Sobre o doador

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A relação entre a pessoa transplantada e o doador e sua família costuma interessar emocionalmente, pela curiosidade e pela gratidão que o gesto solidário dos doadores desperta.

[Entrevistador: E ela disse, agora há pouco, que a senhora tem curiosidade de saber sobre a pessoa que doou, né? O que é que a senhora sabe sobre essa pessoa?]

Auricélia: Eu não sei nada. Doutor Rodrigo não diz nada a mim.

[Entrevistador: Mas nem se é homem, se a mulher, qual a idade, nada?]

Auricélia: Não. Eu perguntei: “Doutor Rodrigo foi homem ou mulher?” Ele começa a brincar: “Tu quer saber demais.” “Doutor Rodrigo, me diga!” O dela eu sei, na hora ele me disse tudinho. Foi um rapaz, um acidente de moto, é, é... Ela disse que era 27 anos, mas não foi 27. Parece que foi 17 anos.

[Entrevistador: 17?]

Auricélia: Foi. Ah, pois ele contou o histórico todinho, todinho do rapaz que que doou pra Andrea, mas pra mim ele não disse. E eu tenho essa curiosidade de saber.

[Entrevistador: E por que ele não diz?]

Auricélia: Não, eu não sei por que ele brinca comigo, diz assim: “Eu não vou te dizer.” Não diz. Pronto, até hoje Dr. Rodrigo não me disse. Mas eu queria saber.

[Entrevistador: E assim você…]

Auricélia: Eu sou muito grata, primeiramente a Deus, né, e segundo essa família, porque se eu tivesse contato com a família... Eu sei que a gente não pode, né, mas com nada, assim, de eu saber que tal lugar, aquela família ali, eu tenho um pedacinho daquela família dentro de mim... Mas eu não sei não. Eu não ia procurar porque a gente não pode isso.

 

 

Alguns aspectos negativos podem impactar na relação da pessoa transplantada com a família do doador, como a possibilidade de extorsão monetária por parte da família do doador relatada abaixo.

[Entrevistador: Entendi e você sabe alguma coisa sobre a pessoa que doou o coração pra você?]

Valdeir: Sei não. Sabia até o nome, mas eu me esqueci, e tinha 17 anos.

[Entrevistador: E você tem curiosidade de ir atrás disso? Tem vontade disso?]

Valdeir: Depois que me disseram que: “Não, porque não pode, que muita gente...” Como é que se diz? “Ameaça, pede dinheiro, pede isso, faz aquilo...” Aí, daí já me desinteressou.

[Entrevistador: Como assim? Me explica?]

Valdeir: Foi o ocorrido que tipo eu cheguei a perguntar se tinha como conhecer. Aí uns daqui de dentro do hospital mesmo me disse: “não”. Foi doutor Rodrigo, outros que disseram porque teve gente de chegar tipo, a família, porque quem aceita é o pai e a mãe, que tem que assinar o documento. Mas outros não aceitam.

[Entrevistador: Outros membros da família?]

Valdeir: É, outros membros da família não aceita a doação. Aí por isso que eu não me interessei.

[Entrevistador: Mas você mencionou alguma coisa de pedir dinheiro?]

Valdeir: Foi. Queira ou não queira é tipo extorsão, esses negócio.

[Entrevistador: Da pessoa, da família que doou?]

Valdeir: É, isso que me disseram, que já aconteceu.

[Entrevistador: Caramba.]

Valdeir: Aí vai por conta disso que eu desinteressei tudinho.

 

 

Ao receber um novo coração, o paciente vivencia sentimentos profundos de gratidão e reverência, não apenas pela nova chance de vida, mas também pela história do doador. A ausência de informações sobre a família não diminui o reconhecimento pela doação, que é expressa por meio da fé e da oração.

Andressa: Não, a única coisa que eu sei da pessoa é que foi um menino de 15 anos que é de Caruaru. Mas fora isso, eu não sei quem são, porque disse assim que só se a família quiser conhecer a gente, né, é que a gente pode conhecer a família. Mas eu sou muito grata. Primeiramente, a Deus, a Ele e a todo mundo aqui também que me ajudou muito. E a gente, eu oro, peço a Deus. Teve uma vez que a menina disse que acha que é um rapazinho que tinha lá que ele era até filho único. Eu espero que não tenha sido.

