Agentes Comunitários de Saúde (ACS) (9)

Rebeka, 26 anos, se autodeclara parda, agente comunitária de saúde e moradora do Rio de Janeiro, começa relatando que desde de o início, antes mesmo da confirmação de seu exame, ela já sentia um grande medo da doença principalmente por estar preocupada em contaminar sua filha, apresentando crises de ansiedade: “ficava muito nervosa, com medo de me contaminar. Aí passou um mês, logo assim que começou a pandemia no Rio, aí eu me contaminei”. A agente comunitária adoeceu em maio de 2020 e seus primeiros sintomas foram: garganta arranhada e dor de cabeça, com isso, ela foi afastada de seu trabalho e fez o teste para a covid-19. 

Após receber o resultado, Rebeka compartilha que seu sentimento inicial foi de desespero: “Acho que pra mim o pior é se eu tiver que ir para um hospital, quem vai cuidar da minha filha? Acho que o pior é isso. Porque morrer, morreu.”. Apesar disso, Rebeka se mostra grata pois não apresentou febre, apenas tosse seca, dor de garganta e elegeu a dor de cabeça como pior sintoma. Além disso, preocupada com sua família, Rebeka isolou-se em seu quarto em casa distante de seu esposo e filha que ficaram em um cômodo, evitando a circulação pela casa. A agente de saúde relata que o período de isolamento foi marcante para ela pois via o quanto sua filha estava sofrendo, com crises de choro e medo de se contaminar, tornando o momento ainda mais difícil tanto para Rebeka, quanto para seu esposo. A entrevistada relata que teve uma rede de apoio muito forte durante o seu adoecimento e, apesar de ter escolhido não contar para sua mãe, recebeu muita confiança de suas amigas de trabalho e de sua irmã. Além disso, também contou com o apoio de seu esposo e procurava conforto ao escutar sua filha tocar violão para ela. 

Compartilha que antes de se contaminar, ela trabalhava sem máscara e sem face shield pois, no início, eles não eram autorizados a usar equipamento de proteção individual (EPI). Ela relata que toda vez que um colega começava a utilizar uma máscara, alguém da administração pedia para retirá-la e ela só foi autorizada a utilizar a máscara quando começou a tossir durante o trabalho e no mesmo dia foi afastada. Rebeka sentiu-se abençoada por ter passado por uma recuperação tranquila, porém diz que um dos piores momentos para ela foi o de voltar a trabalhar: “o medo de se contaminar. Passaram os 15 dias. Como é que eu vou voltar a trabalhar podendo me contaminar?”. Nessa época da pandemia, Rebeka ainda não sabia se podia se contaminar de novo ou não, o que tornou o momento ainda mais difícil, já que tinha que continuar fazendo visitas domiciliares em casos mais urgentes. Apesar dos empecilhos e falta de equipamentos de proteção, Rebeka diz que foi mais fácil do que esperava e conseguiu continuar com seu trabalho. 

Com relação à assistência que recebeu do sistema de saúde como paciente, Rebeka relata que teve uma experiência ruim: “eu acho péssimo, porque eu falo por eu como paciente, é muito difícil…”. Ela diz que desde de o começo teve uma assistência ruim, pois quando foi fazer o exame para confirmar a doença teve que enfrentar uma enorme fila para profissionais de saúde e teve dificuldades para se informar sobre a doença, se tratando apenas com dipirona. Além disso, Rebeka lamenta por aqueles que não eram profissionais de saúde pois sabe que o atendimento para eles foi muito mais precário. 

Por fim, Rebeka deixa a mensagem de que almeja que o médico recupere seu amor por ajudar o próximo, para que volte a olhar para o paciente com atenção e cuidado e diz ainda que todo profissional de saúde pode e deve fazer a diferença, independentemente do que a maioria esteja fazendo: “[...] acho que nós como profissionais, como já tinha dito, nós somos o SUS. [...] a gente tem que fazer a nossa parte, a gente tem que ajudar”. Além disso, Rebeka se mostra otimista para o futuro e compartilha como a relação com sua família mudou após a covid-19, recuperando valores da convivência familiar que haviam perdido com o tempo e criando novas memórias com pessoas que ela ama. Apesar de todo sofrimento, a lição que ficou para Rebeka é que nada é mais importante que aproveitar a vida enquanto ainda a tem, enquanto se está próximo de pessoas amadas, aproveitar cada momento com seu esposo, sua filha, sua mãe, família e amigos próximos: “acho que a gente se uniu mais. [...] A gente tem que amar mais nossa família.”.

