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A 2ª Onda (6/11/2020 – 25/07/2021)

Alexandre, 46 anos, é médico geriatra, e desde o início da pandemia, em 2020, se manteve na enfermaria e preceptoria do setor de Geriatria do hospital em que atua em Recife, apesar de não trabalhar diretamente na linha de frente da covid-19, o hospital é referência no atendimento. Além do hospital, Alexandre também atuava na clínica como especialista com um grupo considerado de “risco”: “Atendo pacientes que é uma média de idade avançada, em média com mais de oitenta anos, muitos chegavam com sintomas atípicos”. Ele completa que sua exposição era muito grande devido ao comportamento do seus pacientes: “como eu atendo muitos pacientes idosos com síndrome demencial, e é a minha clientela principal, é muito difícil que esse paciente consiga manter a máscara, então ele puxa a máscara, ele tira, ele não tem cognição pra entender e poder usar a máscara, então isso me deixa numa exposição maior”. 

Alexandre reforça que apesar da exposição, mantinha os cuidados necessários como o uso da máscara e o protocolo de  higienização, o que o protegeu no ano de 2020 inteiro, vindo a contrair o vírus em janeiro de 2021, na véspera da sua vacinação: “Meus sintomas iniciaram dois dias antes do dia que tava marcado para eu me vacinar, como profissional de saúde, principalmente que frequentavam hospitais onde era referência em covid”. Após a contaminação, ele, sua esposa e filha foram testados e o resultado foi positivo, exceto para sua filha. Os primeiros sintomas se manifestaram em Alexandre e  paralelamente em sua esposa, que não evoluiu  com gravidade.

Os primeiros sintomas estavam sendo tratados em casa com monitoração médica e eventuais idas ao hospital para exames.  Inicialmente, Alexandre tinha 5% de comprometimento pulmonar, sem provas inflamatórias. Entre o nono e décimo dia de sintomas, seu quadro piorou com fadiga, queda da saturação (de 99% para 95%) e um cansaço maior, a ponto de não conseguir tomar banho. Nesse momento, a médica que o acompanhava orientou: “venha hoje a tarde que eu estou de plantão”. Ao fazer os exames, constatou-se a fase inflamatória da doença e foi sugerido a hospitalização na Unidade de Terapia Intensiva. Ele relata que por ser médico seu desespero era maior.

Apesar do monitoramento intensivo, não precisou ser entubado, apenas fez uso de ventilação não-invasiva (VNI). A equipe permitiu nos últimos dias de internação, que a esposa de Alexandre, já recuperada da covid-19, o acompanhasse dentro da Unidade, o que para ele foi positivo: “Isso pra mim foi fundamental, a minha esposa estando lá comigo porque me causou, me trouxe uma tranquilidade maior”, relata que a sua impressão foi de uma “UTI humanizada”. Outro aspecto que impactou positivamente a internação de Alexandre foi o fato de muitos dos médicos que cuidavam dele na UTI foram seus alunos: “Então isso eu acho que fez uma diferença muito grande pra mim, estar lá, inclusive sendo acompanhado por pessoas que foram ex-alunos,  muito dos plantonistas, mais de 50% dos plantonistas da UTI tinha sido ex-alunos e tinham um carinho, uma atenção muito grande”. Sentiu-se acolhido e cuidado, e isso se estendeu à esposa. 

Apesar de bem atendido e cuidado, sua internação teve aspectos negativos. Alexandre é hemofílico desde a infância e já passou ao longo da vida por outras questões de saúde, mas dessa vez, segundo ele, foi assustador: “A sensação é que eu estava pisando num terreno totalmente desconhecido como paciente”. Ele relata medo e incerteza sobre a covid-19 e isso impactava seu emocional, inclusive com episódios de pânico na UTI, necessitando de uma leve sedação. Sua angústia também se dava pelas limitações de tratamento diante da sua doença prévia. 

Sua internação durou 9 dias e após a alta se deparou com o que conhecemos hoje como “covid longo”, com sintomas que incluíam: sarcopenia e cognição alterada como, memória e atenção. Sua recuperação física aconteceu com fisioterapia, reposição de proteína e atividade física. Do aspecto cognitivo, fez por conta própria a reabilitação cognitiva através de algumas atividades em aplicativos de celular que tinha conhecimento pela sua experiência com pacientes idosos. Durante seu processo de recuperação sentiu medo de possíveis sequelas: “Então a gente tem aquele medo da finitude, da morte na fase aguda da doença, mas na fase crônica da reabilitação do pós-covid existe o medo também de ficar com sequelas, de não se recuperar, existia também esse receio”. Esses sintomas persistiram do final de janeiro até início de fevereiro, entre 2 e 4 semanas, sendo acompanhados pelos seus médicos particulares. 

No final de fevereiro, Alexandre tomou a primeira dose da vacina e em março a segunda, e no final de maio, se infectou novamente, mas dessa vez com um quadro mais brando. Por fim, sobre a retomada ao cotidiano, ele relata que retornou ao trabalho após um período de licença, e financeiramente, houveram impactos, principalmente por consequência do tempo afastado.

André Luis Sousa

Homem, preto, 34 anos, casado, sem filhos, superior incompleto (cursando), técnico em TI, possui obesidade e sedentarismo, residente de Salvador\BA. Não tem certeza de como contraiu o vírus, teve Covid em abril de 2021 foi internado devido à piora dos sintomas iniciais  na UTI do Instituto Couto Maia (ICOM), não precisou de intubação, mas usou outras técnicas como Ventilação Não Invasiva (VNI). 

André relata que ela e a esposa contraíram Covid no mesmo momento, “Eu tive todos. Eu tive a dor nas juntas, a dor muscular, eu tive a tosse, a tosse não foi tão grande, mas eu tive a dor muscular, eu tive a febre, a dor no corpo, o calafrio e, por último, uma semana depois, que veio a dificuldade de respirar, uma semana depois. Mas eu tive todos que é assim, que eles dizem que são os principais. Tanto eu quanto Kelly, todos dois…”. Entretanto, apenas ele desenvolveu complicações mais graves que se desenvolveram muito rápido, ocorreu a piora dos sintomas, e ele disse a esposa que iria morrer se não recebesse atendimento, chamou a SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) sendo levado para um gripário no bairro da Valéria. Mas o gripário não aceitou porque ele é obeso, e as macas não possuíam limite de 150kg. Logo depois, foi regulado para o ICOM (Instituto Couto Maia), segundo a indicação de uma colega da família que trabalha no Hospital.

André nos conta que ao chegar no ICOM, estava em estado grave, “E foi primeiro lugar Deus, em segundo lugar o Couto Maia, porque assim, eu sabia que eu tava ruim, mas eu não sabia que eu estava entre a vida e a morte. Eu, quando eu cheguei lá, eu tava saturando 60. E aí eu cheguei e fui direto pra UTI 2, foi UTI 2, que é em cima, no andar de cima e aí começou todo o processo. Eu não podia beber água, eu não podia comer porque disseram que se tivesse que entubar, não podia ter nada no corpo, né.”. Foi direto para o oxigênio, devido ao seu estado, os médicos queriam entubar, mas ele nos conta que sentia medo e que tinha certeza que se entubasse ele morreria devido à obesidade.

Durante seu período de internação, necessitou de um atendimento de uma equipe multidisciplinar, relata que foi a técnica de VNI e fez uso de alguns medicamentos como:  O Alenia, Clenil, Aerolin e Xarelto. Além de reabilitação fisioterapêutica., que salvou sua vida, “ E aí eu fazendo fisioterapia foi o que me recuperou, tanto que eu falo até hoje da VNI que é a, foi em primeiro lugar de Deus, o segundo lugar foi a VNI que me salvou e a persistência. E o pessoal fala até hoje…”. Ele ficava horas a mais na VNI por conta própria, e chegou no hospital no nível máximo de oxigênio 15, e passou 15 dias fazendo esse tratamento. Nesse período dessaturou com frequência, teve apneia do sono, e pneumonia, mas ele relata que não percebia que estava tão debilitado, e em certo momento já estava andando pelo hospital sem ajuda, que toda sua recuperação e o tratamento foi um milagre, ele nos conta “O pessoal fala até ‘Rapaz, você tocou na mão de Jesus e voltou vei, porque muitos, muitos chegaram aqui com a situação melhor do que a sua e não saiu’. Teve pessoas grávidas que chegaram lá e não saíram, sabem, foi um negócio de, foi Deus mesmo, foi Deus, não tem pra onde correr não. E os médicos que trataram, não vou tirar os méritos dos médicos não, porque Deus que guiou a mão dos médicos pra poder me curar, porque não  tinha outra, o caso era de morte…”

Ele recebeu alta no dia 7º de maio, totalizando 18 dias de internação, relata a importância do apoio da família e da esposa por ligações para lidar com as frequentes notícias que ficava sabendo na UTI, “Você tá ali lutando pela sua vida, aí os enfermeiros vai te dar banho, vai conversar e falar “pô rapaz, fulano chegou aqui bem, não sei o quê, morreu”. Aí você fica meu Deus do Céu, se fulano que chegou bem morreu, eu que cheguei com 60, tou ferrado…”. Mas que todos da família ficaram traumatizados com o receio de perder-lo para a COVID, “Minha esposa passou por um trauma, minha esposa e a minha mãe. Minha mãe quando fala a palavra Covid, quando fala do tempo de internamento, ela nem quer falar disso. Ela já fala logo, “eu nem quero saber, isso aí eu quero apagar da minha memória”. Porque como eu sou o caçula, foi o maior, tipo assim, quem soube, foi a maior mobilização…”

Ao voltar a sua vida normal, além da gratidão por estar vivo, ficou com algumas repercussões físicas,  de memória, raciocínio cognitivo e falta de ar. “Eu consegui, assim, até hoje eu tenho sequelas, eu, lógico, eu tenho o sedentarismo, mas eu, mas eu não consigo correr, já não corria, mas tipo assim, eu não consigo, eu canso muito rápido. Eu comecei até a fazer o pós lá no hospital, mas logo em agosto eles me tiraram do Home Office [...] isso aí tudo, desandou tudo…”. Ao finalizar a entrevista, relata muitos traumas, e que quer continuar trabalhando 100% em home office, mas que se esforça para mudar o quadro de sedentarismo na vida pessoal, “Agora assim tipo, a gente tá com planos de começar a sair mais, nem que seja pra ir numa praia, (peraí rapidinho, oh filha, é a minha cachorra.) A gente tá com planos de tentar aproveitar depois desse susto. A gente ainda não conseguiu. Minha esposa fala “não, a gente tem que sair mais, se curtir e tal, que a vida é uma só”, mas a gente vai conseguir, em breve a gente consegue…” . E recomenda para que todos aproveitem a vida ao máximo, nas suas palavras “Vá viver a vida, vá curtir a vida, vá aproveitar a vida, a vida é um sopro…”.

Angela Almeida Borges

Mulher, preta, 42 anos, solteira, três filhos, ensino médio completo, auxiliar de serviços gerais, possui diabetes mellitus, hipertensão, depressão, residente de Camaçari\BA. Durante a pandemia não trabalhou, acredita ter contraído o vírus de um colega em casa, mas desde que começou a sentir os primeiros sintomas, piorou muito rapidamente,“Apareceu na minha vida bem rápido, tudo na minha vida foi rápido. Eu descobri assim, eu comecei a sentir os sintomas foi com dois dias, me lembro como hoje, mas em termo desses dois dias eu fiquei logo arriada, fiquei logo de cama, porque eu sentia muita falta de ar minha saturação caiu muito…”. Teve covid em Maio de 2021, e ficou internada 20 dias na UTI do Instituto Couto Maia (ICOM), não precisou de intubação, mas usou técnicas como Ventilação Não Invasiva (VNI).

Angela relata que ao sentir os primeiros sintomas, antes da piora dos mesmos, tomou a medicação que já havia sido indicada pelo médico, para os seus pais, que também contraíram a COVID-19, nos meses anteriores, mas não teve efeito, com a piora dos sintomas foi para UPA da sua cidade, e ao fazer o teste para confirmar o diagnóstico, deu negativo. “Eu estava sentindo muita falta de ar, tossindo muito, sentindo muita falta de ar, até hoje eu sinto falta de ar e cansaço, não me recuperei mais. Aí fui imediatamente pra UPA, da UPA, graças a deus, fui muito bem tratada, fiz três testes de covid, deu tudo negativo, nenhum deu positivo…” Mesmo assim, sem a confirmação do diagnóstico,  precisava ser transferida para uma UTI, devido à falta de ar e saturação baixa, conta,  “Minha saturação só baixando e os médicos doidos, porque não sabiam o que era, o teste da covid tava dando tudo negativo, aí fui pro Couto Maia…”

Ao chegar no ICOM, estava em estado grave, e apenas com o teste retal confirmou o diagnóstico de COVID-19,  “Chegando lá fui diretamente internada, fui pro balão de oxigênio, fiz o teste de covid lá, que eu nem sabia que existia, o teste no reto, aí foi o único teste que deu positivo. Passei lá 16 dias, muita dificuldade, não comia e não bebia, durante o tratamento lá…”. Comenta que se não fosse pelo excelente atendimento não estaria viva, devido a outras complicações desenvolvidas no período de internamento, “Eu tive uma bactéria no pulmão, que até hoje eu tenho problema de cansaço, tive uma bactéria no pulmão e pneumonia e antes da covid eu já tinha tido pneumonia também, e isso me afeta muito…”. Também relata das dificuldades do tratamento, e o medo da morte, devido ao prognóstico incerto,  “Fiquei 16 dias aí, saí da UTI, fiquei no quarto ainda uns 3 a 4 dias, aquele, ave-maria,  aquele balão de oxigênio, corroía o meu nariz muito, botava sangue pelo nariz, até que eu me lembro como hoje, que chegou um médico lá, que aí mandaram elas misturar meu soro com o balão, o oxigênio com soro, porque o oxigênio puro tava corroendo meu nariz, eu tava botando sangue pelo nariz, eu assoava e saia os pedaços, os bolos de sangue. Eu não vou mentir não, eu vi a morte, vi a morte. Eu não sabia que meu estado era tão grave, porque ali dentro a gente não fica sabendo de nada, é um negócio muito estranho…”.

Após mais alguns dias em observação, recebeu alta, e percebeu o quanto a COVID-19, impactou todos os aspectos da sua vida, e ainda necessita de apoio dos familiares e amigos,  “E quando cheguei em casa eu ainda fiquei muito debilitada, deu muito trabalho pra eu me recuperar, eu tive um colega que tava viajando que ele me ajudou muito, me ajudou com faxina, ele depositou o dinheiro da faxina, pra lavar roupa, pra esterilizar a casa antes deu voltar, até hoje eu tô aqui na labuta…” Mas conta que ela que sustenta a casa, é mãe solteira, e passa por muitas dificuldades devido às sequelas da COVID “Cheiro eu não sinto ainda, gosto eu não sinto e o cansaço, o cansaço, minha filha que não me deixa fazer quase nada, to perto de perder o trabalho que eu tenho por causa do cansaço, mas até hoje eu tenho muita dívida acumulada, minha luz tá cortada, tá no gato, água tá cortada. E eu vou levando assim. O que eu consigo dá malmente pra comer, é duas crianças, é todo dois de menor, todos dois depende de mim, meu ex-marido tá pelo mundo, sabe Jeová por onde…”. 

Além disso, Angela relata ter sofrido preconceito para encontrar serviços, por contrair a COVID-19,  “No começo foi um pouquinho difícil, o povo tem muito preconceito, mesmo eu já saindo curada de lá…, deu trabalho de achar alguém pra limpar a casa porque estavam com medo, me deu muito trabalho pra achar algum pra lavar roupa porque o pessoal tinha medo, demorou um pouquinho pra eu voltar pra realidade…”.  Isso teve impacto direto na sua saúde mental, “Olhe meu cabelo caiu muito, eu não vou mentir, tô com problema de depressão muito sério, essa semana mesmo, segunda eu fui pro trabalho chego lá a diretora tinha me devolvido, ai fui pra outro local chego lá me devolveram, eu acho que pelo fatos deles saberem desse problema meu de cansaço ai ta dificultando muito meu trabalho…”.

Ao longo da entrevista, deixa em evidência que não voltou a sua vida normal, não recuperou os sentidos, olfato e paladar, relata que nunca passou o cansaço, e o quanto isso impacta também os seus filhos, em suas palavras, “Eu perdi o ânimo das coisas, eu não tenho animo pra nada mais, eu não tenho o mesmo ânimo de fazer uma faxina, eu não consigo. Eu não tenho animo mais de sair “A vamos Ângela bora pro som ao vivo que tá tendo ali”, que antigamente eu gostava, eu não vou mais, eu me fechei mais pro mundo. Eu não saio mais com meus filhos, eles sentem muito…”. Ao finalizar a entrevista pede mais amor ao próximo, “Mas o que eu deixo pras pessoas é que tenham mais amor ao próximo, usem máscaras, se protejam, nada de aglomeração, porque o covid, que doença é essa, eu não sei nem explicar, parece que ela veio pra acabar com o ser humano ela veio. Veio pra acabar com o ser humano e a gente teve aí muita perda e tá aí retornando tudo de novo. Tá retornando tudo de novo, o povo procurar se cuidar mais, porque eu to fazendo a minha parte. Tô aqui com sequela, to ruim, ruim, muito difícil, muito difícil ir me deitar e acordar assustada procurando respiração e não achar, é muito difícil. Aí você chega no setor que você tá fazendo atividade, que você tá trabalhando, aí chega lá, é só humilhação, é você tá passando mal e o ser humano não tá nem aí, o ser humano perdeu o amor ao próximo, não tá nem aí. Isso é muito triste…” Até o momento da entrevista ela não faz acompanhamento pós-covid para nenhuma das suas repercussões físicas e psicológicas.