 

 

A experiência do transplante representa não apenas a superação de uma condição crítica de saúde, mas também a oportunidade de renascer. Para alguns pacientes, a identidade do doador não é um elemento essencial no processo de cura. A gratidão pela nova chance de vida se manifesta de forma silenciosa, mas intensa, sem a necessidade de contato direto com a família doadora. O vínculo é simbólico e espiritual, sustentado pelo reconhecimento do gesto e pela transformação proporcionada.

[Entrevistador: E sobre a família ou sobre a pessoa que lhe doou o coração? Você tem alguma informação?]

Teresinha: Não. Não, o que eu sei é que foi uma menina de 12 anos e que mora em Natal. Só.

[Entrevistador: Você tem curiosidade de saber? Tem vontade?]

Teresinha: Não. Nunca passou, assim, pela minha cabeça não. Agora, se vier me conhecer…

[Entrevistador: Aí tudo bem?]

Teresinha: Tudo bem. Agora pra mim ir assim atrás, não sei. Nunca passou pela minha cabeça querer conhecer.

[Entrevistador: como é que você acha que seria isso?]

Teresinha: Acho que eu ia agradecer tanto porque mudou minha vida, né, me deu uma chance de viver.

 

 

Optar por não saber muitos detalhes sobre o doador também é uma forma de preservar a própria privacidade. Às vezes, o medo de que os familiares queiram se aproximar demais ou ultrapassar certos limites pode gerar desconforto em quem recebeu o transplante:

Claudia Maria: Era um homem. Ele tinha. Eu sei que ele tinha 21 anos de idade, né, na época. E tinha sido um acidente. Agora, muito detalhe, não tem não. Depois eu quis saber, mas aí depois eu fiquei meio assim... Aí vendo televisão, essas coisas. O pessoal ficava falando, não, aí ele vai vir... A família vai querer ficar fazendo pergunta, vai ficar aquele negócio? Aí eu sou meio assim, não gosto de agarra agarra, querendo ou não, não gosto muito. Aí eu falei assim, vai que ele quer ficar botando o ouvido no meu peito pra ficar escutando, quero não. Aí eu falei, não, eu acho melhor não ficar sabendo muito não.

Para alguns transplantados, saber a origem do órgão vai além da curiosidade. Há quem peça a Deus para que o órgão não venha de uma morte violenta, buscando não carregar em si uma história de violência.

Danilo: Eu só pedi a Deus, durante, enquanto eu aguardava o transplante, pra não ir vim um órgão de uma pessoa que fosse assassinada, fosse tirada a vida de forma bruta, violenta. Isso eu pedi a Deus, meu Deus, certo? E, graças a Deus, é veio de uma pessoa que teve problema de derrame, certo. Aí o que eu pedi a Deus é pra não vir de uma violência, e também nunca pedi pra que viesse logo, nem nada. Pedi a Deus que chegasse na hora certa, mas que não fosse de morte violenta.

Danilo ainda demonstra consciência sobre a importância da doação e revela que já tinha, antes mesmo de precisar, uma postura solidária, sendo doador de sangue e tendo se registrado como doador de órgãos.

[Entrevistador: E como tem sido dentro do senhor a ideia de que tem o órgão de outra pessoa aí batendo? Isso já mexeu na sua cabeça?]

Danilo: Não. Aceitei como normal, aceitei como normal. Não fiquei em hora nenhuma preocupado com isso. Apenas rezo e peço muito a Deus pra botar a alma desse irmão abençoado em um bom lugar, perdoar os pecados dele, entendeu, por me deixar vivo, ter salvado uma vida, porque o transplante, ele é muito importante. Eu era doador na minha carteira, eu já era doador, certo. Na minha identidade tinha como doador. Já doei, na ativa, muito sangue, eu doava quando eu podia.

 

 

O relato de Elindinaldo destaca o gesto de generosidade da família de um doador, que autorizou a doação de múltiplos órgãos, beneficiando várias pessoas. A fala também evidencia a percepção de que o transplante não é apenas um procedimento médico, mas um ato de solidariedade que conecta vidas e oferece novas oportunidades a quem recebe.

Elindinaldo: A informação que eu tive era que era um rapaz que tinha 21 anos na época. Que tinha 21 anos na época que teve um acidente, foi morte encefálica dele. E a família… Até brincaram, que metade dele tava aqui no IMIP que a família doou… O que poderia doar, a família doou. Córnea, fígado, rins, coração. Graças a Deus fui abençoado com o coração. Agradeço muito, primeiramente a Deus, segundo a família que teve essa boa ação de ajudar o próximo.