Anderson, 49 anos, se autodeclara pardo, casado com 3 filhos, atuou como auxiliar administrativo da clínica da família. Quando teve covid-19, anteriormente, havia ido pescar, mas após a atividade, começou a sentir muita dor na coluna, seguido por uma falta de ar e muito cansaço. Sentiu isso durante 5 dias e no mesmo período sua esposa começou com sintomas. Durante esses dias ele ficou apenas tratando com anti-inflamatórios. Depois de 12 dias, foram na clínica realizar o teste por swab, o qual o resultado foi positivo para os dois.

Ao receberem o diagnóstico, isolaram-se, o que repercutiu em um sentimento de solidão. Além disso, com o tom incapacitante da doença, o sentimento de impotência surgiu, relacionado também à impossibilidade de executar as tarefas mais básicas do dia a dia. Com a falta de ar, Anderson sentiu medo da piora clínica, pois depois de suas dores na coluna, percebeu o agravo dos sintomas respiratórios, característicos da COVID. Essa falta de ar tinha relação, segundo ele,  “de peixe fora d'água” e uma possível piora, o angustiava.

Contraiu a doença, mesmo tomando os maiores cuidados, utilizava máscara simples e sempre que precisava entrar em zonas de contágio grande utilizava a máscara N95. Anderson sabia que ao longo do seu trabalho alguns momentos eram mais difíceis de ser controlados, como o contato com o teclado, no qual muitas vezes se esquecia de colocar luvas para evitar o contato.

Por conta de trabalhar na clínica da família, ele se sentia bem informado em relação a covid-19. Anderson compartilha que em relação a população que frequentava a clínica, o cuidado com a doença era escasso, e a preocupação era apenas quando alguém acabava morrendo.

Em relação a sua família, todos ficaram muito preocupados, sua filha pequena inclusive queria muito ficar com os pais e cuidar deles, mas devido ao isolamento, isso não era possível. 

Por fim, acredita que a covid-19 trouxe diversos problemas, mas também uma nova organização e preparação profissional em relação à clínica em que atuava. Relata que percebe isso. Para ele, caso alguém venha a adoecer por covid-19, ele indica que manter a calma é fundamental, mesmo no contexto desesperador. Além disso, ele indica que procure ajuda profissional para que possa ter a melhor orientação. Já para os profissionais da saúde, ele pede que tenha um carinho e acolhimento, pois para o entrevistado é o que faz toda a diferença.

Raquel, 44 anos,  se autodeclara parda, casada com dois filhos, agente comunitária de saúde (ACS) há 13 anos, atualmente trabalhando no Centro Municipal de Saúde Dr. Albert Sabin, equipe 199, na comunidade da Rocinha. Sua equipe é composta por 5 ACS, 1 enfermeiro, 1 técnico de enfermagem, 1 médico e a equipe do NASF. Relata já ter tido covid-19 4 vezes, tendo sido a primeira vez assim em abril de 2020 e a última vez em julho de 2022. 

No primeiro caso da doença, quando tudo era muito novo em relação a esse cenário pandêmico, descreve que de início havia uma desconfiança, mas obteve a comprovação por meio de um teste rápido. Relata que tratou-se em sua própria unidade, com prescrição apenas para dor de cabeça. Acredita ter adoecido ao fazer trabalho voluntário de entrega de cesta básica para pacientes mais debilitados, de modo que, ao ter os primeiros sintomas, pensou se tratar de um cansaço pelo esforço das entregas, mas, na verdade, já era a doença. Expressa ter ficado muito debilitada, achando, nos primeiros dias, que ia morrer, pois não conseguia sentar e deitar. Depois de 20 dias, a unidade conseguiu fornecer os testes rápidos, no caso dela, tardiamente, mas serviu como uma forma de confirmação. Nessa mesma época, sua filha e seu marido também ficaram doentes, com exceção apenas de seu filho, que não retratou sintomas. Admite que o isolamento realizado por sua família foi muito difícil, pois cada um apresentou uma reação, sendo ela e sua filha com sintomas mais severos enquanto seu marido apresentou sintomas relativamente mais leves. Além disso, todos ficaram com muito medo por ser uma doença nova que não sabiam o que poderia acontecer. Já nas outras três vezes, possui sintomas parecidos com resfriado, sem gravidade. Relata que nessas outras vezes também já estava vacinada.

