Manchas, caroços na pele, perda de sensibilidade, dormência, perda de força, mãos e pés inchados, dores nas articulações e, mais raramente, pé caído, são os primeiros sintomas descritos por eles na apresentação da doença.
O caminho até o diagnóstico foi predominantemente longo, por vezes houve a contribuição de um diagnóstico equivocado por médicos em geral (por ex. “alergia”, “micose”, “tendinite”, “problema de circulação de sangue”). As narrativas dos participantes sugerem que o diagnóstico de hanseníase é difícil de ser feito fora dos serviços especializados em seu tratamento nas unidades básicas de saúde ou centros de referência do SUS.
Em alguns casos, o diagnóstico foi mais difícil, apesar do acesso a vários médicos em razão da posição socioeconômica, quando os diagnósticos equivocados foram mais raros como "artrite reumatoide", "LER", "rosácea".
Como nos conta Marcos, a sua trajetória até ser encaminhado para a FIOCRUZ, aos 25 anos, onde o diagnóstico e tratamento de hanseníase foram realizados:
“Na realidade, até eu começar o tratamento foi um pouco difícil, eu era muito jovem, e... eu fazia muita ginástica e tal. Começou a aparecer algumas coisas assim, aparecia bolha no pé: eu não sentia... é... e eu comecei a achar aquilo estranho tudo. E nesse momento, é... eu fiz até algumas cirurgias achando que poderia ser alguma coisa é... até por fazer muita ginástica, forçar muito o pé, essa coisa toda. Eu, eu fiz algumas cirurgias corretivas com ortopedista, aí o médico cirurgião... [...] E me tratei também, eu tive um pouquinho antes dessa hanseníase, me tratei, comecei a ter um pouquinho das articulações... é... ficando muito... muito... como é que a gente diz, inchadas, e foi avaliado que eu poderia ter também artrite reumatoide juvenil. Aí eu me tratei muito tempo... eu fiz tratamento com sais de ouro, potássio e sódio na época, fiz bastante... foram uns 4 anos de tratamento”.
Por vezes, algum amigo que conhece bem a doença, por ser também portador, ou não, ou, às vezes, uma amiga enfermeira, facilita o acesso mais direto ao diagnóstico num serviço que trata hanseníase.
“Bom, foi assim, eu, quando ela começou a se manifestar foi quando eu já não aguentava mais andar. Atacou, assim, de uma forma, que ficou mancha nos meus pés, que dá aquelas bolhas d’água, tipo bolha d’água com pus, não tem? Aí, depois disso, elas paravam do nada, aparecia, ficava de cama, aí sumia. Aí eu voltava a andar, voltava a fazer minhas coisas, normal. Aí voltava de novo. Eu fiquei, mais ou menos uns 4, 5 meses desse jeito, sem saber o que era. Aí foi no tempo que eu... Ela veio de uma vez, eu não aguentei mais levantar da cama, emagreci demais. Fiquei daquela forma, bem magrinha mesmo. Aí depois foi que uma amiga da minha mãe foi lá em casa e falou pra ela, falou pra ela, falou assim: ‘Dona Maria, eu vou levar a Taísa no médico, por causa que isso não é...’ O meu pai sempre dizia que era macumba. O meu pai sempre falava isso (risos). Aí eu peguei e falei pra ele: ‘pai, macumba não existe; para com isso!’ Aí ele falou pra mim, ‘não, vamos, eu vou te levar numa curandeira’, aí eu falei ‘não, pai, não vou’. Ele, ‘vamos’, falei ‘tá, eu vou com o senhor’ e fui, ele me levou. Essa curandeira falou que era um monte de coisa que tinha jogado pra cima de mim. Falei, Deus é mais! Aí ela pegou e apareceu lá em casa essa amiga da minha mãe, aí foi e falou assim: ‘eu vou levar a Taísa no médico porque isso aí é hanseníase. Eu sei que é hanseníase porque eu também tenho e trato’.” (Taísa)