Augusto, 45 anos, comunicador, nascido e criado no Rio de Janeiro, relata que se divorciou durante a pandemia e em maio de 2021, precisou ser internado por complicações da infecção por covid-19. Atualmente vive em Portugal e faz tratamento de artrite psoriática desde antes do adoecimento.

Apesar da consciência de que a sua doença prévia poderia ser um agravante caso se contaminasse, Augusto diz que em determinado momento da pandemia “afrouxou” os cuidados: “Então depois de um ano e tal, você chega no limite e comecei a não criticar o outro e comecei a sair com o meu cachorro, sem máscara, óbvio, em lugar aberto eu tava sem máscara”. Ele também não sabe como se deu o contágio, “É difícil entender quando e onde, sabe? Eu peguei um voo para Florianópolis. E aí, foi no voo? Não foi? Mas eu tava de máscara. É muito difícil”. 

No dia em que iria se vacinar, Augusto apresentou seu primeiro sintoma: tosse. Nos dias seguintes, relata ter vivido a evolução da doença de maneira muito rápida, sendo monitorado a distância por seu médico assistente. Quando o oxímetro marcou 82% de saturação, ele decidiu buscar ajuda em um hospital.

Por ser assegurado por um bom plano de saúde, Augusto foi atendido em um hospital privado no Rio de Janeiro, onde, para sua surpresa, não havia vagas. Permaneceu um dia na emergência até ser transferido para outro hospital: “’não tem leito aqui’. ‘E como não tem leito?’ ‘Está tudo lotado, você vai ficar na emergência. A gente vai ver para onde seu plano vai lhe transferir’”. Nesse primeiro hospital, ficou menos de 24 horas na enfermaria e posteriormente, no outro hospital, foi encaminhado para UTI, totalizando 21 dias internado. 

Desde os seus primeiros sintomas, ele conta que as piores partes foram a falta de ar, a febre e a incapacidade de dormir: “As horas tem um peso diferente (…) porque quando você tem febre, quando você está naquele estado, você não lembra muito das coisas, você não consegue dormir direito. É um processo meio de pesadelo. Você não sabe o que é teu, o que é sonho, o que é onírico”, ele diz. Apesar da gravidade dos sintomas, não precisou ser entubado.

Augusto relembra seu sofrimento físico e emocional durante a internação, experimentando a impotência e a desesperança diante de uma doença grave e um sistema de saúde sobrecarregado. Durante esse processo, destaca que vivenciou inúmeros questionamentos sobre vida, morte e sua própria fé e evidencia ainda como a saúde mental é abalada no processo de adoecimento: “E chega uma hora que eu não aguentava mais esse processo de dor e febre, de não saber o que é consciente, inconsciente. Você começa a pirar, eu sou um cara que ia morrer, só queria morrer, não tem fé, não tem nada nessa hora, depois de sete ou oito dias nesse estado”. 

Augusto relata que vivenciou o sentimento de culpa ao longo do processo de cura da covid-19: “E é muito louco, porque quando você começa a se curar, você começa a ter culpa porque você vê que os outros estão lá no leito. Você vê uma galera nova, entubada. Você vê essa gente morrendo. Você começa a ter culpa de estar ficando bom.”. Ele também acredita que a dedicação da equipe de saúde foi um diferencial no seu cuidado. “quando está ali na VNI, de barriga para baixo, descrente do mundo, chega uma alma que você não sabe quem é você, você não vê o rosto de ninguém e vem alguém encosta em você e fala assim: “eu estou aqui tá, faltam dez minutos para tirar a máscara”, é Deus falando no teu ouvido”.

Sobre o futuro ele vê como um presente apesar dos impactos profissionais e financeiros, diante do seu adoecimento. 

Bárbara Caline Diniz Paiano Malta

Mulher, 30 anos, parda, casada, vive com o esposo, sem filhos, psicopedagoga, autônoma. Possui faringite, sinusite, obesa grau III durante a internação (atualmente grau I). Internada em hospital privado, possui plano de saúde. Bárbara, logo no início da entrevista reforça que aderiu a todas as recomendações para não adoecer “acredito que seja substancial falar que todos os cuidados para não pegar a covid foi feito sabe” e imagina que tenha sido contaminada na academia por ser o único ambiente frequentado fora de casa e onde tinha contato com pessoas que não utilizavam máscaras “A gente via muitas pessoas baixando a máscara por conta da questão da atividade física, o ambiente fechado,  ar condicionado”.

A descoberta da doença ocorre por ocasião de uma visita à sogra, sob o argumento de estarem, ela e o esposo, há um ano sem vê-la e após fazerem um teste de farmácia (negativo), decidem se deslocar para o outro estado, onde a sogra reside, e fazer a visita. Porém seu esposo começa a ter os sintomas no período final da visita, então decidem antecipar o retorno para sua cidade  “Quando ele começou com a febre, já começou o corpo mole, arriou mesmo. Eu falei: ‘Amor, fica aí toma remédio. Se for covid fica quieto’. E  eu saí arrumando tudo… todas as bagagens... Deixei ele descansando, e peguei a estrada. Tirei todas as roupas de cama tudo e enfiei na máquina, não nos despedimos da minha sogra.” Realizaram uma viagem de 800km para a cidade de residência e se dirigiram diretamente para a emergência por causa do quadro do esposo. Nesse atendimento, seu esposo e Bárbara estavam com teste positivo para covid-19, porém Bárbara não tinha sintomas. Seu esposo tinha comprometimento pulmonar, mas foi encaminhado para casa onde teve piora do quadro, cursando com vômitos por 10 dias, essa piora foi atribuída ao uso da ivermectina que afetou o fígado.

Dois dias depois, Bárbara apresenta um cansaço que inicialmente atribui à viagem e ao trabalho de ajudar o esposo (limpar vômito e auxiliá-lo a retornar para cama) e inicialmente não observa gravidade. No dia seguinte ao início do cansaço percebe que há algo diferente e arruma uma mala para si e para o esposo e se dirigem para a emergência, onde constata que seu pulmão estava comprometido "eu chego na emergência o meu pulmão que  três dias antes estava zerado, já estava com 40% de comprometimento”. Seu esposo, no entanto, apesar de possuir um grau de comprometimento pulmonar (25%) e o quadro de vômitos incoercíveis não é internado, pois há um pico da doença em Fortaleza e não há leitos suficientes para todos “os médicos falaram ‘como ele segue com 25% de comprometimento pulmonar o hospital está mega lotado eu não vou interná-lo agora. Tenho outras prioridades, mesmo que ele continue vomitando, tenho outras prioridades'.” 

O momento inicial de internação para Bárbara é marcado por grandes tensões. Não havia apartamento para ela ser internada, conforme acomodação paga pelo plano de saúde, as enfermarias seguiam com lotação máxima, faltavam itens de hotelaria e restrição de alguns insumos, como oxigênio. “começa a faltar o oxigênio para eu tomar banho… Então passei 2 dias sem tomar banho, falta toalha, falta pano de chão, porque as lavanderias estão sobrecarregadas por conta da situação dos hospitais. A gente começa a perceber que faltam itens, tipo as refeições…  no hospital tem as comidinhas já prontas e tal”. E Bárbara percebe também a impossibilidade dos profissionais de atender todas as demandas, descrevendo o cenário como um cenário de guerra “A situação do hospital, eu já fiquei internada outras vezes, e assim você é completamente abandonada no cenário de guerra covid, não porque os profissionais sejam ruins, mas, porque eles não estão dando realmente conta, era visível que não se tinha condição de ter profissionais com você, a ponto de você precisar chamar e não ser atendida… começa a perceber o cansaço dos profissionais, muito amor, mas também muito cansaço, uma dualidade sabe?”

E foi nesse turbilhão que se decidiu pela internação de Bárbara em UTI com a piora do quadro clínico de cansaço e piora do comprometimento pulmonar (para 65%). Bárbara não desejava ir para a UTI, mas foi a presença e o diálogo com sua irmã que a fez aceitar ser internada na unidade. Ela é submetida ao capacete de ventilação não-invasiva, largamente utilizado como medida conservadora no tratamento da covid-19. Com o agravamento do quadro (80% de comprometimento pulmonar) os médicos decidem por sua intubação, a família, no entanto, decide ouvir uma segunda opinião e contrata um médico intensivista particular para avaliar o caso e definir condutas e esse médico orienta “'Não entuba, deixa ela 12 horas no capacete de VNI [ventilação não invasiva]'.” E após as doze horas na ventilação não invasiva Bárbara cursa com melhora, quando se decide transferi-la para um leito em uma UTI semi intensiva e na sequência para a enfermaria, onde encontra seu esposo que também havia sido internado por piora do quadro de vômitos e inapetência. E após alguns dias na enfermaria e 20 dias de internação no total, Bárbara recebe alta e é tomada por sentimentos de gratidão e felicidade por estar viva “na porta do hospital eu falei 'Hoje faço uma promessa a Deus nunca mais vou sentir medo na minha vida, porque depois que eu vivi o que eu vivi aqui, eu sei que eu dou conta.' Vim pra casa, muito grata, muito feliz, fraca ainda, mas graças a academia eu tinha uma certa força muscular…” 

A internação de Bárbara foi marcada também por outro eventos negativos com destaque para a dor causada pele exame de gasometria e pela perda de acessos venosos “a situação dos meus pulsos, tudo dos dois braços, eu não conseguia tocar, não conseguia encostar, fora o anticoagulante, toda roncha, o acesso que tem que ficar retirando o tempo todo.  E  realmente, assim a equipe de enfermagem, maravilhosamente, mas sem conseguir dar conta da quantidade de pacientes, se perdia acesso, e a gente ficava muito tempo com acesso perdido, e quando vinha trocar se trocava de todo jeito em qualquer lugar.” 

E ela atribui em grande parte a essas experiências dolorosas e à perda de amigos alguns efeitos psicológicos que manifesta após a alta hospitalar “comecei a descobrir de muitos conhecidos e colegas  que tinham falecido enquanto eu estava internada. Nessa segunda noite [após a alta], eu não consigo dormir, e quando eu consigo dormir alta madrugada eu acordo achando que eu estou no quarto de hospital com a enfermeira vindo tirar meu acesso. E começa a outra fase, que foi, inicialmente eu estou sendo acompanhada por psiquiatra, por psicólogo… E aí começa, o segundo outro grande pesadelo da minha vida, que foi realmente uma crise de ansiedade horrível, que ate hoje eu sofro os efeitos.” 

Bárbara descreve a covid-19 como um ponto de inflexão em sua vida, sinalizando uma ruptura biográfica, inclusive não apenas com mudanças na vida, mas em sua própria identidade, resultante de sequelas pós-covid “estou num processo de me redescobrir, inclusive, de aceitar que houve um evento que transformou minha vida, isso é algo que vem sendo trabalhado também, aceitar que esse evento transformou minha vida, e eu falo muito que se não tivesse tido, a crise de ansiedade depois, eu não tenho como ter dimensão do que isso teria afetado.”

Bárbara Santos dos Anjos 

Mulher, 43 anos, preta, casada, com filhos (21 e 11 anos), possui nível médio completo, vendedora, autônoma, não relata possuir comorbidades. Realizou tratamento para covid-19 em hospital público. Bárbara tem dificuldades em obter o diagnóstico de covid-19 buscando atendimento em pelo menos quatro unidades de pronto atendimento até receber o diagnóstico de covid-19 “desde o dia 14 que eu to indo pra UPAS e só dia 18 que eu vim ser encaixada pra covid.” Seus sintomas inespecíficos (febre, dor e inchaço nas articulações e falta de ar) foram atribuídos e tratados como casos de chikungunya e asma, antes de ser diagnosticada definitivamente com covid-19. Ela imagina ter se contaminado ao acompanhar a filha grávida até uma consulta de rotina no ambulatório do plano de saúde, onde alega que tinham vários casos de covid-19 aguardando atendimento também. Bárbara foi submetida a exames de imagem (raio X) que não sinalizaram nenhuma alteração, assim como também foi medicada com corticóides, havendo melhora do quadro num momento inicial, até quando nenhuma outra medicação conseguiu melhorar uma falta de ar persistente “eu vivia assim parecendo que eu não aguentava nem andar, muito mal de respiração, muito mal de respiração... nenhum remédio de asma dava jeito.” 

Após cursar com piora dos sintomas Bárbara foi regulada para um hospital de referência para o tratamento da covid-19 e o transporte entre a unidade onde estava internada e esse hospital lhe foi marcante devido à falta de oxigênio “até meu transporte pra lá pra o Couto Maia foi dificultoso, porque… eu passei por uma situação muito constrangedora, porque eu precisei de oxigênio e não tinha, eu fiquei sem ar por uns 3 minutos pensei que eu ia morrer”. Assim como muitas pessoas, Bárbara teve medo de ser entubada “Tem esse medo de ser intubado, porque todo mundo fala que... é um ditado, né? Que quem intuba morre, as pessoas falam sobre isso, ninguém quer, ninguém quer intubar, até as pessoas do hospital mesmo, fala que a intubação é algo de risco, então eu tive esse medo.” Bárbara só conseguiu se tranquilizar ao ser transferida para a enfermaria e perceber que a possibilidade de ser entubada se tornara uma realidade distante. Uma das estratégias adotadas por Bárbara para enfrentar essa situação foi a busca pela espiritualidade “Deus, ele ouve o pensamento… e eu falava com Deus, se eu tivesse um pouco de crédito com ele, que ele me deixasse voltar que eu queria ver minha família.” 

E por causa da evolução de seu quadro houve também dificuldades no desmame do oxigênio e ela atribui as tentativas frustradas a uma tentativa de economia pelo fato de estar sendo assistida pelo sistema público de saúde “O doutor queria tirar o oxigênio de mim antes da hora... ele: ‘não, você já pode’, eu disse: ‘o senhor vai me matar, doutor’... eu observei que as pessoas no hospital particular ficava muito tempo com isso, lá fora, qualquer besteira tava com oxigênio. E a gente aqui da classe C, quando vai para hospital público, o oxigênio, eles não gostavam de deixar a gente usar muito o oxigênio.” 

Apesar das experiências negativas durante a internação, durante a narrativa, Bárbara rende elogios à instituição onde ficou internada, salientando a qualidade da estrutura, da alimentação, das acomodações e da equipe assistencial.

Quando ela recebe a notícia da alta, toda sua família fica muito feliz e apesar da orientação de manter-se isolada por mais alguns dias, ela é recebida em casa com festa. Após a internação, Bárbara sente alguns desconfortos em casa, falta de ar, e por sentir melhora após uso dexametasona em uma de suas idas à UPA, antes do diagnóstico de covid-19, passa a fazer uso de dexametasona em casa por cona própria ao sentir sensações ruins “às vezes, vinha em mim aquela... parecendo que eu tava sem ar, não sei era uma ansiedade que, às vezes, esse negócio é psicológico, aí eu pegava a dexametasona e tomava [risos], pra ver e parava… Resolvia que eu me sentia melhor, [riso] eu sentia melhora...”.

Bárbara aponta mudanças em seus sentimentos após o adoecimento por covid-19, apontando se sentir mais tocada e frágil diante de algumas situações como escutar música, ouvir uma palavra (pregação) ou algo semelhante. Também sinaliza que, após ter passado pela internação, passou a dar mais valor a cuidados preventivos, assim como também acha que o adoecimento mudou a visão de muitas pessoas que anteriormente zombaram da doença. E apesar de ter enfrentado dificuldades nos dias logo após a alta (dificuldade de se locomover, de realizar afazeres sozinha) ela não ficou com sequelas da doença, também não enfrentou problemas de autoestima, aspectos que credita à força da sua fé em Deus.

Caique Costa Nonato dos Santos

Homem, preto, 29 anos, casado, sem filhos, superior completo, publicitário, atualmente reside nos Estados Unidos. Durante a pandemia permaneceu em casa,  e ao falar do contágio nos conta, que contraiu o vírus pela mãe, assim como todo mundo em casa, era inevitável “A gente usava máscara dentro de casa, e ela ficou mais ou menos uns dez dias, ela pegou na metade do mês já, mais..., lá pro dia 15 de março mais ou menos, e aí a gente é... meio que.. né, usava máscara, tentava ter os cuidados, porque não tinha pra onde a gente ir e tal, a gente morava todo mundo junto mesmo, já tava convivendo…”, teve covid em março de 2021, e apenas ele da família desenvolveu a forma mais grava da doença.

Os primeiros sintomas,  foram normais da COVID, que ele não imaginava que fosse piorar, relata “Eu comecei a me sentir meio estranho, meio fraco, umas dores de cabeça muito fortes e uma moleza, aí comecei a achar que tava com suspeita de COVID, que eu tava com COVID, mas então nada demais né, coisas como dor de cabeça…” Para confirmar fez o teste PCR, na UPA (Unidade de pronto Atendimento), e foi para casa esperar o resultado, no outro dia ele retorna para UPA, com o agravamento dos sintomas de dispneia,  pneumonia e outros agravamentos respiratórios, que progrediram rapidamente, como no local não tinha estrutura, foi regulado para um gripário, onde ficou em observação, pois a sua saturação caia muito “Fiquei lá no gripário e aí, até então tava tranquilo, mas botou a máscara de oxigênio, fiquei lá, aí melhorou, consegui ficar mais tranquilo. Aí depois de um tempo a minha saturação caiu bastante, aí foi parar em 86, 88…”. Devido às circunstâncias, foi regulado para o Instituto Couto Maia (ICOM).