Em relação ao trabalho como ACS na pandemia, diz que no começo as visitas domiciliares foram suspensas devido ao possível contágio, de modo que acabou ficando “presa” na unidade, pois precisava fazer bloqueios de quem era possível de ser atendido e quem estava mais grave e precisava de encaminhamento para o atendimento hospitalar. Ao fazer o trabalho voluntário, relata que se protegia com kit de higiene e tentava ter o menor contato possível. E, quando fosse necessário fazer visitas, preferia telefonar, mas nos momentos imprescindíveis, precisava ir na casa do usuário, evitando ao máximo o contato.  

Compartilha momentos muito marcantes, principalmente no caso de famílias em que todos vieram a falecer. Conta de um caso específico, em que uma mulher estava com uma ferida na perna e em uma situação perigosa, era arriscado ficar em casa por causa de uma possível sepse e também era arriscado sair para o hospital e adoecer. Sua equipe conversou com a família que optou por levá-la ao hospital, mas antes realizou um teste que teve como resultado negativo. Essa paciente conseguiu ter sua ferida tratada, mas dentro do hospital pegou covid-19 e faleceu. Por conta dessa situação, o marido também adoeceu e morreu dias depois. Toda a sua equipe ficou muito abalada, além de sentirem culpa por terem feito o encaminhamento ao hospital. Relata, também, que mora no território em que atua desde quando nasceu, de forma que seus pacientes também são seus vizinhos e que, infelizmente, acabou perdendo alguns.

A entrevistada, ao falar do impacto da doença em sua vida pessoal, conta ter perdido seu pai no final do ano de 2021 por covid-19. Ele era hipertenso e diabético e ao piorar seu quadro clínico, buscou atendimento na UPA, sendo diagnosticado com pneumonia. Nesse momento, ele já havia tomado 2 doses da vacina, estando na semana para tomar a 3° dose. Ficou 10 dias hospitalizado, entubado, quando acabou falecendo. Essa situação foi muito impactante para sua família, que retrata ser pequena, pois por mais que soubessem o que estava acontecendo com todo o mundo e das complicações que ele apresentava devido às comorbidades, tinham esperanças de que ele conseguiria se recuperar e voltar para casa. Além disso, não havia possibilidade de visita, tendo contato apenas com a assistente social. Nesse meio tempo, sua irmã estava com tuberculose e covid-19, também precisando ser hospitalizada. Mas, felizmente, após 4 dias, conseguiu progredir positivamente.

Ao falar sobre a vacinação, se lembrar exatamente da data em que se vacinou: 20 de janeiro. Narra ter sido um momento de muita felicidade e alívio e com muitas fotos comemorativas. Entretanto, a vacina não havia chegado para todo mundo e também a unidade não estava comportando a demanda da vacinação, mas que no final tudo deu certo. Sua unidade apoiou o Centro Municipal de Saúde Píndaro de Carvalho Rodrigues e o Jockey Club, tendo sido as equipes divididas em escalas para que nenhuma ficasse sobrecarregada. Diz ter aprendido muito nesse momento. Relata ter tido pessoas tentando subornar os profissionais de saúde para conseguir receber a vacina antes da data correta. Além disso, a maioria das pessoas queria escolher a vacina. Havia diversas pessoas que diziam só estarem se vacinando por terem sido cobrados no emprego. Atualmente, diz ficar muito chateada com as pessoas que, mesmo com tudo que ocorreu durante a pandemia, não querem tomar vacina, mas que acredita na insistência nesses casos.

