À espera do transplante

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A espera por um transplante cardíaco é atravessada por um tempo dilatado e denso, que mistura a urgência da vida com a lentidão institucional. Estar na fila é viver em suspensão –

um estado onde tudo depende de um chamado que pode ou não vir. Durante esse tempo, os pacientes reorganizam suas vidas, encaram internações prolongadas, mudam de cidade, lidam com reações diversas da família e enfrentam profundas transformações emocionais. Os relatos a seguir revelam como esse período impacta não apenas o corpo, mas também a subjetividade e o tecido social dos transplantados.

 

Para muitos, a espera começa pela busca de conhecimento. Entender o que é um transplante, quais os riscos e como será a vida depois se torna uma forma de enfrentar o medo. Isso é especialmente marcante para pacientes vindos do interior, onde o tema do transplante é pouco difundido. A informação, nesses casos, se transforma em instrumento de autonomia e esperança. A mãe de Carlos Henrique compartilha:

Josiane: "Hoje eu acho que tudo no mundo tem seu preparo. Então, eu antes não sabia o que era transplante. Que era uma coisa que no interior você muito mal vê falar. Eu moro no interior da Paraíba. Aí eu fui procurar, pesquisar, fui procurar entender, tudinho. Todo o procedimento."

 

A reação da família ao diagnóstico e à necessidade do transplante é um ponto de inflexão. Muitos familiares entram em desespero, enquanto o paciente, curiosamente, assume o papel de acalmá-los. Há quem utilize o humor como defesa, quem minimize o risco para proteger os filhos ou quem busque racionalizar o processo para não colapsar emocionalmente. Cláudia conta:

Claudia: "O pessoal lá me chamava de Zumbi. [...] Eu falava pra eles que relaxasse, que ficasse calma. Se fosse pra ser, ia ser."

 

A espera transforma radicalmente a vida dos pacientes e suas famílias. Muitos são obrigados a sair de suas cidades de origem, alugar imóveis perto do hospital, romper com o cotidiano anterior. A espera passa a ser o centro da vida. Ao mesmo tempo, o prognóstico de vida sem o transplante cria uma contagem regressiva invisível, que mobiliza fé, medo e força de vontade. Danilo descreve:

Danilo: "Aí um dia minha esposa tá em casa e ele liga, Dr. Rodrigo liga [...] Eu disse: quanto tempo leva pra eu fazer o transplante? Ele disse: 'eu não lhe dou três meses'. Aí pronto, aí eu me alegrei todo. Aí eu me animei, me animei mesmo, aí fiquei animadíssimo, pronto."

 

Teresinha vivenciou uma ruptura maior. Veio só para o Recife.

"[Entrevistador: Não tem família aqui?]

Teresinha: Não, não tem ninguém aqui. [...] Mas Deus preparou tudo, graças a Deus.”

 

O acompanhamento psicológico e o apoio da equipe médica são elementos fundamentais nesse período. A ansiedade e os conflitos emocionais são frequentes, sobretudo em pacientes que se viam como ativos e independentes. O acolhimento cuidadoso e a escuta sensível dos profissionais atuam como pilares de sustentação. Elindinaldo lembra:

Elindinaldo: "Assim, aqui foi bom porque a gente teve todo um acolhimento antes do transplante [...] me deixou bem tranquilo."

 

Felipe Valério complementa:

Felipe Valério: "Ah, muita ansiedade, né? [...] O Dr. Rodrigo aqui, ele foi uma pessoa muito legal comigo, sempre foi muito legal comigo."

 

A duração da espera pelo transplante varia consideravelmente, indo de um mês, em casos de urgência como o de Andrea, Rosimeri ou Valdeir, a mais de ano, como para Cícero, ou a vários anos, como para Maria do Carmo.

Andrea: Eu não cheguei a entrar na fila de transplante porque eu tinha o desfibrilador e o desfibrilador, durante um mês, eu tive três paradas. Ai quando eu fui para a consulta com a médica, aí a médica disse que eu só tava com 21% do coração saudável, vamos dizer assim. Aí, já mandou pra aqui e eu entrei na urgência.

[Entrevistador: Aí fez de urgência o transplante?]

Andrea: Eu fiz de urgência.

 

Valdeir: Aí quando Dr. Rodrigo viu, ele fez: “Se for pra você ficar pra fazer o transplante hoje...” que ele disse se eu ficasse em casa, eu não ia durar nem dois meses mais. Pela situação que eu vinha passando. Aí ele disse: “Se você quer ficar agora para fazer os exames? Se for pra você fazer o transplante hoje, você faz?” Eu digo: “Pra quem tá em casa passando mal...” Porque eu não dormia mais, não comia, não conseguia me deitar, só vivia sentado. Se eu desse passos, passava logo mal, desmaiava. Não conseguia tomar banho mais só. Aí foi quando ganhei a proposta. Eu digo: “Doutor, tô passando mal em casa, arriscado a vim falecer. Então se for pra ficar é melhor eu ficar.”

 

O tempo de internação, por vezes, é longo e marcado por altos e baixos clínicos. Viver meses ou até anos dentro de um hospital altera profundamente a noção de rotina, de controle e de normalidade, o que intensifica o desgaste físico e psíquico. A piora do estado clínico leva a internações frequentes até chegarem ao hospital tão debilitados, com um cansaço extremo, dificuldades respiratórias que, a partir de um dado momento, permanecem no hospital enquanto aguardam o transplante, Cícero relata:

Cícero: "Rapaz, eu passei aqui, eu passei, eu passei, acho que eu passei mais de ano aqui internado. Só um ano eu passei mais. Depois passei mais quatro meses para receber o coração."

 

Felipe Valério também descreve:

Felipe Valério: "Internado aqui. Quando eu entrei, nem saí mais. Eu vim muito ruim de lá pra cá. [...] Aí logo em seguida chegou coração e deu tudo certo."

 

E, ainda, Maria do Carmo compartilha:

Maria do Carmo: Fiquei internada já para o transplante. Eu não tinha condições de voltar pra casa, não. Cheguei aqui, tava muito inchada. As pernas inchadas. Cansada. Oxe, eu não podia falar com o senhor assim, não. Quem ficava falando era meu esposo. Eu não tinha condições de falar, entendeu? Eu ficava cansada. Se o senhor ver meu prontuário é desse tamanho, né? Meu prontuário tá ali. Então, ele se lembra de tudo, Dr Rodrigo. Porque eu conversando com ele, meu marido, minha sobrinha Jéssica ao meu lado também, que era quem dava meu suporte. Pronto. Família, não tem que agradecer a Deus? A minha família. Porque me ajudou muito, viu? Porque eu passei aqui quase um ano.

 

A experiência de aguardar um transplante cardíaco evidencia a complexidade do viver com uma doença grave: não se trata apenas de esperar por um órgão, mas de enfrentar uma travessia que reorganiza o tempo, o corpo e os afetos. Entre diagnósticos, internações prolongadas e mudanças abruptas de vida, os pacientes revelam força, fé e capacidade de adaptação diante do incerto. A fé religiosa e o apoio familiar estão presentes nas narrativas destas pessoas como importantes fontes de força e resiliência para lidar com a espera. A escuta de suas vozes convida a uma prática clínica mais sensível.