Ao chegar no ICOM, relata que sua situação já era bem grave, o que o deixou apreensivo com as incertezas do prognóstico, principalmente, devido à falta da presença da família,“ Meu caso tava muito grave porque eu tava com pneumonia grave nos dois pulmões e que provavelmente eu teria que em um ou dois dias eu teria que ser entubado. Então isso eu entrei em desespero, fiquei muito tenso então foi muito complicado, assim, e fora que tipo assim, o problema do COVID é que você não pode ter visita de ninguém, então você meio que... você vai pra dentro de um hospital e não sabe quando você vai sair, ninguém pode te visitar…”. Diante do quadro, foi internado na UTI.

Caique nos conta que necessitou de uma equipe multidisciplinar para sua recuperação, “Aí eu entrei na UTI em estado grave, aí nos primeiros dias aquele negócio, eu não conseguia respirar direito, só com oxigênio, tirava eu ficava já com falta de ar, e aí eu tentei.... depois com tempo, de medicação e também com a fisio…” Após o controle da pneumonia nos 6 dias de UTI, ele foi transferido para uma Semi-UTI, ele relembra que só nesse momento pode ter contato com sua família e o quanto isso foi fundamental na sua recuperação, em suas palavras, “È muito importante esse contato assim de você poder conversar com seus familiares, porque eles acabam te passando confiança pra você de “ó vai ficar tudo bem”  eu fiquei muito desesperado lá dentro né, com medo de morrer, eu lembro que eu fiquei desesperado no hospital com medo, eu tinha medo de dormir e não acordar, tudo isso, o contato com a família foi muito importante…”

Após 13 dias recebeu alta, conta que voltou muito debilitado, perdeu 10-12 kg, sem nenhuma resistência física, não tinha mobilidade para fazer nenhuma atividade diária, ele conta como foi difícil essa situação, mas que estava muito feliz por estar em casa, “Eu tive 30% de comprometimento dos pulmões na época, então eu tava sem resistência física nenhuma, então eu não conseguia tomar banho sozinho, até conseguia sentado, mas com muita dificuldade, eu lembro que minha esposa na época me deu banho no primeiro dia que eu sai de alta, porque eu não tava conseguindo né…”

Ao falar de repercussões da COVID em sua vida, fala sobre que apesar de sua saúde física estar se recuperando, a sua saúde mental voltou muito frágil com todo o trauma vivenciado no internamento, “E aí eu comecei a ter alguns delírios, sabe? Por conta do trauma que foi, a experiência foi muito traumática, eu comecei a ter alguns delírios, comecei a ouvir algumas vozes, comecei a ter alguns pensamentos assim, sabe? Meio... meio exagerados, e aí desenvolvi uma... fui diagnosticado com ansiedade generalizada né, TAG, transtorno de ansiedade generalizada, …” . Isso o levou a buscar acompanhamento psiquiátrico, também relata perda de memória, terrores noturnos e muitas dores nas articulações, com isso,  para recuperar o tônus muscular desse período debilitado, também faz fisioterapia.

Ao finalizar a entrevista, diz que ainda é muito difícil conviver com as sequelas da COVID, e o quanto isso impacta diversos aspectos não só da sua vida, como também dos seus familiares  “Mas no geral foi isso, foi a questão do pós foi bem difícil, o durante foi complicadíssimo, mas o pós também não foi nada fácil, nem pra mim, nem pra minha família, pros meus amigos, todo mundo via assim que tipo, eu não tava 100%, mas com o tempo a gente entendeu que todo mundo sabia que era um trauma muito grande…”. Mas segue esperançoso, e grato por sobreviver a doença e está com uma perspectiva de planos para o futuro, “E seguir né, continuar a vida, a vida continua, o que passou, passou, acho que uma pessoa que passa por isso não pode ficar remoendo isso a vida toda, eu sei que é foda, sei que é traumático, mas, acho que a vida tem que seguir, com tempo eu sei que cada um tem o seu tempo…”

Camila inicia sua narrativa dizendo que a experiência começa antes do adoecimento por trabalhar na área da saúde como terapeuta ocupacional. 36 anos, reside em São Paulo, durante um longo período permaneceu em trabalho remoto. No entanto, em agosto de 2020 retornou ao trabalho presencial na universidade em que trabalha. O sentimento de medo ao retornar às atividades existia e para se proteger, Camila junto aos seus alunos, fizeram uso dos EPIs (equipamentos de proteção individual): “Eu fui para o campo assim também, agarrada aos EPIs, achando que me dariam a segurança que a gente esperava, que a gente precisava ter e tal, né? (...). Os EPIs eram a tônica desse contato. E foram os EPIs que me deixaram mais tranquila para estar em campo, para voltar a fazer as atividades que eu precisava fazer nesse momento”. 

Adoeceu em dezembro de 2020, logo após o fechamento do semestre, na véspera do Natal. Nos dias 23 e 24, ela começa a manifestar os primeiros sintomas da covid-19: moleza, cansaço, febre e perda de olfato: “Eu não sentia cheiro, tinha febre, como se fosse uma gripezinha”. Nesse momento ela percebe a possibilidade de estar contaminada, “E aí eu falei: peguei, né? E aí aquele desespero de tentar achar um lugar para fazer um exame e tal, e todos me davam prazos muito compridos, de 10 dias e tal, e eu acabei indo na farmácia mesmo. Fiz o exame de farmácia que era swab curto, até que não era exame da gotinha do sangue. Aí eu fiz e deu positivo. E aí eu já fiquei super preocupada”. 

Quando foi contaminada Camila morava com seus pais, e logo após o seu diagnóstico fez isolamento doméstico, mas neste momento eles também apresentavam sintomas da covid-19, o que a deixou bastante tensa: “Então foi um Natal muito atípico porque a gente é uma família que adora festejar coisas e comemorar as coisas com festa e tal, e aí eu fiquei trancada aqui, e aí meu pai disse: ‘não se preocupa a gente também não tá sentindo cheiro’. Aí eu falei: ‘ai meu Deus, como assim, vocês não estão sentindo cheiro?’. ‘A gente também não tá, a gente tá meio mole também. Começou hoje, a gente não sabe se a gente tá ou não com covid, mas vamos passar junto " '.

Após o quinto dia de doença, com falta de ar, Camila vai em busca de serviços públicos de saúde. Primeiro se direcionou ao hospital próximo a sua casa, na região de Guarulhos, São Paulo, a qual o médico sugeriu o tratamento com “inalação”. Logo após, vai a outro serviço que no momento não tinha vaga. Em paralelo, seus pais, que têm plano de saúde, começam a piorar dos sintomas de covid-19 e vão para o hospital particular. Lá, eles são liberados. Posteriormente todos conseguem uma consulta médica e iniciam o tratamento em casa. 

Aproximadamente na segunda semana de doença, ela e seus pais têm uma piora significativa dos sintomas. Seus pais vão para o hospital particular e Camila vai em busca de um hospital público de “porta aberta”: “Deixei eles lá no hospital do convênio, falei ‘tchau’ e fui achando que eu ia passar, sei lá, mais uma noite no oxigênio e voltar para casa, para cuidar dos meus pais. Eu não me sentia tão mal. Não tinha essa noção de como é que eu estava vivendo a gravidade da doença. Deixei eles lá no hospital e eu comecei a percorrer os hospitais [públicos]  aqui da cidade e eu não encontrava nenhum que tivesse a porta aberta”. Ela foi atendida no hospital da USP, universidade em que trabalha, no gripárium. Ficou em observação até conseguir ser transferida para outro hospital na Zona Sul de São Paulo, onde ficou uma semana internada sem necessidade de intubação. 

Como essa foi sua primeira experiência de internação, Camila consegue se ver por outra perspectiva, como paciente, repensando sua prática como profissional da saúde. Como terapeuta ocupacional, encontrou formas de lidar com a internação através do uso de diversas técnicas de conservação de energia, mas elas não eram suficientes: “Eu fiz e para mim não adiantava nada, porque era tão pouca energia que a gente conservava com aquelas técnicas, que para alguém que precisava de 4 litros de oxigênio para poder ficar bem, como eu por exemplo precisei, não adianta nada você apoiar o cotovelo para você escovar o dente”. Teve acesso ao serviço de psicologia e também de videochamadas e ligações com seu irmão, mas seu comprometimento pulmonar era tanto que se comunicava com dificuldade. 

Camila sai do hospital de alta sem nenhum encaminhamento para a sua reabilitação. Suas sequelas são respiratórias e cognitivas. Ela inicia acompanhamento pós-covid nos serviços de fisioterapia e neurologia por intermédio da universidade em que trabalha. Além de ter que lidar com a morte de seus pais, também vivenciou o estigma da doença: “Depois que eu voltei da internação, as pessoas sabem que eu fui internada, até porque meus pais morreram e o prédio se comoveu muito. Muitas pessoas vieram mandar recado, falar, mandar os sentimentos..., mas ninguém pegou o elevador comigo. Ninguém sobe comigo. Então eu tenho uma marca do contágio, por mais que já tenha passado pelo período de contágio mesmo. As pessoas não ficam perto de mim”. 

Ao mesmo tempo, recebeu afeto de pessoas próximas e do trabalho, como também dos alunos: “Sei lá, é muito difícil passar por isso..., mas quando a gente percebe que tem muitas pessoas também, que estão ali acompanhando e estão junto e estão torcendo para que tudo fique bem, é diferente. Eu tenho ficado muito feliz com esses retornos, com os recados. Faz muita diferença sim, eu acho”. Camila entrou de licença pelo INSS e voltou a trabalhar em 21 de janeiro de 2021, mas demorou a se sentir segura para voltar para o trabalho de campo. Relata também impacto financeiro devido ao período de internação e afastamento do trabalho: “Então acabei entrando de licença e eu estou esperando para receber pelo INSS. E está tudo parado”. Tem planos de se dedicar mais à vida pessoal, à família e aos amigos. 

Eduardo, 47 anos, é médico e professor do Departamento de Medicina de Família e Comunidade da Faculdade de Medicina da UFRJ. Trabalhou desde o início da pandemia com atividades home office, na supervisão de estudantes de medicina e no telemonitoramento de pacientes com síndrome gripal. Ele, seus dois filhos pequenos, sua sogra e sua esposa - à época grávida - estavam em efetivo isolamento social, praticando todas as medidas preconizadas pela OMS desde março de 2020.

O período de isolamento aconteceu até meados de fevereiro de 2021, quando ele e sua esposa perceberam que Daniel, filho mais novo do casal e em fase de alfabetização, apresentava dificuldades na modalidade de ensino remoto. “Fomos em uma consulta com a pediatra, e ela recomendou fortemente que ele retornasse às atividades presenciais na escola”. Após o aconselhamento da médica que acompanhava Daniel desde o nascimento, Eduardo e a esposa decidem por retornar com seus dois filhos para a escola. “Não deu nem uma semana”: Daniel começou a apresentar febre alta 4 dias após o retorno para a escola. 

Dias depois, Eduardo e a esposa começaram a notar em si os sintomas de covid-19: febre, dor de garganta e nariz escorrendo. Preocupado com sua esposa grávida e por apresentar asma desde a infância, Eduardo vai à emergência de um hospital privado. Lá, o diagnóstico de covid-19 foi suspeitado, e receberam orientações sobre repouso, isolamento, hidratação e medicação para sintomas. Com o passar dos dias, seus sintomas tornavam-se cada vez mais intensos, com isso, decidiu procurar o serviço de testagem da UFRJ, onde levou toda a família para realizar o teste rápido e o PCR. “Nesse dia, eu já estava me sentindo bem mal”.

Eduardo tinha o hábito de monitorar sua oxigenação desde o início de sintomas, e foi nesse dia que ele notou que ela começava a cair. Marcou uma consulta de telemedicina com uma infectologista da Fiocruz, que passou a o acompanhar desde então. Ao fim da consulta, a médica prescreveu tratamento com antibióticos, solicitou exames de sangue e de imagem e o aconselhou a alugar um oxigênio suplementar residencial, nesse momento, já não conseguia realizar suas atividades diárias como almoçar ou tomar banho, também apresentava grande dificuldade de andar. Diante da situação, sua esposa decide chamar uma ambulância. Emocionado, Eduardo lembra do momento em que saiu de casa e se separou da família. “A partir daquele momento, não tive mais contato com minha mulher e meus filhos. Uma experiência de adoecimento como essa mexe muito com a família”. 

Ao narrar a chegada ao hospital, Eduardo nos lembra que enfrentou a covid-19 em março de 2021, quando a pandemia atingiu o momento mais dramático no Brasil. No primeiro hospital privado que chegou, se deparou com uma emergência que já funcionava acima de sua capacidade máxima. “Mas como o hospital pode recusar um paciente grave de COVID-19, dependente de oxigênio?”. Foi admitido e direcionado a uma sala improvisada. Ficou durante 14 horas nessa sala: “em condições normais, caberiam 2 pacientes ali. Mas havia 10 comigo”. 

Ainda nesse hospital, realizou uma tomografia que acusou acometimento de 75% dos pulmões. “Aquilo me deixou bem apreensivo, fiquei bastante ansioso”. A equipe de saúde o informou sobre a necessidade de tratamento em UTI, e ele foi então transferido a outro hospital. Ao entrar na UTI, ele recorda de sua “desconexão total do mundo”, onde teve de deixar todos seus pertences. “Eu nunca tinha tirado minha aliança”. Na UTI, ficou durante 2 dias com ventilação por cateter nasal e 6 dias com ventilação por cateter de alto fluxo. 

Eduardo diz que enfrentou a covid-19 grave “guarnecido de seu conhecimento científico prévio e sua experiência como médico e profissional de saúde”. Em diversos momentos da entrevista, ele nos lembra das nuances de sua experiência de adoecimento enquanto médico. “Como médico, é muito complicado, porque você sabe tudo sobre a doença. Eu queria saber o resultado da gasometria, queria saber minha saturação a todo momento. Eu não conseguia levantar do leito, mas eu queria ficar olhando para o monitor.” Ele se lembra, no entanto, do momento em que deixou de se preocupar constantemente com resultado de exames ou com a monitorização de seus sinais vitais, de quando abriu mão de ser médico e se permitiu ser paciente. Considerou um verdadeiro “rito de passagem”, em que “se libertou de uma responsabilidade” que não era dele. Mas, ao mesmo tempo, sinaliza o desafio dessa experiência, pois ele não havia tido a experiência de ser cuidado até então.

Após 10 dias de internação, Eduardo recebeu alta, mas sua experiência com a covid-19 não acabou ao sair do hospital. Mesmo após chegar em casa, perdeu massa muscular, enfrentou hepatite e pericardite, desenvolveu catarata medicamentosa, mantém acometimento pulmonar e também crises exacerbadas de asma, dentro do que conhecemos hoje como "covid longo". Atualmente, segue em acompanhamento com profissionais de pneumologia, nutrição, cardiologia e oftalmologia. "Na vida, a gente segue o fluxo". Eduardo sabe que as condições pós-COVID são tratáveis, e diz que a vida segue em frente. "Desafios se impõem, mas precisam ser a todo momento contornados". 

Ao ser perguntado sobre o apoio que recebeu durante toda sua experiência com a COVID-19, Eduardo diz que sentiu-se acolhido por todos: família, amigos, profissionais de saúde e colegas de trabalho. "Eu sempre me coloquei à disposição para servir. Sou servidor público, por isso, sirvo. A recíproca não me faltou quando precisei, tive muitas pessoas que me ajudaram, foram solidárias".

Elisa, 61 anos, reside no Rio de Janeiro, engenheira de formação, visitava a mãe no Espírito Santo quando adoeceu. No início de dezembro de 2020, sua mãe, que foi diagnosticada com Alzheimer, teve sua quarta internação em UTI desde o início da pandemia. Em um dos testes de rotina (PCR), Elisa e mais uma cuidadora de sua mãe testam positivo para covid-19.

No hospital, em sua primeira tomografia havia um comprometimento de 20% do pulmão, sendo direcionada para casa. Nessa mesma madrugada, apresentou uma febre e ao retornar para o hospital foi solicitado outra tomografia, nesse segundo momento o comprometimento pulmonar estava em 50%, mesmo sem qualquer sintoma “nem falta de ar” aparente. Após a entrada na UTI, no dia 17 de dezembro, Elisa não se recorda de mais nada, apenas de acordar desorientada em janeiro do ano seguinte: "custei a concatenar que o ano tinha pulado de 20 para 21”. 

Internada, ela não pode contar com auxílio da família no cuidado devido a pandemia. Nesse meio tempo sua mãe faleceu. Os médicos já não acreditavam na sua melhora quando ela, finalmente, começou a responder: "As comemorações foram milhares de quando eu fui acordando, mas eles optaram por não me contar da minha mãe, que eles achavam que eu ia ficar muito ruim.”, ela relata uma relação com a equipe médica de muita cumplicidade e admiração. 