Ao tratar da atenção primária à saúde, acredita que a própria população se atentou aos momentos de aumento dos casos de covid-19, como em janeiro de 2022 com a variante ômicron, de modo que deixaram de ir para a clínica com medo de se contaminar. Isso fez com que houvesse uma descompensação de usuários com diabetes e hipertensão, além de ter aumentado muito os casos relacionados com a saúde mental. Houve, então, um foco para a covid-19, mas um atropelamento de outras doenças e medo das pessoas não quererem se expor e correr o risco de adoecer. Em relação à saúde mental, diz ter tido um aumento grande em comparação ao cenário antes da pandemia e acredita que muito mais pessoas apresentarem depressão e ansiedade, dando, como exemplo de causa, o desemprego. Relata que donos de bares e restaurantes, que antes possuíam uma boa vida com a renda, se viram sem nada. 

A entrevistada comenta sobre o “novo normal” que estamos vivendo, diz que não voltou a ser como antes da pandemia, pois todas as pessoas mudaram. Percebe ter uma nova visão de tudo, tanto como pessoa quanto como profissional da saúde. Admite que hoje dá mais valor às coisas, como o simples fato de poder andar na rua. Possui, assim, um olhar mais diferenciado e expandido na atenção aos pacientes. Como um conselho para quem testou positivo para covid-19, fala em se proteger e proteger também a família. Além de enfatizar a necessidade de se levar a sério essa doença, pois não é pelo fato de os casos e o número de óbitos terem diminuído que o cuidado deixa de ser necessário. Assim, é importante a conscientização para que todos tomem cuidado e sigam as orientações médicas. Agora, em relação à família de quem adoece, diz que colocaria todos para realizarem os testes e daria as mesmas orientações para que todos sejam conscientizados. Por fim, um conselho para um colega de trabalho seria trabalhar com amor. Isso é o que faz toda a diferença no acolhimento, no atendimento e na construção de vínculos com os pacientes: “com amor tudo se resolve”.

             Everton, agente de saúde, contraiu o vírus em meados da pandemia de 2020. Os sintomas, incluindo falta de ar e perda de apetite, não foram efêmeros, mas persistentes, resultando em uma perda de peso significativa e profundo impacto em sua qualidade de vida.

            Os hospitais, conforme relatado, enfrentaram uma superlotação extrema, o que levou a medidas drásticas como a admissão apenas de casos críticos. O agente de saúde detalhou as consequências pessoais do isolamento, particularmente a escolha angustiante de se distanciar de sua família por até oito meses para proteger especialmente seu filho, que sofria de problemas respiratórios.

           Ele relembrou a atmosfera no CMS Clementino Fraga, onde a equipe de saúde desempenhava suas funções sob pressão imensa, muitas vezes sacrificando horas de descanso e prorrogando o horário de funcionamento para administrar centenas de testes diários e acolher longas filas de pacientes. Ele falou com emoção dos momentos de alívio, como quando a senhora na fila foi diagnosticada não com COVID-19, mas com pneumonia, e de tristeza profunda pelas perdas de colegas queridos, como Cátia e Dona Célia, cujas mortes foram golpes devastadores para a equipe e sublinharam os perigos enfrentados na luta contra a pandemia.

          A chegada das vacinas foi descrita como um divisor de águas, gerando uma onda de esperança entre os profissionais de saúde, embora isso também trouxesse novos desafios, como a necessidade de enfrentar o ceticismo da comunidade e as dificuldades impostas por indivíduos que exigiam escolher a marca de sua vacina. O agente de saúde descreveu episódios marcantes, como o caso de um homem que desmaiou de puro medo no momento da vacinação, refletindo a ansiedade e o pânico que permeavam a sociedade.

          Ele também refletiu sobre as alterações percebidas no território e no atendimento domiciliar. Inicialmente, houve resistência a visitas em casa devido ao medo do contágio, mas essa realidade mudou com o tempo, e as visitas se tornaram mais bem aceitas, o que foi crucial para monitorar e manter a saúde da comunidade. O aumento subsequente na procura por atendimento médico na unidade de saúde após o pico da pandemia foi significativo, dobrando o número de atendimentos e ampliando a necessidade de serviços para além do COVID-19, abrangendo condições crônicas como diabetes e hipertensão.

