela era muito preocupada. E tanto que ela ficou assim, sabe? Às vezes, toda coisinha, nem tudo eu conto para ela, às vezes as coisas. Sabe que às vezes ela fica preocupada demais, de uma coisinha ela cria uma coisa grande, e às vezes eu fico preocupado com isso. Criou através desse meu problema, entendeu?

 

O transplante cardíaco representa uma transformação profunda na vida do paciente, indo além da recuperação física. Ele impõe um longo percurso de treinamento físico e emocional, demandando adaptação e cuidado rigoroso. No entanto, essa experiência não altera a essência do paciente nem seus desejos pessoais. Ainda assim, é comum que surjam estigmas e comentários preconceituosos por parte dos outros, como insinuações sobre identidade ou comportamento atreladas ao órgão recebido. Apesar disso, o paciente mantém sua identidade, valorizando a autonomia e a qualidade de vida. O transplante permite viver melhor focando em momentos simples de prazer e liberdade, independentemente das expectativas sociais ou relacionamentos.

Andressa: Não disse que quando a pessoa recebe o transplante do outro, né... Eu falei, pois eu não tenho nada. Aí meu vizinho fala assim: “não, ela tem coração de homem por isso que ela já não gosta de ninguém, agora que ela não gosta mesmo”. Eu pego, “o meu coração é de homem, é nos pés”. Não, mas fora isso não. Para mim não tem. Mudou nada não. O que mudou é que, graças a Deus, eu vivo melhor.

 

O procedimento cardíaco impacta não apenas a saúde física do paciente, mas também suas relações afetivas e sexuais, muitas vezes comprometidas durante a fase de insuficiência cardíaca grave. A recuperação proporciona não só melhora clínica, mas também a retomada da intimidade conjugal, fortalecendo o vínculo e promovendo qualidade de vida no cotidiano.

 

[Entrevistador]: Mas no geral, a vida com tua esposa tá boa?

Erianderson: Tá, tá, tá bem. Tá, graças a Deus.

[Entrevistador: E pra fazer o amor tudo normal?]

Erianderson: Tudo normal, tudo normal. Graças a Deus.

[Entrevistador]: Por que eu acho que antes do transplante era mais difícil, não é?

Erianderson: Era, era. Eu sofria muito. Às vezes eu nem… Não tinha ânimo pra nada não. Dava ânimo não. Às vezes ela procurava, aí eu: “Minha filha, você sabe que eu, não é bem assim.” Porque a mulher às vezes né, na necessidade da mulher, ela querendo fazer às vezes ela se estressava também, nesse termo. Como às vezes a gente homem também às vezes se estressa, quando a gente passa uns dias sem fazer. Pronto, nesse período aí, era muito difícil. E quando realmente dava aquele, aquela vontade que a ereção, era… Fazia ali, quando terminava… E era ligeiro. Aí a danada dormia. Era luta, era luta. Até pra penetração ela ficava meia… Mas hoje não. Hoje em dia não. Hoje a gente vive uma vida normal. A gente tem relação normal. Na vontade do outro. Vive bem. Então com isso aí a gente… Hoje em dia, né, graças a Deus.

 

A preocupação em um relacionamento é algo natural e geralmente é compreendido como uma expressão de cuidado, mas pode, em certos momentos, gerar conflitos:

Jeová: Porque minha esposa quer me tratar como um bebê e eu não aceitei. E eu não aceitei, nem aceito que me trate dessa forma porque eu sou uma pessoa normal como outro qualquer, qualquer. Quando fiz meu transplante, a Dra. Deuzeny falou pra mim: “Jeová, não acostume esse coração que você recebeu com o organismo, não deixe ele preguiçoso, acostume ele com seu organismo. Vá fazendo as coisas aos poucos, não demasiadamente, para ele pegar ritmo, não acelere de uma vez. Então eu fui obedecendo os passos da minha doutora e hoje tô, que tô.

 

A realização do transplante impacta não só a vida do paciente transplantado, mas também a de seus familiares e entes queridos. Quando surge a necessidade de um transplante para alguém da família, especialmente em doenças de ocorrência familiar, o apoio e o incentivo de quem já passou por essa experiência fazem toda a diferença:

[Entrevistador: E... Mais alguém da tua família fez transplante?]

Valdeir: Fez. Minha tia e minha prima. Eu consegui, consegui fazer a cabeça de todas duas.

[Entrevistador: Ah, fizeram depois de você?]

Valdeir: Foi. Aí viram... Porque queira ou não queira, após o transplante eu passei por uma situação e ficaram com medo.

 

A fala de Silvânio destaca o reconhecimento e a valorização de todos os envolvidos no processo do transplante, desde a equipe médica até a família doadora. Além disso, evidencia sua percepção de responsabilidade sobre os próprios cuidados, entendendo que a continuidade do tratamento depende tanto dos profissionais quanto de seu próprio compromisso com a saúde.

[Entrevistador: E a família do senhor o que é que diz do transplante?]

Silvânio: Tudin’ acharam bom. Tudin agradeceu que graças a Deus eu tô vivendo através do transplante. Entendeu? Todo mundo agradeceu tanto a família de quem deu, como aos doutor. Tudinho que, primeiramente, lá de cima, Jesus, segundo os doutor e, primeiramente, a família que doou. Então nós somos tudo bem agradecido. Então nós agradece a tudinho, né? Somos bem agradecido e principalmente eu fazer minha parte, porque se vocês fizeram isso, a família fizeram isso, e eu não fizer minha parte, então vocês que é doutor, como é que vocês vão fazer a de vocês? Não faz. Que se eu não tomar meu remédio, vocês vão conhecer, eu chego doente.

 

A interação com outros pacientes transplantados surge como uma forma importante de apoio e compreensão mútua, criando uma rede de suporte fora do círculo familiar e de amigos próximos. Andressa e Reginaldo nos falam sobre estes amigos.

Andressa: Quando eu voltei para a consulta, eu sempre ia lá em cima ver as meninas. Dr. Rodrigo reclamava para não tá subindo, mas a gente sempre vai, porque a gente se torna uma família, uma ajuda a outra, um apoia o outro. Aí ela achou a mãe, eu encontrei a mãe dela, ela falando que ela não resistiu. Difícil, muito difícil você perder um amigo. Eu perdi também pessoas da hemodiálise. Quando eu fiz o transplante, muita gente que não tinha, que tinha medo de fazer disse: “não, o teu deu certo, o meu vai dar, vai, vai dar”. Teve uma pessoa… teve uns que faleceram.

 

Reginaldo: Você vai fazendo amizade com as pessoas, brincando. […] Nesse período eu vi muitas pessoas ir embora, morrer. Teve pessoas que eu vi, faleceu, morreu. Tem um amigo chamado Lucas, que é de Garanhuns, tava aguardando um coração, como Dorgival. Chegou, graças a Deus! Dorgival tá aí contando a história, e ele, novo demais, não soube aproveitar a oportunidade que Deus deu. Porque Dr. Rodrigo é o seguinte, Dr. Rodrigo é um cara faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Ele faz tudo pra não perder o paciente, então se você não seguir o conselho dele, ele faz: então fique a vontade. Então, quando a gente segue o conselho, primeiramente de Deus, e dele, eu to aqui, muitas pessoas tá aí contando história. Então, esse menino novo não seguiu o conselho. Morava em Garanhuns, bebia, não tomava o remédio, vinha pra aqui, internou-se, foi embora.