Durante esse período Elisa conta que viveu diferentes experiências, tanto no âmbito físico, mental quanto espiritual. O processo de desmame do ventilador e uso de traqueostomia também foram muito difíceis: "eu me extubei sozinha, meti a mão. Eles não sabem como eu meti a mão, mas eu meti. E eu fiz um drama enorme, eu estava bem dependente nessa ocasião que eu fiz essa trapalhada enorme e eu broncoaspirei e criei muco e criei uma pneumonia bacteriana, além da que já tinha.”. Elisa relata, ainda, que mentalmente ela transformava os sons da UTI em cânticos pois, como descreveu, os barulhos eram “infernais”: “não sei como alguém aguenta ficar naquele lugar, tem que ser dopado mesmo”. 

Quando abordou a espiritualidade, Elisa falou sobre sua relação com a morte. Sendo umbandista, ela acredita que esse seja um processo de libertação, o que a fez lidar bem com a partida da mãe. A religião, que ela relaciona com os sonhos que vivenciou, também trouxe conforto e um entendimento maior nos momentos da internação. “Aí eu sonhava que eu estava com o pé no mar, que a onda batia aquela da vontade e eu sentia frescor, e eu acho que eu estava sentindo o pé gelado mesmo, a UTI é gelada. E aí, teve um dia que eu estava no mar de Marataízes, que é um retrato da minha infância, comendo abacaxi gelado, no espeto igual faz em Minas. E aconteceu que o rapaz entrou para trocar minha alimentação, aquela bolsa de alimento”. 

 Dores de cabeça, tonturas, fadiga, queda de cabelo, anemia e dificuldades motoras foram suas principais sequelas, motivos pelos quais ela procurou neurologista e geriatra após sua internação e realizou diversos exames e terapias a fim de alcançar uma cura total. 

Hoje, ela se mantém informada e diz acompanhar todas as novidades sobre a COVID-19 na televisão e na internet: “Eu gosto de ver, eu quero ver tudo que sai sobre ciência e tudo que está acontecendo. Então, veja a situação hospitalar de cada lugar em cada telejornal. E me interessa, quero saber. Eu milito politicamente, eu tenho minhas bandeiras. (…) último lugar que eu me informo é o Ministério da Saúde. E eu acompanho tudo que está no site da Fiocruz.”. 

Francisco, 53 anos, morador do Rio de Janeiro, foi infectado por covid-19 em fevereiro de 2021. Relata que na sexta-feira, antes do sábado de carnaval, sentiu uma forte dor de cabeça, mas não desconfiou do que poderia ser. Com isso, tomou um remédio para enxaqueca e a dor melhorou, “como se a vida tivesse voltado ao normal”. No sábado, sua esposa apresentou dores de garganta, inclusive com dificuldade de engolir, mas no próprio final de semana, tanto Francisco quanto sua esposa, melhoram dos sintomas. Na segunda-feira seguinte, Francisco teve perda de olfato e paladar, e continuava tendo alguns episódios de cansaço durante o dia, levando-o a ter certeza que havia contraído a covid-19. Na quinta-feira, Francisco e sua família fizeram o teste de covid-19, na sexta-feira o resultado acusou a contaminação. Desde o primeiro momento, Francisco e sua esposa estavam em contato com o médico assistente, que no sábado, oitavo dia de sintoma, foi até a sua residência fazer uma consulta e também prescreveu ivermectina.  

Após um final de semana de muito cansaço, na terça-feira, Francisco piora dos sintomas respiratórios: “E aí, na terça-feira a saturação baixou bastante assim na parte da tarde, chegou em oitenta e oito a minha, né? Quando nós conseguimos falar com ele (o médico), no início da noite, ele recomendou que nós fossemos para o hospital imediatamente”. No hospital, ele precisou fazer uma tomografia, mas relata que teve dificuldade em levantar da cama sozinho, necessitando de ajuda. Com o resultado da tomografia, ele foi encaminhado para a UTI, pois o comprometimento do pulmão estava em torno de 90% -95%. Ficou internado por 12 dias e precisou ser entubado. Confiava na equipe de saúde e não se mostrou contra os procedimentos: “se você acha que é melhor pra mim, vamos em frente, né?”, ele também faz menção a sua fé e sabia que Nossa Senhora estaria ao seu lado e faria o melhor. 

Durante a internação, Francisco perdeu 9 quilos e teve dificuldade para dormir, mesmo com medicação. Além disso, no período em que esteve entubado, apresentou trombose nas duas pernas, infecção hospitalar e hepatite medicamentosa. Quando foi extubado, contou que sentia muito enjoo e não tinha apetite. Ao sair do hospital, precisou usar cadeira de rodas, pois ainda estava fraco e tinha dificuldade de ficar em pé sozinho, principalmente nos 4 primeiros dias, mas após este período, conseguia realizar as atividades. Todavia, ele destaca que continuou sentindo uma dor de cabeça diária e um cansaço no final da tarde, por um período de três meses.

Sobre como contraiu a doença, Francisco não sabe dizer ao certo, já que ia para o trabalho 2 vezes na semana de metrô e também frequentou restaurantes, no entanto, no domingo anterior a sexta-feira, dia do primeiro sintoma, sua filha mais nova apresentou febre e dor de garganta e logo foi medicada, aliviando os sintomas.

Francisco conta que por ser uma pessoa saudável, sem doenças pré-existentes, que se alimenta bem e que toma todas as vacinas e medicamentos necessários, não imaginava que seria acometido pela covid-19 de uma forma tão grave, e que “a sensação de ter a forma grave é horrível, é terrível”. Além disso, relata que um dos seus amigos sempre dizia para ele ir ao hospital e fazer uma tomografia. No entanto, por achar que os sintomas passariam, ele postergou essa ida, mas hoje reconhece que deveria ter seguido antes o conselho do seu amigo.

Por fim, Francisco diz que o momento mais difícil, do ponto de vista emocional, foi nos primeiros dias após a extubação: “porquê dá a sensação, eu não tive visão, não tive visão de nada, não vi nada, não vi luz não vi túnel, não vi nada, mas dava a sensação que você tinha acabado de haver uma ressurreição, você voltou a viver, entendeu? Talvez o meu corpo transmitisse isso pra minha cabeça: “olha você voltou a viver, cara”. Ele, por ser um homem de fé, acredita que a oração ajuda muito, mas é preciso também acreditar nos médicos, pois só a espiritualidade não é suficiente. Meses depois, Francisco tomou a vacina contra a covid-19 e relata ter se sentido muito bem, sentiu apenas dores no braço, mas nenhum efeito colateral. Ademais, ele espera que a experiência de viver uma pandemia, como a do covid-19, traga ensinamentos para que as pessoas se tornem mais cuidadosas.

Henrique, 44 anos, bombeiro militar, não relata doenças pré-existentes, residente no município de Petrópolis, região serrana do estado do Rio de Janeiro. Durante toda a pandemia, Henrique trabalhou normalmente, já que sua profissão era considerada essencial para o enfrentamento da covid-19. Em regime de plantão, Henrique chegou a trabalhar 24 horas seguidas no quartel durante os 2 primeiros anos da pandemia. Ao falar sobre o contágio, Henrique nos diz que “pegou covid-19 no quartel, de alguém que estava infectado e não sabia que estava com a doença”. Cerca de 27 colegas do trabalho foram contaminados na mesma época, mas apenas Henrique desenvolveu a forma grave da doença.


Os primeiros sintomas, segundo ele, foram “leves”: tosse seca, febre e cansaço. No terceiro dia sentindo-se mal, realizou o teste e obteve resultado positivo. À época, foi afastado do trabalho e passou 7 dias tomando medicações que foram prescritas por um amigo médico - ivermectina, azitromicina e vitaminas diversas. Não percebendo melhora dos sintomas após uma semana, decidiu ir ao hospital. Em suas palavras, ele “ainda se sentia bem, parecia apenas uma gripe mais forte”. Na emergência do hospital, uma tomografia constatou que 50% de seus pulmões estavam acometidos pela doença, e sua saturação de oxigênio era cerca de 88%. O médico de plantão liberou Henrique para casa, aconselhou repouso e orientou retorno caso os sintomas persistissem por 48 horas. Depois desse período, retornou ao hospital sentindo-se pior, bastante cansado e incapaz de fazer suas atividades diárias. Uma nova tomografia demonstrou que agora 75% de seus pulmões já estava acometido. No mesmo dia, Henrique foi internado na unidade de cuidados intensivos. “A partir daí, minha memória começa a se confundir".

Lembra-se de um momento específico antes de ser transferido para UTI, em que conversou muito tempo com sua irmã, e ouviu dela “palavras de apoio e coragem”. Diz que carregou consigo essas palavras durante os momentos difíceis dos 48 dias em que ficou internado, 14 dias sob sedação e intubado. Henrique diz que não teve medo de ser intubado, tampouco de morrer: “tinha que encarar a doença”. Acredita que essa coragem pode vir inclusive de sua experiência profissional como bombeiro. Por outro lado, a notícia da intubação para sua esposa e seus filhos foi “quase uma notícia de morte”, pois tinham medo do que podia acontecer a partir dela. 

Além da COVID-19, Henrique contraiu uma infecção hospitalar, que o fez ficar por um período prolongado na UTI. No momento em que esteve sob efeitos da sedação, tem poucas lembranças. Mas, ao ser traqueostomizado 2 semanas após a intubação, ele pôde ficar acordado por curtos períodos. “De lucidez, tive poucos momentos, quase sempre ruins”. Henrique narra sobre momentos de confusão mental, em que ele achava “que estava sequestrado”, que estava sendo “submetido a experimentos” e outros pensamentos que ele chama de “alucinações”. Quando acordava, tornava-se agitado e chegou a tentar retirar o tubo, os acessos venosos e a sonda de alimentação. Depois disso, teve de ficar contido no leito por grande parte da internação.

Lembra, por outro lado, de momentos melhores, quando as equipes de psicologia e de serviço social faziam videochamadas com sua família. Considera que sua internação foi mais difícil para sua família do que para ele próprio. Ele queria superar a doença para acabar com o sofrimento da família, que ficava claro durante as chamadas de vídeo. “Eu queria sair dali pra trazer calma e paz pra eles, eu sabia que eles estavam sofrendo”. Aos poucos e acompanhando sua melhora, Henrique voltou à lucidez e tornou-se mais colaborativo com a equipe de saúde: “Fui atendido por médicos de diversas áreas, enfermeiros também”. Tem lembranças de ter sido tratado com muito “carinho” e, se  pudesse dar um conselho à equipe, pediria uma conversa mais aberta com os pacientes “para esclarecer onde ele está e o porquê de estar ali”, tranquilizando-os.

Após 40 dias, Henrique recebeu alta da UTI e foi encaminhado à enfermaria. Embora relate algumas experiências de angústia, ele se refere à enfermaria como um momento em que começou recuperar a força de seu corpo. Começou a se locomover aos poucos, ainda com dificuldade. Após sua alta, Henrique relata que sua família arcou com os custos de vários profissionais de saúde para o acompanhamento pós-COVID, com destaque para profissionais de fisioterapia, neurologia, cardiologia e cirurgia plástica - devido a  uma úlcera de pressão que desenvolveu em suas costas.

Relata grande apoio da família, embora considere que seus parentes tenham tido “cuidados excessivos” nesse período de reabilitação, e não o deixavam realizar várias atividades. “As pessoas me tinham como frágil”. Henrique ficou muito tempo recluso em casa recuperando-se, e voltou ao trabalho 6 meses após sua alta. Ao final da sua entrevista, Henrique aconselha que as pessoas que estão enfrentando a covid-19 "encarem a doença, encarem como uma luta, tenham coragem e não desistam".

Isabel, 52 anos, moradora do Rio de Janeiro e profissional da área da moda, deu entrada em um hospital privado em junho de 2021, permanecendo internada por covid-19 na UTI durante uma semana. 

Tratada previamente com cortisona por uma disfunção adrenal, sua contaminação ocorreu dentro de casa, através de um dos seus filhos. Ela conta que ao saber do diagnóstico sentiu ódio, mas acreditou que ficando isolada por alguns dias tudo se resolveria, chegando a verbalizar que não gostaria de ir para o hospital: “Eu tava ótima ainda na época e eu falava assim: ‘não me leva pro hospital, se eu passar mal, você não me leva para o hospital, me deixa quieta aqui que eu vou melhorar"'. No décimo dia, teve piora dos sintomas respiratórios e febre: “O que aconteceu com meu covid foi que eu fui piorando, piorando, piorando, piorando”. Desde os primeiros sintomas, Isabel tinha contato com seu médico assistente que a monitorava e orientou ir para o hospital, pela primeira vez. Ela inicia o tratamento com antibiótico após o resultado da tomografia solicitada pelo médico e retorna para casa. 

Diante da evolução dos sintomas, Isabel vai ao hospital pela segunda vez: eu comecei a tomar antibiótico e continuei piorando, piorando (...). Ao fazer a tomografia eu já tava tomada porque o que eu senti do covid, assim das pessoas que tavam lá passando a mesma história ou até muito piores que eu, comigo, eu senti que a doença muda em horas, ela não muda em dias, ela não muda em dois dias, ela muda muito”. Nesse momento, ela é internada na UTI e monitorada pelo seu médico que trabalha no hospital. Apesar da piora clínica, não chega a ser entubada. 

Ao longo da sua permanência na UTI, Isabel descreve a experiência de cuidado no hospital como “maravilhosa”. A receptividade e atenção que recebeu da equipe, além da segurança por serem muito bem treinados foram os pontos positivos destacados por ela, além de afirmar sobre os profissionais de saúde: “são nossos heróis”. “

Isabel conta sobre os impactos psicológicos do adoecimento, a solidão e a carga emocional foram sua grande dificuldade, no entanto o uso do celular foi um ponto positivo na sua internação. “Eu estava com celular, faz toda a diferença, porque de novo eu fiquei muito sozinha e a gente fica muito impressionada, né? Primeiro que você acha que você pode morrer a qualquer segundo, depois você vê todo mundo em volta péssimo, entubado”. A fé também foi muito importante para sua experiência de internação: “Eu levei minhas santinhas, botei na cama comigo, eu tinha presa com esparadrapo na minha cama sempre e acho que essa hora a gente vê onde a gente se segura, que dá força pra gente”.

Ao abordar as sequelas Isabel diz que hoje vive 80% da sua rotina normal, mas sente muito o peso da doença nos últimos meses após sua internação: “a gente tá em julho, agosto, setembro, tem dois meses e meio, aí não tem um prazo longo, mas é um prazo significante, assim, não era pra eu ter”. Sua maior queixa é a memória: “eu sento pra conversar agora várias palavras eu não lembro”, mas também teve prejuízo muscular, queda de cabelo e um cansaço recorrente em horas marcadas. 

O sentimento de medo se tornou uma constante em sua vida: “Eu acho que a gente fica com medo, eu sou muito mais medrosa hoje com uma porção de coisa do que antes”. E também teve que lidar com a insegurança no retorno ao cotidiano: “A gente fica péssima, panicadérrima, eu fiquei muito reclusa quando eu voltei. A gente fica com medo de tudo, você fica meia, eu fiquei acho que um mês assim em órbita, sabe?”. Além de adoecer gravemente Isabel perdeu o sogro de covid-19 logo após sua alta hospitalar. 

Por fim, Isabel sente gratidão por estar viva, aos profissionais da saúde e as pessoas próximas: “Eu só tinha gratidão, gratidão, gratidão. Tô aqui, tô aqui, tô aqui, mas ao mesmo tempo eu não conseguia compreender muito as coisas”.

José Luciano Oliveira de Assis

Homem, 62 anos, preto, solteiro, sem filhos, vive sozinho, possui segundo grau completo, servidor público municipal, portador de diabetes mellitus e insuficiência renal crônica. José Luciano adquire covid-19 ao se dirigir para o hospital para realizar uma das primeiras sessões de hemodiálise. Assintomático, é surpreendido pelo diagnóstico que o deixa consternado e em choque a ponto de ser abordado pela médica que forneceu a informação “de início foi chocante, pra mim foi muito chocante até pela minha idade, 60 anos, fiquei sem ação, a médica percebeu isso, aí voltou conversou comigo”. Inclusive porque durante a pandemia, devido a suas comorbidades tentou se resguardar o máximo possível “eu me cuidei bastante. … não saí um dia de casa a não ser quando eu tinha que vir, ir para Salvador fazer os exames, o acompanhamento médico do problema renal. Entrava, voltava pra dentro de casa e não saía pra nada não… são praticamente quase três anos sem sair”. Acredita que foi contaminado pela equipe do hospital, pois, posteriormente, foi informado que os testes foram realizados após algumas técnicas de enfermagem que trabalhavam no hospital terem testado positivo para a doença. 

Após o diagnóstico, José Luciano é transferido para outro hospital público com maiores recursos para cuidar do quadro dele, sendo transferido para esta nova unidade e internado em um leito de UTI. Já tinha afinidade com a internação em terapia intensiva, porém, preocupava-se com a possibilidade da intubação, foi acalmado pela equipe que esclareceu que a internação em vaga de UTI foi solicitada apenas para um monitoramento mais próximo de seu quadro. Apesar de não ter evoluído com gravidade, José Luciano indica que a internação foi marcada por procedimentos dolorosos como o exame de gasometria “a coleta de sangue de todo dia de manhã cedo que era complicado… Era uma coleta diferente, não é aquela coleta que a gente faz na veia. Era em uma parte interior e doía bastante, era muita dor, muita dor mesmo.”