          Ao fornecer conselhos, o agente de saúde enfatizou a importância da vacinação e da priorização da vida, ao mesmo tempo em que expressou um reconhecimento sincero pelo trabalho incansável de seus colegas profissionais de saúde. A dedicação destes profissionais foi pintada como a linha vital que não só salvou inúmeras vidas, mas também manteve o tecido da sociedade unido em tempos de crise.

         Por fim, o agente de saúde destacou como a Secretaria de Saúde e as unidades de saúde se mobilizaram e se organizaram eficientemente, garantindo a distribuição de testes e vacinas. Ele celebrou o esforço coletivo realizado, considerando-o bem-sucedido no enfrentamento da pandemia. 

Taís, se autodeclara preta, solteira, sem filhos, é uma agente comunitária de saúde de 26 anos que trabalha no Rio de Janeiro há quase 2 anos. Ela teve covid-19 2 vezes em um período de 10 meses, o que gerou muita insegurança, já que morava com 3 idosos na época, “então eu tive muito receio, nem tanto por mim, mas por eles, então eu fiquei bem insegura”. Na primeira vez, em janeiro de 2022, Taís já estava vacinada com todas as doses disponíveis na época, mas foi seu avô quem primeiro contraiu o vírus, e ela foi a última a ser infectada em casa.

Durante o período de isolamento, foi difícil para Taís, pois a casa em que ela morava não permitia um isolamento adequado, já que os quartos eram interligados. Mesmo com o uso de máscaras, ela não conseguiu se isolar completamente. “Como eu fui a ultima, meio que eu ficava mais afastada, a gente ficava de máscara, mas não teve mesmo como se isolar”. Na segunda vez, no final de 2022, Taís relata que a experiência foi mais tranquila, pois foi a única a pegar o vírus novamente e os sintomas foram leves, como febre. “A primeira foi um caso desconhecido, estava com muito medo, mas a segunda não. A segunda foi mais tranquila, no caso, só eu peguei lá de casa, ninguém mais pegou novamente, então meio que eu fiquei de máscara mesmo sem conseguir me isolar totalmente, e acabou que ficou tudo bem, foi mais tranquilo do que a primeira vez”. Ela seguiu as orientações de isolamento em casa e, depois disso, retomou sua rotina com os mesmos cuidados de antes.

A experiência de ter contraído a covid-19 2 vezes fez com que Taís se preocupasse principalmente com a possibilidade de infectar os idosos com quem morava. Ela recebeu muitas orientações de sua família sobre o uso de máscaras e álcool em gel, pois todos estavam inseguros devido ao alto número de mortes e casos conhecidos:

 “se cuida, usa máscara, usa álcool em gel, meio que sempre os meus avós repetiam isso para a gente ter o cuidado, porque era realmente uma insegurança devido a tantas mortes, até a questão de conhecidos, eles ficavam bem inseguros”.

A vacinação foi vista como uma esperança para Taís e ela se sentiu motivada a se vacinar e incentivar sua família a fazer o mesmo: “A experiência da vacina foi algo bem novo, meio que também uma esperança, porque a gente sabe que a ciência vem ao longo dos anos fazendo muito pela saúde de todos, e foi importante tanto me vacinar quanto incentivar a minha família em meio aquela insegurança, a se vacinar também”.

Como agente comunitária de saúde, Taís desempenha um papel importante na comunidade, incentivando e esclarecendo dúvidas sobre a imunização. Ela percebe que ainda existem pessoas com dúvidas e algumas que não se vacinaram por falta de conhecimento, “ainda existem pessoas que não se vacinaram, as vezes por falta de conhecimento, então meio que eu vejo que o nosso papel como agente comunitário de saúde é levar essa informação para que eles não deixem de se cuidar, de se imunizar, devido a essa falta”. Portanto, ela vê como sua responsabilidade levar informações e incentivar as pessoas a se cuidarem e se imunizarem, buscando alternativas para levar a vacinação aos pacientes que têm dificuldades de acesso, pois “tem também a questão de ‘ah, não dá para ir até a unidade’, a gente vê outros meios, junto a equipe técnica, de levar essa vacinação para esses pacientes”.