Muitas vezes a própria pessoa não deu importância ao sintoma, o que levou a uma demora, por vezes de anos, pela busca do cuidado em saúde. Na maior parte das vezes, a pessoa diz que esta demora contribuiu para uma evolução mais complicada da doença. Mesmo com a insistência da esposa, só foram ao médico quando “não aguentavam mais andar”. Não raro alguns homens se sentem responsáveis ou se arrependem da “teimosia” que levou à demora na busca do cuidado, diagnóstico tardio e suas consequências. Como nos conta João B. Ferreira:
“Inclusive, foi até uma enfermeira daqui do Santa Marcelina, muito amiga da gente, aí ela falou com a minha esposa: 'faz um teste com ele'. Ela só em olhar pra mim, ela desconfiou que podia ser. Aí mandou ela comprar aquela... Era um comprimido, eu tomei muito esse comprimido... prednisona. Aí a minha esposa me deu pra eu tomar, que ela mesmo passou, ela se chama até Dona Lourdes. 'Aí, você dá o comprimido pra ele à noite, e observa, se ele dormir bem, aí vamos tentar convencer ele a fazer o exame'. Porque antes, quando me falaram pra eu ir pro médico, a minha resposta, com toda a ignorância que eu tenho, era que eu tinha mais o que fazer do que ficar perdendo tempo indo atrás de médico, só que hoje eu me arrependo (risos). E assim foi feito. Ela comprou os comprimidos, eu tomei, aí dormi, como nunca. Aí na outra noite, tornei a tomar outro. Tomei e dormi. Aí foi quando ela foi lá em casa e me aconselhou que eu viesse aqui”.
Alguns adoeceram muito jovens, identificando retrospectivamente o início da doença durante a infância, como na história narrada por Ermelinda.
“Pra começar eu sentia dormência. Nos dois joelhos eu tenho a mancha. Aí, depois do tratamento, elas escureceram, mas é dormente até hoje. Em 93, que eu descobri mesmo, que fui começar o tratamento, já mostrando já na mão, no nervo mesmo, ficou com um defeito na mão. Desde criança eu tenho essas manchas no joelho, desde 4 anos de idade. Eu sentia dormente, mas ninguém sabia o que que era. Já em 93 foi que uma amiga minha, que trabalhava num postinho, que a gente foi criada junto, aí ela trabalhava no postinho, ela viu o defeito na minha mão, aí ela me chamou pra ir no postinho pra fazer um exame, e a gente descobriu.”
Outros souberam ainda quando criança seu diagnóstico, tendo vivido por alguns anos na colônia, como nos conta Elias:
“Quando foi nos anos 60, aí tinha uma pessoa, uma tia nossa que... ela tinha tido já um problema antes com hanseníase, então ela falou com meu pai, meu pai conversou com ela e tudo. E aí, existiu aqui a Colônia Jayme Aben-Athar como era conhecida, que hoje é o Hospital Santa Marcelina, aí indicaram pra gente vir pra cá. Rapaz, assim... Você nem sabia pra onde ia, se voltava, se não voltava... E eu era pequeno também, não sabia. Sofri muito porque a gente foi criada no interior, e interior sabe como é que é, tudo criado junto ali, aquele pacote. E você não sabe, saí e vim embora pra cá sem saber se voltava. Passei um tempo aí tomando remédio, e tal, e tal. Fiquei internado mais de... quase dois anos mais ou menos.”
Para alguns adolescentes se queimar e não sentir dor chegava a deixá-los orgulhosos de si mesmos, como nos conta Felipe Sales:
“Eu sou uma pessoa muito reservada, então dificilmente eu converso com as pessoas o que eu sinto. Eu era bem jovem, machucava o braço, queimava, e até então achava superlegal, porque quem não vai achar, né, não sinto dor, não sinto nada. A gente é jovem, bobo. Aí os anos foram passando, e a mãe de um amigo meu achou que aquilo não era normal. Ela falou assim: ‘Você tem que ir no médico ver o que é, pode ser isso... Aí ela falou, pode ser hanseníase’. E até então não sabia o que que era... Ah, eu devia ter uns 20... Um pouco menos, uns 18 anos, mais ou menos.”.