Durante a internação, José Luciano também relata alguns momentos de desconforto com a equipe por ouvir conversas paralelas entre os profissionais que o abalavam “ficava na porta, conversava… entrava pra conversar e aí comentava: ‘olha hoje teve dois adolescentes que chegaram aqui, que morreram, uma garota de 16 anos…’ e aquilo ali, eu com 62 anos to ali, uma garota de 16 anos que chegou e morreu, a gente tem que ter uma certa estrutura para aquilo.”

José Luciano se emociona ao falar da alta, principalmente, por se lembrar da recepção que teve na cidade - “uma carreata” - movida por seus colegas de trabalho e por pessoas da igreja que haviam feito diversas correntes de oração em seu nome e para sua melhora. E relata que devido a experiência com a covid-19 se tornou uma pessoa melhor, transcendendo as questões religiosas.

José Luiz, 69 anos, aposentado, morador do Rio de Janeiro, relata que contraiu a covid-19 no final de 2020, enquanto comemorava as festas de fim de ano com a família. Ele acredita que tenha contraído o vírus da esposa, porém, ele foi o único da família que necessitou de internação. José relata que não tinha conhecimento que estava com a doença e considerava estar bem, entretanto, sua esposa o levou para o hospital, pois acreditava que ele estava com a saúde comprometida após 1 semana de respiração ofegante e perda de apetite. 

No hospital, localizado no bairro do Irajá, permaneceu na emergência positivado para covid-19, do final de um dia para a noite do outro dia, quando foi transferido para o Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF). Sua sobrinha participava na tomada de decisão da internação e transferência, como médica. Ao chegar no hospital, realizou tomografia e devido aos sintomas respiratórios e ao fato de ser do grupo de risco, devido a uma cirurgia cardíaca e fazer  uso regular da medicação Marevan, permaneceu internado. Ao todo, foram quase 40 dias de internação, que variou entre estar no CTI com cateter de baixo fluxo e na enfermaria. 

A internação ocorreu nos primeiros dias de janeiro de 2021. Durante o período em que esteve no hospital, José permaneceu consciente a todo instante, observando e entendendo tudo o que estava acontecendo ao seu redor. Sua família esteve sempre presente ao longo da sua internação, mesmo quando as visitas ainda eram com restrições. Enquanto esteve no hospital, José Luiz conta que não passou pela experiência de ficar absolutamente isolado, uma vez que ele tem familiares e amigos que trabalham no hospital em que estava e, portanto, faziam visitas frequentes. Por estar consciente, a assistente social realizava chamadas de vídeo para que ele pudesse falar com os familiares. Para ele, foi muito bom "a presença de uma pessoa, de dez minutos batendo papo contigo no CTI”. Para José Luiz, o lado negativo de estar consciente em um ambiente de terapia intensiva foi presenciar o óbito de outro paciente, e, segundo ele, “você assistir uma pessoa morrer, é fria, pega você mesmo”. Além disso, ele conta que no início da internação teve vergonha por ter que chamar as profissionais para limpá-lo, todavia, “elas mesmas me botaram consciente de que ali, toda vez que eu chamava elas, eu tava chamando uma pessoa que queria me ajudar”.

Ele considera que o tratamento oferecido no hospital trouxe conforto aos pacientes. Um exemplo foi quando afastaram José, que era o único paciente consciente do CTI, dos demais, para que ele não precisasse presenciar mais nenhum óbito. José relata que desde o momento em que chegou no hospital foi cuidado por todos, demonstrando um grande agradecimento aos profissionais que o atenderam.. Sua fé e religiosidade foram pilares na sua experiência de adoecimento. 

José relata apenas uma sequela da covid-19. Segundo ele, após contrair o vírus passou a ter catarata e necessita de abordagem cirúrgica. Entretanto, após receber alta, ele não teve nenhum acompanhamento ambulatorial. Devido a isso, ele diz “eu tô pedindo a Deus para operar”. No que diz respeito à vacina contra a covid-19, José conta que já tomou a quarta dose e está esperando a data da quinta dose.

Por fim, José aconselha que as pessoas que estão com a covid-19 se cuidem, se alimentem adequadamente, siga as orientações dos médicos, tomem os remédios e “aprendam que a covid está aí, foi criada a vacina, quem não tomar a vacina, dela livre não vai ficar”. Em relação aos familiares de pessoas que estão com o vírus, ele recomenda que essas pessoas levem a pessoa infectada ao hospital para se tratar, “porque matar, mata, mas se se cuidar, vai sobreviver”. Já em relação aos profissionais, ele considera que estes “não tem que ter conselho, tem que ter agradecimento” e pede a Deus que os ilumine.

Juliana, 34 anos, moradora do Rio de Janeiro, enfermeira por formação e comerciante, internada em março de 2021, viveu a pandemia de maneira cuidadosa, mantendo o distanciamento social e as demais medidas de proteção. Ela relata: "Estávamos fazendo a quarentena bem certinha, (...) morri para o mundo, fiquei trancada em casa eu, meu marido, minha filha e minha sogra e meus pais com minha irmã e seu sobrinho na casa deles” No entanto, diante de um episódio de crise de ansiedade que evoluiu com sintomas com aumento da pressão arterial e dor de cabeça, ela se direcionou para emergência de um hospital privado, onde foi direcionada para o setor o qual estavam alocados os pacientes com sintomas de covid-19, que não era o seu caso. Após esse episódio, 3 dias depois, saiu o resultado da testagem de covid feito no hospital e o resultado foi negativo. Com isso, se sentiu segura para ir ao encontro dos seus pais depois de alguns meses sem vê-los, só que não sabia que na verdade já estava infectada. 

Dias após, percebeu uma tosse que não a chamou atenção por ser tabagista e, logo em seguida, calafrios e febre. Devido a piora clínica, se direcionou ao hospital, dessa vez com sintomas de covid-19. Nesse momento foi indicado uma tomografia, que descreve comprometimento pulmonar e lesão no pulmão esquerdo, outro PCR foi realizado e o resultado deu positivo. Seu marido entrou em contato com o médico da família e Juliana foi direto para a unidade semi-intensiva, mas sua angústia era maior por outro motivo: "eu não queria acreditar que eu estava doente, que teria a possibilidade de eu ter contaminado toda a minha família. Foi um baque." 

Ao longo dos 8 dias de internação, relata que era perceptível a exaustão da equipe hospitalar. Apesar disso, tinha uma boa relação com a equipe multidisciplinar na unidade semi-intensiva e na enfermaria, onde ficou internada. Também se sentiu acolhida e cuidada, ao longo da sua permanência: "eu descia para fazer a tomografia, quando eu voltava a cama estava arrumada. Aí tinha um coração com a toalha. Aí as enfermeiras, eu ia tomar banho e elas desenhavam no espelho um coração, tipo, botava 'Deus em primeiro lugar', 'a vitória já foi decretada' naqueles quadros de informação do paciente".  No entanto, recebeu um atendimento mais exclusivo porque contratou uma equipe auxiliar. 

Do ponto de vista da dinâmica familiar, sua família adoeceu no mesmo período, seu pai ficou grave e precisou ser entubado. Esse foi um destaque feito por ela, já que o sentimento de culpa por contaminar seu pai era presente. A partir desse momento Juliana precisou se agarrar à fé, que foi um ponto de apoio para ela nesse momento de extrema angústia. Também relata apoio psicológico no próprio hospital e optou também por manter suas consultas com seu psiquiatra, que a acompanhava previamente. Nesse sentido, relata medo de morrer e que chegou a escrever cartas de despedida para cada membro da sua família, uma vez que o adoecimento a colocou diante do sentimento de impotência.

Juliana foi medicada com ivermectina e cloroquina logo na sua entrada no hospital pela emergência sem ter conhecimento do que estava tomando. Quando teve a oportunidade de questionar a medicação, se negou a tomar a segunda dose do comprimido de ivermectina. 

Além disso, Juliana destaca a importância da rede de apoio, seja ela familiar ou de amigos e  para os profissionais de saúde: "tenham empatia, porque é o maior amor de alguém que está ali". Sua principal sequela foi a respiratória com sintomas persistentes de cansaço e tosse, a qual impactou no seu cotidiano, como por exemplo, brincar com sua filha. Atualmente, ela relata uma melhora desses sintomas: “mas agora a gente já consegue brincar, sabe?”.

Houve impacto financeiro, pois, além do comércio fechado, a família teve que arcar com os custos de exames que o plano não cobria e com a equipe auxiliar contratada. A paciente ainda optou por não trabalhar como enfermeira e ficar longe de qualquer possibilidade de reinfecção. "E, principalmente, gente, usem máscara, lavem as mãos, não se aglomerem, porque o vírus tá aí."

Júlio, 40 anos, psicólogo, morador do Rio de Janeiro, adoeceu em março de 2021. Narra que seus primeiros sintomas começaram vagarosamente, com uma leve dor de cabeça, mal estar e febre baixa. Com o passar do tempo, a dor de cabeça passou a não melhorar com o uso de analgésicos comuns, e a prostração e o cansaço agravaram-se. Com cerca de 3 dias de sintomas, Júlio foi ao médico e realizou o teste de covid-19, obtendo o resultado positivo. "Eu já desconfiava que eu tinha pego a doença, então o resultado não me assustou".

Devido aos seus cuidados com os protocolos sanitários, Júlio não esperava adoecer pela forma grave de covid-19: "Eu achei que não ia pegar covid-19, achei que ia passar pela pandemia ileso". Relata que sempre teve bons hábitos alimentares, praticava atividades físicas regularmente e tinha boa saúde (a tuberculose era sua única doença pregressa). Júlio contraiu covid-19 provavelmente de sua esposa, pedagoga que à época trabalhava presencialmente alguns dias da semana e utilizava o transporte público para locomoção. Apesar de "fisicamente mais forte" e com "estilo de vida mais saudável", Júlio teve a forma grave da doença, enquanto sua esposa apresentou sintomas leves por apenas 2 dias. Diante desse e de vários outros contrassensos, Julio reflete sobre a imprevisibilidade da covid-19: "porque logo eu peguei a forma grave?".

Ele manifesta extrema insatisfação com o primeiro atendimento médico que recebeu. Diante da suspeita de covid-19, a médica que o assistiu prescreveu uma medicação para alívio de sintomas e orientou retorno ao hospital em caso de piora. Ele enfatiza que, se pudesse voltar atrás, teria utilizado os medicamentos que seu irmão o orientou a tomar (ivermectina e azitromicina) ainda nos primeiros dias de sintomas, pois iriam "segurar o avanço da doença". Ele inclusive considera a hipótese de que não viria a desenvolver a forma grave se tivesse feito uso desses remédios precocemente. "Quando eu tomei, não teve efeito pois a doença já estava avançada". Em diversos momentos da entrevista, Júlio defende o uso de medicamentos no tratamento precoce da covid-19 e condena a "politicagem" criada em torno do uso desses remédios. "Se alguém próximo a mim tomou o remédio e a doença não avançou, eu estou disposto a tentar a sorte". Mesmo ciente da falta de evidência sobre o uso dessas drogas e dos potenciais efeitos adversos, Júlio nos diz: "é um risco que eu estava disposto a passar, eu queria correr esse risco".

Cerca de 10 dias após os primeiros sintomas, Júlio sentia-se cada vez pior. A febre não cedia e estava cada vez mais cansado. Em casa, acompanhou a redução da sua saturação com o uso de um oxímetro. Ao procurar o hospital, a equipe de saúde prontamente o atendeu e informou a necessidade de internação. Júlio narra sua angústia diante da dificuldade de adaptação ao uso da máscara de ventilação não-invasiva (VNI), e sobre seu receio em ser submetido à intubação. "A gente escuta das pessoas, ouve no cotidiano, na televisão, acha que: entubou, morreu". Diante de um comprometimento pulmonar de 75%, a equipe decidiu prosseguir com a intubação. Apesar de seu receio, Júlio reconhece a importância do período em que esteve intubado para sua recuperação, e considera que suas opiniões prévias eram fundadas em um “senso comum”.

Júlio ficou hospitalizado durante 23 dias, por 7 dias ele estava entubado e sob sedação. Sua família contratou um médico assistente, fora da equipe que o assistia, buscando uma segunda opinião, apesar de estar em um hospital de referência para a covid-19 : “Ele foi uma vez só e falou que eu estava muito bem e que estavam fazendo de forma correta”.

Narra com detalhes diversos episódios de delírios, como quando disse à sua esposa que estava sendo perseguido no hospital por um criminoso, ou que a equipe de saúde tinha planos contra ele. "É curioso porque era bastante real, você fica sem saber o que é real e o que é delírio". Ao retomar completamente a consciência, sua recuperação foi rápida. O hospital particular em que ficou internado dispunha de diversos profissionais para auxiliá-lo. Ao chegar em casa, a reabilitação continuou com profissionais de pneumologia, endocrinologia (para tratamento de diabetes diagnosticado à internação), otorrinolaringologia (para tratamento de rouquidão, provável sequela adquirida da intubação), educação física e psicologia. Júlio destaca o trabalho de seu cunhado, educador físico, que ia a sua casa para praticar exercícios: “devo a agilidade da minha recuperação a ele”. 

Júlio voltou a trabalhar rapidamente depois da internação, retomando os atendimentos remotos de seus pacientes. “Eu queria voltar a trabalhar, estava com vigor, energia, queria recuperar o tempo perdido”. Como também trabalhava com psicologia hospitalar, Júlio ainda demonstra receio em frequentar o ambiente do hospital à época da entrevista. Relata que fica "ansioso" em ambientes fechados, e narra um episódio específico em que se sentiu mal ao ouvir, na televisão, os sons das máquinas de monitoramento do CTI.

"Eu costumo dizer que eu passei por um milagre", Júlio considera que sua religiosidade teve papel fundamental em sua recuperação. Sua família e amigos, cada um com suas crenças próprias, fizeram uma grande corrente de orações para sua melhora. Em um momento em que se emociona, Júlio nos diz que "é muito bom se sentir querido, muitas pessoas oraram por mim".

Luiz, 58 anos, engenheiro de processos, morador do Rio de Janeiro, estava em isolamento e home office, quando em março de 2021 contraiu covid-19, período em que deveria se vacinar e não conseguiu, pois foi internado. Ele conta que a filha foi visitá-lo, depois de muito tempo, após fazer um teste para covid-19 que constou negativo. Nessa situação, a filha acredita que o contaminou, porém, ele diz que pode ser devido a outros fatores, como as compras que recebeu, ou pelas idas ao mercado ou farmácia. Após a visita da filha, ela apresentou sintomas da covid-19 e foi internada, e pouco tempo depois a esposa de Luiz apresentou sintomas, assim como Luiz também. Seus primeiros sintomas foram cansaço e sonolência, sem disposição para levantar da cama nem para comer, além de febre. Luiz realizou o teste da covid-19 o qual o resultado foi positivo e foi orientado a procurar o hospital, mas postergou, pois estava preocupado e priorizando sua esposa.  Contudo, os sintomas foram se agravando até o ponto em que não suportava mais e foi para emergência. 

No hospital realizou uma tomografia, em que foi verificado um comprometimento pulmonar quase total, e assim, foi direcionado para a UTI. Dois dias após a entrada no hospital Luiz foi entubado. Ele conta que após acordar agradeceu ao médico que o entubou, “De repente, se eu não estivesse entubado, eu poderia estar pior”. Ele também contratou um médico assistente, pneumologista, que trouxe sua equipe para somar ao cuidado que já recebia da equipe do hospital. Após acordar, Luiz diz que demorou para recobrar a memória dos familiares e do ambiente a sua volta, e que para ajudar, suas filhas colocaram músicas, a equipe médica colocou fotos da família no quarto. 

Ele ficou internado por 114 dias, entre o fim de março até julho, e nesse período perdeu 26Kg, além de ser previamente hipertenso e diabético diz que durante a internação apresentou diversas complicações como: falência renal, em que foi preciso hemodiálise, quatro septicemias, infarto, além de ficar entubado por 14 dias, e 27 dias em coma. Após o período de 14 dias entubado, precisou realizar uma traqueostomia. Para ele, o sofrimento maior foi a escara na região lombar, necessitando de morfina para a dor. Quando começou a melhorar no hospital, para que pudesse receber alta, Luiz precisou se alimentar sem a sonda e fazer atividades básicas, como sentar e andar, nesse momento ele conta que começou a se forçar para que a recuperação fosse a mais breve possível: “E aí, eu comecei a brigar comigo mesmo, tem que levantar, tem que sair, eu tenho que sentar. E aí, eu passei a fazer mais exercício lá dentro, mais do que eles pediam.” Ao sair do hospital, Luiz saiu com o auxílio de um andador, conseguindo dar pequenos passos. 

Em casa já começou a se alimentar e escovar os dentes sozinho, mas para o banho, a princípio, tinha auxílio da família ou de enfermeiros. Por trabalhar na Petrobrás, Luiz teve direito a um serviço homecare, o qual tinha o acompanhamento de um técnico de enfermagem todos os dias.  De 15 em 15 dias, uma enfermeira e uma médica iam visitá-lo. Hoje, após 6 meses de alta hospitalar, Luiz relata ainda ter uma escara de tamanho pequeno. Além disso, ele teve perda da força para andar na musculatura da perna esquerda, e para tratar ele fez fisioterapia em casa. Ainda conta que começará em uma clínica de reabilitação para fortalecimento muscular. Luiz faz também acompanhamento com o pneumologista para verificar exames pós covid-19. Ele conseguiu voltar a trabalhar, de forma remota, no começo de outubro, e hoje, já se sente apto para voltar à rotina de trabalho presencial, e acredita que em breve será liberado da fisioterapia, a qual ainda faz acompanhamento devido à dificuldade motora nas pernas.  Hoje, Luiz faz uso da órtese e tem o hábito de caminhar todos os dias, descendo quatro lances de escada, dá a volta no quarteirão e retorna pelas escadas. Mas diz que quando tem que sair por longos períodos se sente cansado, como por exemplo, ir ao shopping.