A pandemia trouxe mudanças significativas na forma como Taís exerce sua profissão. Ela percebeu que houve uma redução nas visitas domiciliares devido às medidas de distanciamento social e maior demanda por vacinação e testagem de covid-19. “Assim que eu cheguei, eu vi que tinha algo diferente do que já era, do que já acontecia com a profissão de agente comunitário de saúde. Não estava atuando da forma que era antes devido a pandemia, devido a questão de distanciamento social…”

A pandemia também teve um impacto na saúde mental das pessoas, incluindo a ansiedade e a depressão. A entrevistada testemunhou isso em sua própria família, onde seus avós tiveram que ficar isolados por um longo período e seu avô desenvolveu sintomas de depressão devido às perdas de pessoas conhecidas. Ela acredita que as pessoas focaram tanto na pandemia que se esqueceram de cuidar de outros aspectos de sua saúde, “eu vi que a questão da ansiedade e a depressão tiveram um impacto muito grande, além de outros, né? Como as pessoas focaram tanto na questão do distanciamento, tanto na questão da pandemia, que esqueceram de outros cuidados pessoais com a própria saúde”

A falta de oxigênio nos hospitais foi um dos aspectos mais marcantes da pandemia para ela. E também menciona a procura intensa por testes e internações, que eram noticiadas diariamente. Como agente comunitária de saúde, presenciou diferentes reações das pessoas em relação à vacinação, desde apoio e agradecimentos até recusas e questionamentos:

“a gente presenciava bastante, tanto pessoas que apoiavam, que falavam ‘parabéns pelo trabalho de vocês’, ‘parabéns, viva a ciência’, como pessoas que recusavam, que falavam que não vão tomar, pessoas que questionavam, mesmo a gente dando a devida informação, a informação correta para que eles compreendessem  qual é o objetivo da vacina, essa recusa realmente teve”.

Ela também relata que a pandemia foi um momento muito difícil, “a gente viveu um período bem difícil, que a gente tinha o costume de visitar a família, de fazer um aniversário, de abraçar. Eu acho que o que pegou mais foi a questão do abraço. Me chamou muita atenção porque a gente ficava com muito receio, como era algo desconhecido…” . Porém, com o anúncio do fim da pandemia pela Organização Mundial de Saúde, Taís acredita que existe uma esperança de que a vacinação esteja funcionando e tenha trazido mudanças positivas. No entanto, ela pessoalmente ainda não conseguiu abandonar o uso de máscaras completamente, mas vê que os casos diminuíram de acordo com a testagem. 

Por fim, a entrevistada aconselha as pessoas que contraíram a covid-19 a seguir as orientações durante o período de isolamento, se hidratar e esperar o término desse período para proteger a si mesmas e aos outros. Ela também incentiva as pessoas a se vacinarem, destacando a importância da imunização para superar a pandemia e evitar retrocessos, “se não tomou a questão da vacina, se não foi imunizado, que tome essa atitude, porque a gente vê que por meio da vacinação, por meio da ciência, nós chegamos onde estamos hoje. E assim, essa questão deve continuar, que a gente não venha a retroceder na questão da pandemia”.

Letícia, 41 anos, se autodeclara parda, casada com 1 filho  é agente comunitária de saúde há 13 anos na clínica Maria do Socorro, na Rocinha. Ela também é técnica em saúde bucal, mas nos disse que prefere a atuação como agente comunitária de saúde: “é o que eu mais gosto de fazer”. 

 

Ela começa nos contando que não contraiu covid-19, assim como seus parentes também não. Letícia define o início de sua experiência como profissional da saúde na pandemia como “desesperador”, pois foi um acontecimento novo, que não era esperado por ninguém. Com o decorrer da pandemia, ela contou que a sua equipe passou a desenvolver trabalhos de forma remota para orientar e auxiliar os pacientes da clínica. 