Quando a falta de sensibilidade levou a feridas mais sérias, como a perfuração da sola do pé com pregos ou outros objetos perfurantes, eles entenderam que havia algo anormal e procuraram ajuda. Este foi o caso de Luiz Paiva. Queimaduras mais sérias, na rotina dos afazeres domésticos, em consequência da falta de sensibilidade, foi também a razão pela busca do cuidado por vários outros participantes, como Dona Josefa.
Luiz Paiva nos relata:
“até o dia que eu pulei o terreno lá, mas eu não sabia que eu tinha lesionado o pé, o prego entrou no meu pé. Só que eu não sabia que tava o prego lá, aí eu fui dormir. Isso aí foi lá pra março de 1990. Não sei que dia foi não, mas eu comecei a tratar mesmo em maio, mas foram descobrir por causa do prego. Eu dormi com o prego no pé, mas não sabia que tinha o prego, aí começou a me dar muita febre de madrugada, aí me deu aquela... negócio que dá na virilha? Deu íngua, aí minha mãe desconfiou que era alguma coisa que eu tinha no pé. E tava muito calor naquela noite e eu pedi minha mãe dois cobertor, aí botou a mão e eu tava com febre, mas não sabia. Depois começou os sintomas mais tarde, da íngua, aí não dava pra desconfiar o que que era. Aí ela foi ver no meu pé, tava começando até já a ficar inchado, entendeu? Só que eu não sentia dor ali não, onde tava o prego. Aí de manhã, minha mãe esperou meu tio chegar pra puxar com à pinça, o prego, tava sem cabeça. Ela guardou até o prego.”
"Olhe, a manifestação foi a seguinte: eu senti uma dormência aqui. Aí quando foi um dia, eu digo, 'vamos comer todos sentados aqui no chão'. Aí sentamos assim no assoalho da casa, a casa era de assoalho, sentamos todos aí, eu e meus filhos, que eram todos pequenos. Aí aquela dormência aqui e "triscou" na panela de pressão, e aí eu não senti. Aí eu fui, segurei a panela e 'calquei' o joelho na panela, a panela cheia de feijão fervendo. Tirei, e o couro ficou agarrado na panela, falei 'pronto', ficou aquela ferida assim. No outro dia fui na casa de uma mulher que ela era enfermeira, falei pra ela. Ela foi e falou 'vou botar você pro Dr. Jadir', aí mandou eu pro Dr. Jadir. E lá eu fiz todos os exames, e aí deu o resultado que era hanseníase, deu positivo. Aí ele mandou eu ir com o Dr. Macário, e aí fui pro Dr. Macário, e o Dr. Macário passou os remédios pra mim." (Josefa)
Alguns homens referem uma ação decisiva da companheira na busca pelo diagnóstico. Como nos diz Alexsandro, “O homem é preguiçoso pra ir no médico mesmo, ele não vai”.
E Matheus nos conta também sua história com a participação da esposa.
“Tudo começa com a minha esposa reparando sucessivas vezes no meu braço uma manchinha, uma diferença. E aí ela começa a me orientar a passar alguns remédios para impinge, para pano branco, para estas doenças comuns. E eu como todo bom homem não sigo muito bem as regras, não mantenho o remédio em dia e começo a passar, porém depois alguns meses ela percebe que não há nenhuma redução, nenhuma evolução, nenhuma contração dessa mancha. Feito isso, ela começa a pesquisar na internet sobre o que poderia ser. A gente chega numa dúvida muito grande se poderia ser ou não hanseníase. Depois de algum tempo, eu já tinha esquecido, tinha passado alguns anos, aí a gente, ela me motiva a vir fazer uma consulta com um especialista, com um dermatologista”.
A compreensão de como foram os caminhos até o diagnóstico e a possibilidade de início precoce do tratamento é muito importante. Especialmente desde a poliquimioterapia (PQT), o diagnóstico precoce é fundamental para que a hanseníase tenha uma evolução favorável e possa inclusive ser curada.