Luiz conta que não se sentiu pessimista, mas sim conformado, aceitando o fato de estar doente e já iniciando o tratamento, também diz que em alguns momentos opinou sobre o tratamento, mas que a tomada de decisões, na maior parte das vezes, era feita pelas filhas junto com sua esposa. Ele ressalta que o carinho e cuidado dos profissionais durante o tratamento o ajudou: “Eu agradeci muito quando eu saí, quando eu tive alta né. Foi o que eu falei para eles, vocês são profissionais, vocês têm por obrigação trabalhar bem, mas com o carinho que vocês dispensaram foi muito grande que me ajudou muito.” Outro fator positivo para ele foi o carinho dos amigos. 

Ele conta que a família ficou muito abalada emocionalmente, uma das filhas se sentiu desesperada porque acreditava que havia contaminado a família e que isso poderia causar a morte deles. A esposa também achava que Luiz iria morrer. A outra filha se sentiu sobrecarregada por ter que tomar conta dos afazeres da casa e cuidar dos familiares em casa.

Quanto às informações sobre a COVID-19, Luiz buscou poucas fontes, mas se mantinha informado pelas filhas, já que uma delas é da área da saúde, e selecionava sites confiáveis. Ele diz que parou de acompanhar notícias pelo WhatsApp por conta de notícias “absurdas”, preferindo não as ver. Relata também que em suas relações familiares e sociais há divergências de opinião em relação à vacina “eu não gosto muito de discutir política, é um troço que o pessoal politiza muito e não é para discutir. Isso é saúde pública, não é política, entendeu”. 

Para o futuro, Luiz é otimista, mas se vê preocupado com as decisões das pessoas “eu entendo a questão econômica, tem que ter, tem que ter, tem que ter trabalho senão não tem renda, não tem comida, tem que ter trabalho, mas eu acho que as pessoas têm que pensar um pouco mais na saúde. E não adianta, você está com a economia a 100%, funciona bem e está todo mundo morrendo, não tem ganho nenhum.”

Marcelo, 38 anos, profissional da área de tecnologia, morador do município de Niterói no Rio de Janeiro, relata que desde o início da pandemia, ele e sua esposa viveram de forma muito regrada em relação ao isolamento social, na medida em que não se tinha muita informação sobre o que era certo ou errado. Seu adoecimento por covid-19 aconteceu em abril de 2021 e relata não saber como contraiu a doença já que não teve contato com ninguém, além da família do irmão, que também se infectou, e de pontuais idas ao mercado: “Então, a gente não tem uma certeza de onde pegou, mas isso até em um certo momento se torna até irrelevante”. Em uma quinta-feira, sua mulher começou com uma leve dor de cabeça, à medida que a dor de cabeça piorava, ela recorria ao analgésico. Três dias depois, Marcelo começa com os seus primeiros sintomas: dor de cabeça e dor de garganta. 

Com os sintomas piorando, Marcelo ficou em alerta, e na segunda-feira o casal decidiu fazer a primeira consulta online pelo plano de saúde, sendo indicado o teste de covid-19 e o uso de anti-inflamatório para tratamento. Na quarta-feira, 2 dias depois, ainda com sintomas brandos, o resultado foi positivo para covid-19. No sábado, Marcelo sentiu prostração e cansaço: “uma prostração, um negócio absurdo de ficar o dia inteiro na cama, mas não sentia aquela falta de ar”. 

Com os sintomas de sua esposa em remissão e sua significativa piora, Marcelo optou por fazer uma segunda consulta online já sendo encaminhado para o hospital para fazer uma avaliação mais próxima. No hospital, 40% de seu pulmão estava comprometido e a equipe médica lhe ofereceu a opção de ficar internado com acompanhamento ou voltar para casa. “Eu prefiro ficar internado até pela situação que meu irmão já tinha passado de estar internado e a evolução, e temos alguns amigos médicos conhecidos e eles falaram ‘não dá mole porque essa doença evolui muito rápido’”. Com o adoecimento do seu irmão, Marcelo, vivenciou os dois lados da doença: o lado do familiar angustiado com a saúde de seu parente e o lado do paciente internado em estado grave.

Sua permanência na enfermaria durou 3 dias já que estava piorando clinicamente: “Eu senti que foi ladeira a baixo literalmente, cada dia que passava eu piorava”. Na enfermaria, Marcelo estava com cateter de oxigênio, mas a equipe médica optou por colocar a sonda de alto fluxo, o que também não surtiu os efeitos esperados, sendo direcionado para a UTI. Nesse momento, ele é entubado e permanece por uma semana.

A família recebia informações sobre seu estado de saúde uma vez por dia e compartilhava com as pessoas próximas: "para os meus familiares foi todo esse longo processo de angústia de eu estar internado". Por outro lado, foi um momento de união que o emocionou bastante ao ver as "centenas e centenas de mensagens" de seus amigos e familiares após a extubação.

Logo após sua extubação, Marcelo, passou por momento de confusão mental, principalmente pelas experiências vivenciadas no período de ventilação mecânica: “nesse tempo que eu fiquei entubado, sedado, eu tive, eu nem gosto muito de falar tudo, porque foram umas viagens assim, uns negócios surreais”. Marcelo, sob o ponto de vista psicológico, diz ter carregado esse peso por bastante tempo, mesmo após a alta. Isso porque suas memórias sobre a internação estavam confusas e desconexas com a realidade.

Além das consequências psicológicas, Marcelo descreve o quanto a situação de dependência e de vulnerabilidade o afetou ao longo da sua internação, que durou cerca de 30 dias: "’você melhorou, que bom', mas não faz nem ideia de como é você não conseguir ir no banheiro, tomar banho em cima da cama, tem todo aquele questão do pudor do técnico de enfermagem manipular, de você ficar de fralda, ir no banheiro, fazer isso tudo, é complicadíssimo".

Marcelo perdeu 12kg, não conseguia mais engolir e falar com clareza, por consequência da intubação, além disso, a atrofia muscular o fez buscar fisioterapia. Meses após a alta hospitalar, a persistência do pigarro ainda o incomoda bastante. Marcelo relata começar a dar mais valor às pequenas coisas do dia a dia: "tomar um gole de água é muito bom". Nesse período de recuperação, a família foi um pilar. Em especial, sua esposa: "Com certeza não seria a mesma situação sem ela ali me ajudando".Em termos de trabalho, também houve impacto: "Fiquei semanas depois de receber alta assim, até sem trabalhar e focar e conseguir me concentrar, eu tava com dificuldade de ficar sentado, eu ainda to com dificuldade. Marcelo reforça a importância do pensamento positivo diante da experiência de adoecimento: “acho que tudo vai ficar bem e é acreditar nisso, que tudo de alguma forma vai ficar bem. Eu acho que essa é a principal coisa que eu me agarro e agarrei pra ficar tranq

Marcial, 51 anos, farmacêutico, morador de São Paulo, contraiu a covid-19 em novembro de 2020, quando o número de casos da doença estava mais baixo do que nos meses anteriores. Naquela época, havia certa flexibilidade e alguma retomada do cotidiano. Marcial tinha hábito de ir em restaurantes e ele atribui a uma dessas idas, a possibilidade de ter contraído covid-19: “Eu tinha ficado recluso de março até novembro, com essa queda da curva pandêmica eu comecei a sair mais”. 

Ele estava acostumado a diferenciar seus quadros de alergia dos de gripe, quando começou a espirrar, primeiro sintoma da doença, já sabia que não se tratava de uma gripe. A partir daí, outros sinais apareceram, como um cansaço muito forte e coriza, além de uma dor no corpo que o impediu de sair de casa e perda de olfato, levantando a suspeita de covid-19, o que foi confirmado posteriormente com o teste. Com a progressão da doença, Marcial começou a ter febre, que foi o sintoma que mais o incomodou, pois mesmo tomando remédio, a temperatura não abaixava completamente, permanecendo sempre num estado febril: “Foram cinco ou seis dias nessa situação uma febre de 37° que não baixava de 37°, 4 da tarde, e meia noite, o pico ia para 39°, 39.3°, esse pico demorava aí em torno de meia hora, 40 minutos”.

Através do seu plano de saúde, conseguiu acompanhamento médico por meio de teleconsultas. Ao questionar sobre a febre que tanto o preocupava, foi orientado a permanecer com os cuidados que já estava tomando, com monitoração da temperatura e remédios sintomáticos, já que o sintoma mais importante que o faria precisar de um hospital, segundo os médicos, seria a falta de ar, o que ele nunca tinha experienciado até então. Mesmo assim, como a febre não baixava, acabou procurando o hospital privado constatando aos exames uma saturação de oxigênio de 92%, o que motivou sua internação. Como tinha ido outras vezes ao hospital para fazer exames e não ficou internado, achou que a conduta médica dessa vez não seria diferente: “Quando ela (a médica) chegou para falar comigo, ela já chamou enfermeira e pediu uma maca, aí eu falei ‘tem alguma coisa errada aí'".

Com os sintomas respiratórios evoluindo durante a internação, Marcial começou a entender melhor o que era a falta de ar, sentindo cansaço ao levantar da cama, andar e tomar banho. Apesar da saturação não melhorar com o cateter de baixo fluxo, a equipe médica decidiu mantê-lo no quarto, em princípio, por não haver vagas na UTI. Essa expectativa de possivelmente ir para a UTI o preocupou, já que tinha a ideia de que o caminho percorrido por quem morria de covid-19 era justamente esse: “fulano, tá com sintomas, fulano tá com covid, fulano foi para UTI, fulano morreu”. Esse pensamento estava vinculado também à morte de um amigo próximo, que experienciou essa mesma sequência de eventos.

No entanto, contrariando o padrão que observou, alguns dias após a internação, Marcial começou a melhorar, tanto o percentual de saturação, quanto a febre. Com uma postura ativa ao longo da sua internação, ele relata que no primeiro dia que a febre baixou adotou a meta de “ganhar” da doença, registrando isso no quadro branco da enfermagem. Com isso, a alta hospitalar tornou-se mais palpável para Marcial, já que a condição essencial para a ir para casa era ficar 48 horas sem febre e com saturação próxima do normal. Nesse momento, com todo o quadro encaminhando-se para a alta, já em fase tardia da doença, surgiu uma embolia pulmonar leve.  Esse evento fez com que a alta fosse atrasada por alguns dias, levando para casa o tratamento de anticoagulantes por 6 meses e a fisioterapia respiratória recomendada também para o próprio acometimento pulmonar da covid-19.

A adaptação em casa após a saída do hospital foi complicada para Marcial, à medida que sentiu insegurança por não ter mais a assistência e monitoramento como tinha no período de internação. Ele relata: “tinha um medo muito grande, um medo porque eu pensava assim o melhor lugar para você passar mal é dentro do hospital, você passou mal, tem uma equipe ali para cuidar de você”. Marcial permaneceu 8 dias internado, sem necessidade de intubação.

Passada essa fase de adaptação, ainda conservou alguns hábitos, como o de sempre usar máscara PFF2 para prevenir a doença, como as enfermeiras que o atendiam utilizavam, além de verificar constantemente sua saturação e pulsação, hábito que também adquiriu por causa da internação. Nesse sentido, o próprio reforço de seu autocuidado e a noção do que a doença pode provocar fez com que Marcial ficasse mais crítico com a ausência de medidas de prevenção, olhando com indignação as aglomerações ao redor. 

Dentre as sequelas da covid-19 em si, não notou muitas, a não ser por uma maior dificuldade de concentração ao fazer suas tarefas. Não refere impactos financeiros e retornou ao trabalho remoto 3 dias após sua alta, Marcial acreditava que estava bem para retornar ao trabalhar:” Eu até pedi para o meu gestor que eu queria voltar, eu já to bem, eu tô me sentindo bem então”.

Márcio, 38 anos, atua como profissional de tecnologia, morador do município de Niterói no Rio de Janeiro e trabalha na indústria de EPIs (equipamentos de proteção individual). Foi infectado por covid-19 em março de 2021 enquanto viaja a trabalho, através do contato com uma pessoa que posteriormente testou positivo. Ele costumava viajar para Barbacena, desde novembro de 2020. Apesar do uso das máscaras e testagem para covid-19 frequentes, sabia do risco que corria. 

Após o diagnóstico de sua colega de trabalho, Márcio se isolou no hotel e alguns dias depois, começou a apresentar sintomas como febre e mal estar. Houve, também, a perda do olfato e do paladar, levando-o a ter certeza que havia contraído a covid-19. Logo depois do resultado do teste, Márcio através do seu plano de saúde, realizou uma teleconsulta com o médico do trabalho e o tratamento foi sintomático. Os sintomas continuaram evoluindo, então, decidiu novamente se consultar, e os médicos disseram que ele estava aparentemente bem, pois estava conseguindo conversar.

Depois de 7 dias de sintomas, “foi ladeira abaixo”. Márcio passou a sentir muita falta de ar, havendo dificuldade até mesmo para falar. Com o aumento da falta de ar, ele novamente fez uma teleconsulta e ao relatar que estava em uma cidade do interior e os sintomas que estava tendo, foi recomendado que ele retornasse para o Rio de Janeiro, pois poderia precisar de um cuidado médico mais intensivo, o que o deixou preocupado. Nesse mesmo dia, Marcelo teve dificuldades até mesmo para se sentar e se alimentar. 

Com muita dificuldade, conseguiu dirigir da cidade que estava até Juiz de Fora, onde encontrou seu irmão e outro amigo que o trouxeram até o Rio de Janeiro. Na sua primeira ida ao hospital, estava com o pulmão com 40% de comprometimento e apesar da falta de ar, por estar no oitavo dia de sintoma, a médica da emergência o libera. Isolado na casa de seu irmão, Marcelo continuava evoluindo mal: “só piorei, só piorei”. No dia seguinte, ele vai para um segundo hospital privado: “quando eu cheguei, assim passando muito mal mesmo, com falta de ar, daí minha saturação já tava abaixo de 80, 70 e pouco, já muito baixa, ele (o médico) falou: ‘você vai direto pra CTI’”.

Enquanto estava no CTI, Márcio usou máscara de ventilação não invasiva (VNI) 4 vezes ao dia, por 45 minutos para não precisar ser entubado e reagiu bem a essa forma de tratamento. Após uma melhora significativa, ele foi encaminhado para o quarto: “Foi o primeiro dia que eu fui pisar no chão assim, foi um negócio muito esquisito, os meus pés doíam, eu não conseguia andar direito, eu fiquei zonzo”. Além disso, ele relata que havia emagrecido bastante e estava flácido. Nos primeiros dias, Márcio ainda teve dificuldade para comer, pois não tinha fôlego para mastigar. Ele ficou cerca de 4 dias no quarto e no final de semana da páscoa, recebeu alta, totalizando 14 dias de internação.

Após sair do hospital, Márcio relata que ficou cerca de 10 dias tendo dificuldade para respirar e fazer esforço. Além disso, começou a ter dificuldades para se concentrar e para lembrar das coisas, prejudicando seu trabalho. No aspecto financeiro, seu adoecimento não causou grandes impactos. 

Marcelo hoje aconselha as pessoas a procurarem a emergência o mais breve possível, repensando sua experiência: “Um amigo meu de São Paulo me ligou e perguntou ‘o que eu faço e tal?’. Eu falei ‘tem que ir no hospital logo, tem que procurar logo, não deixa chegar num ponto que eu cheguei porque é um risco absurdo’. Então, hoje de fato, eu consigo reconhecer que eu estou muito sensibilizado, né? Tenho mais empatia das pessoas que conhecem uma pessoa que pegou ou que pegaram, assim até pra descrever a experiência que eu passei”. Complementa o quão intensa é a experiência de adoecimento por covid-19: “Então, eu acho que assim, é um mix de sentimento que você acaba vivenciando. O que eu posso dizer é mais ou menos isso. É você parar e pensar e ficar refletindo”

Por fim, Márcio acredita que a experiência de passar por uma tragédia como a da pandemia covid-19 faz com que a sociedade como um todo evolua. Porém, para ele, nós iremos conviver com essa doença por bastante tempo e, sobre o futuro, não será como antes, então devemos: “focar no que tem que ser feito, não deixar se abater, pois enquanto houver vida há esperança e um meio de se vencer.”

Michael Douglas, 26 anos, morador do município de Belford Roxo, no Rio de Janeiro, trabalhava como motorista de aplicativo quando contraiu covid-19, mesmo fazendo uso de máscara de proteção e álcool em gel durante o trabalho. Acredita que por um descuido com um dos seus passageiros, se infectou em julho de 2021. Mesmo desconfiando que pudesse ser covid-19, ele relutou em procurar os serviços médicos pois via muitos óbitos ocorrendo, inclusive uma pessoa próxima. Michael relata que seus primeiros sintomas eram leves: febre, tosse seca, e cansaço. Depois do terceiro dia apareceram novos sintomas: não tinha paladar, olfato e sentia falta de ar. Foi quando ele procurou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) próximo a sua residência. Nesse momento detectaram a doença, mas ele retornou para casa. Ao piorar os sintomas, Michael procurou um hospital particular, onde fez uma tomografia e foi constatado comprometimento pulmonar de 55%: “Aí foi quando meu chão  caiu,  mas mesmo assim, eu tentei ficar com a autoestima alta”. Após o exame, ele voltou para casa, e os sintomas continuaram a progredir. 

Ele compartilha que seu quadro agravou a ponto de não conseguir respirar, momento em que sua esposa o levou para o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF). No HUCFF, ele fez exame de sangue e logo subiram com ele para a enfermaria. Foi proposto pela equipe médica a máscara de alto fluxo, mas Michael não aderiu conforme deveria sendo necessária a intubação. Ele temia o procedimento e conta que pensou que não voltaria: “Mesmo eu não querendo, eu querendo ser forte o tempo todo, a lágrima desceu, que não tinha como, porque o sentimento é que você não vai voltar. Parece que realmente você não vai voltar”. Michael permaneceu 7 dias no CTI sendo 5 dias entubado e seu comprometimento pulmonar chegou a 87%.

Ele conta que ficou com medo da morte, principalmente após os médicos dizerem que sua situação era complicada:  “Eu vou ser entubado, eu não vou sobreviver, eu vou morrer. E se eu morrer?”. Após sair da intubação, ele compartilha sobre a felicidade de voltar: “Quando eu retornei foi um dos momentos mais felizes da minha vida”. Pouco tempo depois de acordar, as enfermeiras do CTI ligaram para a esposa dele, e todos comemoraram a extubação de Michael. Porém, mesmo com essa alegria, ele estava bastante debilitado, e se sentiu constrangido e impotente. Para Michael, a alta para a enfermaria foi o momento que ele considera o mais difícil, pois foi o encontro com a solidão: “No CTI tinham pessoas ali o tempo todo, era a luz, eu conversava com todos. (…) Fui para enfermaria, era um quarto só eu lá dentro.”  Nesse sentido, Michael diz que não conseguia dormir, sentia ansiedade de ter alta e, nesse período, pensava em sair a qualquer custo do hospital. Em determinado dia, ele tentou sair pelo elevador, pelas escadas, e após andar pelos corredores, se sentiu muito cansado, foi quando as enfermeiras o levaram para o leito. 

O sentimento de solidão foi um dos aspectos mais marcantes na internação de Michael,  entretanto, ele compartilha que a sua fé e a sua religião - testemunha de Jeová, o ajudou no enfrentamento ao longo da doença. A comunicação da equipe com ele foi sempre aberta para acalmá-lo, o que era positivo. E por isso, confiou no tratamento que eles designaram. 

Após a alta hospitalar, Michael conta que ainda ficaram algumas sequelas. Logo após sair do hospital, ele diz que demorou para voltar ao ciclo social, pois a princípio ele ficava choroso, mais retraído, mas que aos poucos conseguiu recuperar o ânimo. Outro ponto foi a memória, ele diz que não consegue se recordar de algumas situações de sua vida, como por exemplo ter assistido determinado filme, ou ter ido a determinados locais. Relata também uma dormência nos membros inferiores, na coxa. A parte respiratória também está comprometida: “Na parte do meu pulmão está prejudicado, isso eu sei está”. Mesmo com essas queixas, Michael não teve assistência após a sua alta e nenhum tratamento de reabilitação, apenas atividade física, como corrida. Atualmente possui plano de saúde e tem a intenção de buscar tratamento.

Financeiramente, ele teve prejuízos, já que trabalhava “por produção”, impactando sua renda e também gerando ansiedade, o que o fez retornar antes ao trabalho: “Aí tem um certo dia, a médica falou para passar uns 30 dias em casa. Com 20 dias eu falei: ‘quer saber?! Estou bem já!’. Botei a roupa e fui para rua trabalhar, coloquei a máscara de novo e fui para rua. Depois disso eu fui trabalhando”. Após sua saída do hospital, ele conseguiu auxílio que o ajudou a manter as contas em dia. E também os membros da igreja que frequenta ajudaram a sua família durante o momento em que esteve internado. 

Para se manter atualizado sobre a covid-19, Michael diz que não gostava de ver as reportagens televisivas porque o assustavam, então ele procurou saber os principais sintomas da doença, mas não se ateve às notícias. E Michael, atualmente vacinado contra a covid-19, se vê esperançoso para dar continuidade aos sonhos que tem, como ter filhos, fazer curso de inglês e sommelier. 

Miguel, 59 anos, gerente de um grande clube no Rio de Janeiro, portador de diabetes tipo 2, foi internado no dia 5 de abril de 2020. Atribui seu provável contágio a uma reunião com mais de 150 pessoas que organizou na empresa que trabalha, no período que ainda não se tinha muito conhecimento sobre o vírus e suas formas de transmissão, “não se falava ainda de riscos” e o acesso à informação sobre a doença era “completamente nebuloso”. Sua esposa também foi infectada no  mesmo período, mas  não desenvolveu sintomas. 

Miguel relata que foi ao hospital 3 vezes antes de ser internado, seus sintomas eram febre e diarreia: "Fui ao hospital pela primeira vez no dia 25 de março, bem atendido, dentro do quadro do protocolo que se desenhava na época. Voltei para casa por orientação deles”. No dia 2 de abril, ele retornou ao hospital devido a persistência dos sintomas, principalmente da febre que não cedia, nessa sua segunda ida ao hospital foram prescritos  dois antibióticos. As duas noites seguintes foram bem difíceis, os sintomas respiratórios pioraram consideravelmente e a febre persistia. Após muita resistência, na manhã de sábado ele retornou ao hospital. Nesse momento, o protocolo era diferente da primeira ida ao hospital, no final de março. Na terceira vez, Miguel foi direto para a sala de tomografia e foi avaliado um comprometimento de mais de 50% do pulmão. Um dia após sua internação seu quadro piora e ele é entubado, em um atendimento muito rápido e eficaz. 

Miguel confiou 100% na equipe de cuidado, para ele o momento da intubação foi marcante: “Estendi a mão direita para ele, a gente cruzou as mãos e ele apertou minha mão. Não foi um aperto forte, um aperto firme. E ele me fez uma pergunta. ‘Você confia em mim?’.Eu falei: ‘pô, confio demais’. Estava vendo a pessoa pela primeira vez ou segunda, confio demais, confio tanto que entrego a minha vida ao senhor’(...). Ele falou: ‘então eu vou garantir para você que a gente vai sair daqui juntos’”. Ele entendeu que esse diálogo foi um “pedido de autorização” para intubação, “sem citar o que seria”. Sua família foi comunicada da intubação e da gravidade. Após a extubação ficou ainda alguns dias no CTI e depois foi para o quarto, totalizando 13 dias de internação e 14 de isolamento após sua volta para casa.

Ainda durante seu período no hospital, mas já em uma fase de recuperação, Miguel foi informado que sua confiança na equipe permitiu que muitas outras vidas fossem salvas: “Nós temos que te agradecer porque, quando você entrou aqui o seu caso foi mais grave que tínhamos no CTI. A gente não tinha noção da coisa ainda, estava tudo começando naquela época, estava começando essa história [...]. Graças às manobras que nós fizemos em você, e que você respondeu muito bem, a gente pode estabelecer um critério para atendimento na maioria dos pacientes e a gente tem que te agradecer também porque você respondeu, nos ajudou”. Mesmo antes de sua infecção por covid-19 um dos grandes propósitos da vida de Miguel era poder ajudar as pessoas e, mesmo sem saber, ele o fez durante sua internação. Essa nova oportunidade de vida só lhe fez aumentar esse desejo.

Em termos de sequelas, Miguel desaprendeu a andar, perdeu 14kg e permanece com problemas circulatórios, já que ainda sente dormência nos membros inferiores. Nesse sentido, o trabalho de uma equipe multidisciplinar fez-se imprescindível para a sua recuperação, além da mudança de alguns aspectos, como os hábitos alimentares. Também contou com o apoio de sua esposa que é nutricionista: “E aí, foi o trabalho alimentação, fisioterapia respiratória, acompanhamento por vídeo de um pneumologista, minha endócrino também, também por vídeo, estava todo mundo recolhido nas suas casas naquela época, né?”. Poucos dias após seu retorno para casa Miguel já voltou para o trabalho de forma remota, o que também o ajudou no processo de reabilitação.

Sua família não sofreu tantas consequências financeiras, mas a dimensão emocional foi muito impactada: “Acompanhar como o quadro estava evoluindo era extremamente difícil e angustiante, uma vez que o hospital só fazia uma ligação para a família por dia”. Seu filho, responsável por atender essas ligações, compartilhava com a família e para os amigos de Miguel como estava a evolução do estado de saúde do pai. 

Miguel afirma que a parte espiritual foi essencial para complementar a parte médica. Após sua recuperação, o médico responsável contou: “Não me pergunte como você conseguiu sair daqui porque eu não tenho explicação. Nem eu, nem a equipe toda temos explicação [...]. Você deve ter um crédito muito grande lá em cima”. O paciente relata que, durante a internação, teve uma experiência espiritual que “foi a coisa mais forte, e mais bonita que eu posso falar para todo mundo” e a atribuiu a seus amigos e familiares que reservavam um momento do seu dia para interceder por ele.

Em termos de aprendizados, Miguel entendeu a importância do diagnóstico e tratamento precoce da doença, o que lhe fez instituir em seu trabalho um protocolo de testagem em massa que permitiu a identificação rápida e o cuidado eficaz de casos, o que certamente evitou a evolução de alguns casos graves. Além disso, começou a oferecer a vacinação da gripe para os funcionários no local de trabalho. Por fim, Miguel expressa sua gratidão a toda a equipe envolvida no seu processo de cuidado e recuperação.

Renata Motta da Silva Almeida

Mulher, 45 anos, branca, casada, sem filhos, convive com esposo, possui nível universitário incompleto, auxiliar administrativo em um hospital, portadora de diabetes mellitus e hipertensão arterial. Internada em hospital privado, possui plano de saúde. Por estar trabalhando em uma unidade hospitalar que recebeu casos de covid-19, estando, portanto, na linha de frente de combate à covid-19, Renata relata ter consciência de que a qualquer tempo poderia se contaminar como ocorreu. Seu primeiro sintoma foi a febre e cuidou logo de se isolar no quarto em casa, cuidando para não contaminar seu esposo, dirigindo-se ao serviço para testagem, onde foi instruída a aguardar três dias e retornar para fazer o teste. Nesse período de espera percebeu que perdeu o olfato e teve a certeza de que estava, portanto, com covid-19, certeza confirmada pelo exame realizado. 

Em um primeiro momento após o diagnóstico, não realizou nenhum exame complementar, recebendo a única orientação de ir para casa e manter-se isolada. Por conhecer a evolução da doença e as medidas que poderiam ser tomadas, Renata relata ter ficado bastante aflita com a situação. “Eu continuava com a febre e eu passei isso para o médico e perguntei a ele se não era necessário fazer uma tomografia, pra gente descartar qualquer coisa… queria que fizesse uma tomografia pra ver em que nível estava o comprometimento do meu pulmão. Ele disse que não tinha necessidade. E isso foi me afligindo porque eu sabia quais são os pré-requisitos para que você tenha certeza do que você está. Então foi me afligindo porque eu não podia fazer nada.” Após três dias, no entanto, ela começou a sentir um forte cansaço, até que parou de responder a mensagens do esposo (com quem se comunicava sobre seu estado de saúde pelo celular) e ele, percebendo a ausência de resposta, invade o quarto e a encontra desfalecida, levando-a às pressas para o hospital. Ao chegar ao hospital logo é encaminhada para a sala vermelha, uma vez que estava saturando 82%. Nesse ínterim, por trabalhar em uma unidade covid-19 fica bastante apreensiva quanto aos possíveis desfechos de seu caso. “E é muito ruim essa sensação. A gente conhece a parte burocrática da intubação, de chegar numa emergência e ir para a sala vermelha. Eu fiquei muito nervosa e a ansiedade tomou conta de mim.” Ao constatar 50% de comprometimento pulmonar, Renata é encaminhada para um leito de UTI. 

O conhecimento das possíveis evoluções do seu caso deixa Renata apreensiva e ela atribui ao isolamento social e a ausência de familiares como aspectos que contribuem para a piora de pensamentos negativos nesses casos “Eu me senti só, sozinha, né? Porque o fato da gente não ter uma pessoa conhecida perto da gente deixa a gente mais aflito. E, por mais que a equipe tenha o acolhimento e tudo que eles envolvem o atendimento deles, a gente se sente vulnerável, né?... Eu vou ter que fazer várias coisas, são vários exames. Talvez tenham que passar um tubo. O meu medo maior era de ser intubada, de ter problemas renais, porque eu sou uma pessoa diabética, hipertensa. Então a gente sabe dos fatos, do que acontece.” Por causa da ansiedade, Renata passa todo o período da internação em uso de Precedex para manter-se calma. 

Sua internação é marcada pelo temor da piora e consequente necessidade de intubação e, considerando a possibilidade real de isso acontecer e o medo, Renata não permite, por exemplo, que fechem a porta de seu quarto. Ela necessitou fazer uso de máscara não reinalante e VNI por um longo período, iniciando o desmame de oxigênio de alto fluxo apenas a partir do décimo dia. Sobre o tempo de permanência na unidade, Renata ressalta a influência da comunicação com os profissionais de saúde sobre o seu quadro, além de ficar observando a passagem de plantão entre os profissionais e questioná-los se se tratava do quadro dela, ela relata uma experiência desagradável com um fisioterapeuta que, em um dia em que ela está se sentindo melhor, fala que ela não está suficientemente bem e isso transforma seu quadro. “Teve um dia que as meninas conseguiram me dar o banho e eu melhorando. Eu percebi que tava melhor, né? E isso é um alívio que a gente tem. Eu: ‘pô, eu vou sair da UTI, vou pro quarto’. E aí, o fisioterapeuta pegou e falou... ‘você não vai sair agora da UTI, não. Eu acho que ainda uns dois, três, quatro, cinco dias’. Aí eu peguei e fiquei no pânico. Eu já estava debilitada. Psicologicamente, eu já não estava bem… E aí, comecei a chorar… me deprimiu muito. Eu chorava, eu tive que tomar medicamento.”  

O isolamento social a que os pacientes de covid-19 são submetidos foi atenuado em algumas comunicações por videoconferência que foram feitas para que ela pudesse falar com a família. O fato de trabalhar em um hospital próximo ao hospital da internação também influiu no contato social durante a permanência na UTI, já que seus colegas de trabalho encontravam os profissionais que trabalhavam na unidade onde ela estava internada no transporte, e pediam que a visitassem e dessem notícias sobre seu estado. Outro aspecto positivo em sua internação, nesse sentido, foi a oportunidade que deram a seu esposo de visitá-la, rompendo com os protocolos habituais de restrição de visitantes. “Meu esposo, eu não sei como, mas ele - quando eu estou lá no quarto, na UTI, almoçando - ele chega de repente todo paramentado, porque foi liberado. Ele conseguiu entrar pra me ver. E foi o que me deixou tão feliz.” 

A internação de Renata é marcada por momentos de dor associados aos exames de gasometria “eu saí com os braços bem pretos de tanto ser furada” e também por medo de ser entubada “o medo prevalece em todos os momentos”. Esses sentimentos são expressos com frequência. Essas emoções persistem mesmo após a alta da UTI, porém, já na enfermaria, o que emerge é a insegurança de estar sozinha e menos supervisionada “eu fiquei, ‘como é que eu vou chamar vocês se eu sentir alguma coisa?’. A insegurança de que eu vou ficar bem…”

Apesar de ter ficado muito feliz por ter alta, Renata foi surpreendida por sensações no próprio corpo que não lhe fora informado por ocasião da alta médica. “Eu acho que essa informação do que você pode vir a sentir é muito importante e não foi passado pra mim. Tipo assim, muita dormência nos pés, na perna; ainda a sensação de fraqueza, de você andar pouco; de uma reabilitação respiratória…  eu acho que é importante que os médicos que vão te dar uma alta explicar o que vai acontecer. E isso não aconteceu… eu não sabia o que fazer. Depois eu não sabia a quem procurar….”

Como sequelas do adoecimento Renata passou a necessitar utilizar insulina para controle glicêmico e, assim, a dor se torna uma constante “primeiro é a aceitação de ser furada toda hora… em média seis vezes no dia” e sua experiência com o diabetes é ressignificada. Além disso, Renata relata ter sofrido impactos pessoais relacionados à baixa autoestima pela perda dos cabelos e dificuldades financeiras em virtude do afastamento do trabalho e por passar a receber pelo INSS. Devido a isso, alguns planos pessoais como a refoma de um apartamento precisaram ser adiados. Seu retorno ao trabalho também é influenciado por ter tido covid-19 e ter sequelas, como as dificuldades com a memória “eu não tenho, psicologicamente, ainda, condições… de dobrar, de ser exigida demais nas coisas. Eu gosto muito do que eu faço… Teve um dia que eu não aguentei e eu caí no choro, porque tava vindo muita cobrança pra mim e eu não tava conseguindo dar conta do jeito que eu gosto de fazer... A memória ficou muito ruim.”

Refletindo sobre o agravamento do seu quadro e o que poderia ter sido feito de outra forma, Renata aponta que acredita que a falta de aprofundamento em exames de imagem no primeiro atendimento que recebeu, foi um dos fatores decisivos para ter chegado na emergência da maneira que chegou e salienta a importância dos profissionais médicos acolherem e escutarem o que os pacientes têm a dizer.

Sérgio, 61 anos, morador do Rio de Janeiro, atua como guarda de trânsito e contraiu a covid-19 em novembro de 2020, através do “contato com um familiar”: “Eu não sei se eu transmiti para o meu irmão, ou se ele que transmitiu para mim”. Inicialmente, não suspeitou quando os primeiros sintomas, tosse e dor de cabeça, vieram, pois seu quadro se instalou de forma lenta. Isso entrou em contraste com a imagem que tinha em mente da doença, já que teve o exemplo de sua filha que, após ser infectada, evoluiu para uma forma grave e necessitou de internação. Sendo assim, apesar da persistência dos sintomas e da busca por atendimento em diversas ocasiões, não associou seu quadro à covid-19.

Após diversas tentativas de esclarecimento do quadro em uma Clínica da Família próxima de sua residência, ainda sem melhora e se sentindo cada vez mais fraco, foi levado por sua filha à emergência de um hospital particular. Foi internado, no entanto, não obteve o diagnóstico de covid-19 no local, sendo tratado como se tivesse outra doença: “No hospital que eu tava, eu não tive tratamento nenhum de covid, tá? Eu só tinha soro, botaram no soro e, bem, pra ser sincero, foi uma baita de uma enganação pra poder tirar, tirar dinheiro do plano”. Nesse hospital particular, Sérgio não estava recebendo o tratamento adequado pelo estado em que se encontrava, apresentando grande piora nos dias que permaneceu internado, o que motivou a transferência dele para o Hospital do Fundão, mobilizada pela sua filha, que é técnica de enfermagem.

Foi internado no HUCFF em um dos poucos leitos restantes no CTI. Na sua chegada, fez o teste de covid-19, que confirmou a doença. Enquanto estava no CTI, percebia a movimentação dos profissionais ao seu redor, no entanto, não tinha forças para interagir com ninguém. Ele conta que, mesmo sem poder falar, percebia o trabalho dedicado dos profissionais, o que o fez confiar na equipe multidisciplinar. Foi dessa forma que encarou a possibilidade de intubação, levantada no 14° dia. Ele relata que: "Eu fiquei muito em paz, porque eu sabia que tudo estava sendo feito ali seria em prol da minha vida, entendeu?”. Apesar disso, acabou não sendo entubado, o que lhe causou uma grande “reação psicológica” para tentar melhorar, uma vez que considerava a intubação como um passo anterior à morte. Aproximadamente ficou 16 dias no CTI, totalizando 20 dias internado, tendo alta em dezembro de 2020.

Com a melhora apresentada, rapidamente conseguiu ser transferido para a enfermaria, onde teve uma boa evolução. A maior dificuldade de Sérgio foi voltar a se movimentar, o que foi intensificado pela falta de ar que sentia nas atividades e pela perda de massa muscular durante a estadia no CTI. Nesse sentido, teve auxílio do serviço de fisioterapia, cujos profissionais o incentivaram a completar os exercícios, mesmo com a fraqueza que sentia, assim tendo uma recuperação mais rápida. 

Em casa, continuou sua reabilitação com acompanhamento cardiológico e nutricional pelo plano de saúde, além da academia de ginástica. Sérgio mudou seus hábitos como alimentação e rotina de exercícios já que “a única coisa que me pegou mesmo pós-covid foi o coração”, ele completa: “Eu nunca, nunca tinha feito, eu não gostava de academia, não. Então agora, eu faço atividade física. Eu comia qualquer coisa, de qualquer jeito. Eu, hoje em dia, continuo comendo muito, mas não é como antigamente, não é assim de forma desregrada”. Ele relata que o apoio dos filhos foi fundamental na sua recuperação.Para ele, o período de licença que tirou para se recuperar foi fundamental, retornando ao trabalho “uns 6 meses depois”: “Eu tive férias em março, abril, voltei em maio a trabalhar” Sérgio também relata que, felizmente, não teve nenhum impacto financeiro com seu adoecimento.   

Por fim, com relação às mudanças que a covid-19 causou na sua vida, Sérgio conta que se tornou uma pessoa diferente do que era. Nesse sentido, hoje em dia busca estar ao máximo cercado de família e amigos, valorizando cada momento que passava despercebido antes. Ele relata: “Hoje eu valorizo as amizades, valorizo as pessoas, o convívio, tudo isso hoje em dia, isso é que mudou. O tempo hoje é curto pra você preencher toda aquela lacuna de estar próximo das pessoas que a gente tem convivência.”. Além disso, desenvolveu um sentimento de gratidão aos médicos e toda equipe do HUCFF que cuidaram dele, e apesar de não ter tido a oportunidade de agradecê-los pessoalmente, têm a lembrança diária dessas pessoas em sua vida, como ressalta: "Por ter ido além da profissão e por ter cuidado também com tanto carinho. Sabe, eu acho que eu sou grato todos os dias em minhas orações.”.

Vânia, 50 anos, aposentada, moradora do Rio de Janeiro, adoeceu em abril de 2021. Ela e seu pai começam a sentir sintomas como mal estar e perda de apetite e trataram como se fosse uma gripe muito forte, com antigripal e chá caseiro. Com a persistência e piora dos sintomas, seus irmãos a levaram para o hospital, uma vez que o pai tinha sido encaminhado para a investigação e internação. Vânia não tem memória do que aconteceu nos dias posteriores aos primeiros sintomas e seus relatos são baseados no que seus irmãos lhe contaram. Ao chegar na emergência do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) é abordada pela médica e também pelo seu primo que trabalha como auxiliar de farmácia no hospital e ajuda na admissão de Vânia no hospital. 

Ao chegar na emergência logo é entubada e permanece em coma por 30 dias  Ao acordar, Vânia relata ser encaminhada para a enfermaria usando traqueostomia. Ao todo ficou 38 dias internada, sendo 8 dias na enfermaria, onde tinha uma ótima relação com a equipe médica. Ao longo da hospitalização, Vânia teve um período agitado pois sonhava com seu pai que sem saber, durante a sua internação, faleceu de covid-19: “Eu quero ir embora. Eu tenho que ir embora porque meu pai está precisando de mim”. Ela conta que “deu um pouco de trabalho” pois queria ir embora de qualquer jeito. Os familiares optaram por adiar a notícia do óbito até ela estivesse recuperada Vânia lembra que morava apenas ela e seu pai antes do adoecimento: “Ele cuidava de mim e eu cuidava dele. Então foi um choque. Agora eu moro só”.

A reabilitação foi lenta, mas aos poucos evoluiu: “Na enfermaria eu dava uns passos, mas foi até meio complicado porque quase caí. Mas depois eu consegui andar melhor, tendo fisioterapia”. O impacto na família por conta da internação de Vânia e seu pai foi grande, após o falecimento do pai, todos oravam e torciam pela sua recuperação: “Olha, foi um baque, porque eu e meu pai estávamos internados. Todo mundo orando e torcendo para que eu e meu pai tivesse melhora, estivesse bem”. O aspecto espiritual auxiliou em sua recuperação, quando acordada, orava e também recebia orações das pessoas que integravam sua comunidade religiosa e familiares. 

Em termos de impactos na identidade, Vânia relata que se sentiu menos independente depois do seu adoecimento, já que hospitalizada perdeu a coordenação motora e a movimentação das pernas, mas buscou se esforçar e persistiu, melhorando gradativamente. Somado ao cuidado das suas tias, conseguiu voltar a andar e retornar para sua casa em torno de 1 mês.  Atualmente, relata um cansaço mediante a pequenos esforços. Do aspecto psicológico, Vânia se sente “traumatizada”, sentindo-se insegura diante de novos sintomas gripais: “Eu fiquei traumatizada com a covid-19, porque foi duro. Eu estava com um resfriado e eu não sabia que estava com a covid-19. Então quando me vejo assim gripada, com uma gripe forte, corro e faço o teste”.

Apesar de dependente financeiramente do seu pai, Vânia não teve grandes impactos financeiros pois tinha dado entrada no seu benefício do INSS, devido a um acidente anos atrás. Com isso, ao sair do hospital, um mês após, recebeu seu benefício. Sobre o estigma da doença, Vânia relata que suas primas ficaram preocupadas por um possível contágio, mas todas testaram negativo para covid-19. 

Vânia busca retornar à sua vida, mas carrega consigo o luto do seu pai: “Até hoje eu sinto a falta dele, mas vida que segue”. Sobre o futuro, refere com medo: “Medo porque… medo de morrer, mas a gente tem que estar preparado, nós estamos aqui de passagem, estamos de passagem, não para sempre”. E a fé que para ela significa: “Acreditar em Deus”. 

Vera Lúcia, 67 anos, aposentada, moradora do Rio de Janeiro, começa nos contando que em julho de 2021 teve uma tosse muito forte, mas tinha deixado claro aos seus familiares que não queria ser levada para a emergência. Devido a intensidade da tosse, os filhos a levaram para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA): "Aí os filhos queriam levar para o hospital. E eu não queria ir. Aí fiquei tossindo, tossindo. Aí o outro ligou para o outro filho. Veio me buscar e me carregaram pro UPA”. Lá, não conseguiram fazer uma radiografia, e também não fizeram o teste para covid-19, dessa forma, Vera voltou para casa com a prescrição de um xarope. 

Um dia depois, Vera tinha consulta de rotina marcada no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), e por estar ainda estar tossindo de forma exacerbada foi levada para a emergência. Ela realizou uma nova radiografia e fez o teste de swab nasal, e ao positivar para covid-19 não entendeu o porquê: “Eu não sei o porquê, eu não fui pra canto nenhum, não me misturei com ninguém, entendeu?”. Vera ainda conta que não ficava em lugares fechados, e que ao ir dormir abria as janelas para ventilar a casa. Entretanto, acredita que mesmo ela não saindo possa ter contraído covid-19 pelo filho mais novo, pois ele era o único na casa que saía durante a pandemia. Após os exames, recebeu a notícia de que ficaria internada. Ela conta que nesse momento ficou apavorada, pois saiu de casa para uma consulta de rotina e acabou sendo internada. 

Logo após sair da emergência, ela foi encaminhada para o CTI fazendo uso de uma máscara de oxigênio. Durante todo o processo da internação estava consciente do que acontecia à sua volta. A partir do momento que saiu da emergência, Vera perdeu o contato com a família. Já na UTI, ela conseguia comer por conta própria, mas para urinar ela usava uma comadre, por conta da dificuldade de se locomover. Ela ficou por 8 dias na UTI, e conta que se sentiu cuidada tanto pelos profissionais da saúde quanto pelos profissionais da limpeza. Entretanto, ela conta que não havia uma comunicação entre ela e os profissionais quanto ao seu tratamento, aos medicamentos que tomava e também não teve comunicação com seus familiares enquanto esteve na UTI. Nesse sentido, Vera diz que não se sentiu autônoma em seu tratamento, diz que é uma pessoa reservada e esperava os procedimentos serem feitos, confiando na equipe. Seus familiares ficaram desesperados por não conseguirem notícias, a ponto de um dos filhos ir ao hospital, mesmo sabendo que não poderia vê-la, para ter notícias da mãe. Após a UTI, ela foi para a enfermaria, onde ela tirou a máscara de oxigênio, pois conseguia respirar sozinha, tomar banho sozinha e ir ao banheiro sozinha. Ao todo permaneceu internada, mais ou menos 10 dias.

Para Vera, foi difícil lidar com o isolamento ao longo da internação: “Se eu morrer, eu vou morrer e ninguém sabe da minha vida, ninguém sabe como é que eu estou, como que foi”. Ela diz que se sentiu abandonada, pois é apegada aos filhos e não poder dar notícias a eles e não receber notícias deles a deixou preocupada e com saudades. Depois de alguns dias, quando estava na enfermaria, ela conseguiu ver os familiares e amigas por vídeochamada e diz que isso a acalmou, pois conseguiu saber como estavam e eles também a viram. Para lidar com toda a carga emocional e do próprio adoecimento Vera conta que tem “força para tudo”. Ela diz que outro motivo que a deixou abalada durante a internação foi o fato de ter perdido uma irmã por conta da covid-19.

O fato de Vera presenciar os óbitos de outros pacientes a deixava preocupada, se questionando se poderia acontecer com ela devido a imprevisibilidade da covid-19. Em contrapartida, Vera se viu animada por ser bem tratada pelos profissionais do HUCFF. E mesmo com as preocupações durante sua internação, ela diz que não sentiu medo da morte, mas sentiu medo de ser entubada, porque segundo ela “se dissessem que iam me entubar eu ia me apavorar, aí eu sei que eu ia morrer antes de me entubar”. 

Com base na sua experiência, Vera destaca a importância de uma boa comunicação entre equipe e a família do paciente: “Tenho certeza que a família vem na porta perguntar pelo paciente, como a minha vinha, entendeu? Então, chegar e dar atenção, conversar”. Ela também ressalta a importância de cuidar da própria saúde e ter as vacinas em dia para que todos possam viver saudáveis.

Após sua alta, Vera não fez nenhum acompanhamento médico ou fisioterápico e continuou fazendo os afazeres domésticos. Relata que quando cozinha precisa redobrar a atenção para não queimar, pois até hoje tem sequelas como a perda parcial do olfato e do paladar. Ela conta que outra sequela são as quedas frequentes por conta da perda de força muscular, e que isso a impede de ir para determinados lugares, pois sente-se insegura e com medo de cair. Para ela, voltar viva para casa é uma nova chance de voltar à vida e se sente esperançosa novamente.

Wellington, 43 anos, empresário, morador do Rio de Janeiro, hospitalizado em maio de 2021, relata que em torno do dia 4 ou 5, começou a apresentar uma tosse leve, mas que foi aumentando. No dia 7, ele entrou em contato com seu médico pessoal que recomendou que ele procurasse uma casa de saúde para fazer exames e o teste de covid-19. Ao realizar a primeira tomografia, foi constatada uma pequena mancha no pulmão e sem gravidade, foi orientado a voltar para casa, manter os cuidados e acompanhar a evolução dos sintomas. Entretanto, passados 2 dias, a tosse aumentou e Wellington começou a ter uma febre que não baixava com medicação, fazendo-o retornar ao hospital e a realizar uma nova tomografia. Dessa vez apresentou um comprometimento de cerca de 50% do pulmão, mesmo não tendo nenhum outro sintoma, além da febre e tosse. Com este resultado, seu médico assistente recomendou a internação para que ele fosse observado mais de perto.

No dia subsequente, Wellington passou por um novo exame que evidenciou um comprometimento de 70%. Dois dias após, já internado,  o quadro se agravou, levando a um comprometimento de aproximadamente 90%. Seu médico assistente  sugeriu  que ele fosse levado ao CTI como uma medida de cautela para preservar os seus pulmões. Ele lembra que foi muito rápido: "Fiquei muito nervoso na hora, eu não sei se eu ia voltar, se eu não ia voltar, a gente escuta e enfim, ele me entubou muito rapidamente”. Ao todo, Wellington ficou 28 dias internado e 7 dias entubado. Ao ser extubado passou a “brigar contra o sono”, pois tinha medo de “dormir e não acordar mais”. Também perdeu muita força e por isso não conseguia ficar em pé, “antes da covid já tinha uma vida sedentária, então isso agravou meu comprometimento muscular” e, por isso, necessitou fazer fisioterapia nos membros inferiores. 

No período em que esteve no hospital, ele desenvolveu trombose leve, também desenvolveu arritmia cardíaca leve, mas foi sanada. Além disso, durante a internação, também teve uma parada cardiorrespiratória de aproximadamente 3 minutos. No período de reabilitação física, Wellington relata que descobriu como sequela, a Síndrome de Parsonage-Turner, sendo um problema neurológico que compromete o movimento das escápulas e, devido a isso, ele apresenta dificuldade em fazer alguns movimentos com o ombro esquerdo, mas com a fisioterapia vem melhorando aos poucos. Ele considera que ser portador de diabetes tipo 2 contribuiu para o agravamento do seu quadro.

Ao retornar para casa, ele conta que havia contratado um enfermeiro e um fisioterapeuta para o acompanhar diariamente, devido a perda de mobilidade. Com cerca de 20 dias de sessão de fisioterapia, ele já conseguia andar sozinho, mas ainda com uma certa dificuldade. Após o fim das sessões de fisioterapia, Wellington foi encaminhado para um centro de reabilitação, onde fez um teste de vo2, que constatou que ele estava com a capacidade respiratória muito baixa, mesmo sem sintomas: “Eu fazia os exercícios já nesse processo de reabilitação física, eu sempre parava por conta de falta de força muscular e nunca cansaço mesmo”. Depois de 3 meses, ele conta que conseguiu recuperar bastante a capacidade motora: “Então, hoje, eu tenho uma vida assim, não é igual ao que eu tinha antes, mas digamos que eu tô noventa e cinco por cento já recuperado de tudo”. 

Por fim, Wellington relata que a experiência de adoecimento por covid-19 mudou sua forma de encarar as coisas: “A gente passa a olhar a vida de uma maneira um pouco diferente… Então a gente começa a encarar como uma outra oportunidade, realmente de viver e realmente, você dá muito valor a outras coisas”. Além disso, Wellington considera que a necessidade da reabilitação física fez com que ele engrenasse novamente uma rotina de atividades físicas, sendo este o principal impacto positivo. Ao longo do seu processo de recuperação sentiu bastante insegurança de não conseguir voltar a trabalhar e retomar ao seu cotidiano: “Medo de não conseguir mais viver normal”. Por fim, relata que se sentiu muito acolhido ao longo da sua hospitalização e apoiado após sua alta