 

O que marcou Letícia nesse período pandêmico foi ver os pacientes mais idosos da clínica falecerem por covid-19, assim como ter que fazer uma busca ativa de pacientes que moravam sozinhos para levá-los até a clínica. Ela contou sobre uma paciente idosa que precisou, junto com uma enfermeira, fazer uma visita domiciliar e quando chegaram na residência, a idosa estava com muita falta de ar. Ao ver a situação, as profissionais amarraram um lençol em volta da idosa e a levaram para a UPA, onde foi internada, porém, a senhora faleceu após 1 semana. Ela conta que foi uma experiência marcante.

 

Para manter a rotina da clínica, os profissionais receberam equipamentos de proteção individual (EPI), e a entrevistada nos conta que a clínica sempre tinha os EPIs separados em kits. Outro ponto foram os testes de covid-19, que na clínica havia uma área separada para que os testes fossem realizados.

 

Com a chegada da vacina, Letícia tomou 4 doses e sempre teve reações adversas, entretanto contou: “foi um sentimento de esperança. Tanto que na primeira dose, teve pessoas lá no trabalho que choraram, que ficaram emocionados, até profissionais que já tinham um pouco mais de idade, então a vacina foi esperança”. Ela compartilhou que no período de vacinação, o trabalho do agente de saúde era ir nas residências para cadastrar e conhecer os pacientes, e ela ressalta a importância de criar um vínculo com o paciente. E, para Letícia, isso é importante pois transmite segurança para adesão da população à vacina. Ela diz que o trabalho de conscientização da vacina era um trabalho de “formiguinha” e árduo, relata que os jovens eram o grupo que mais se negava a tomar a vacina, buscando convencê-los. 

 

Letícia também teve a experiência de trabalhar em um local da zona sul do Rio de Janeiro com a vacinação e diz que lá aconteceu de as pessoas quererem escolher a vacina que tomariam, que presenciou até mesmo violência física. Entretanto, observou que na Rocinha não havia essa questão de questionamento sobre a vacina que receberam: 

 

“As pessoas com poder aquisitivo maior acham que podem tudo. Chegam lá e já começam a querer impor ‘ah vou ligar para o secretário’. Já teve  algumas pessoas que chamaram  a polícia, porque falaram que não queríamos dar a vacina e às vezes nem tinha a vacina lá. Então, eu acho que foi isso, porque na Rocinha não vi nenhum caso da pessoa não querer, ou querer escolher, arrumar algum tipo de briga por conta de não ter a vacina que ela quer tomar.” 

 

Com isso, ela destaca um ponto negativo de ter trabalhado com a vacinação, que foi a arrogância das pessoas. Letícia contou que havia pessoas que quando exigiam determinada vacina e não eram atendidas rasgavam o papel de comprovante e jogavam nela: “foi estressante”. 

 

Com a onda da ômicron, ela contou que após as festas de ano novo, haviam muitas pessoas que positivaram, mas a gravidade foi menor do que as outras ondas. Percebeu também que haviam pessoas que deveriam ter tomado 4 doses e havia somente uma dose. Com esse aumento súbito dos novos casos, a clínica precisou de uma nova estruturação espacial e separou uma sala para comportar esses pacientes. 

 

Do ponto de vista pessoal, Letícia acredita que sua sensibilidade e o medo da perda afloraram, principalmente, pela perda de pacientes da clínica. Ela compartilhou que é uma pessoa ativa, que malha e com a pandemia se viu privada de ir a academia. Com isso, passou a fazer exercícios em casa e conta que isso ajudou muito. No trabalho, ela acredita que os profissionais se uniram para dar conta da demanda que chegou com a pandemia. Com relação aos pacientes, ela conta que, por não poderem ir fisicamente aos domicílios, ao manterem contato pelo telefone, isso os aproximou mais. Ela contou que sempre tenta dar o seu melhor e não viu mudança de tratamento por parte dos pacientes e se orgulha de ser próxima dos pacientes. Com essa proximidade, também vinham desafios ao ter que enfrentar notícias falsas que circulavam na mídia. Ela diz que haviam muitos pacientes que acreditavam no “kit covid”, e ela tentava orientar a não fazerem auto medicação. Além disso, seu trabalho ultrapassou os limites profissionais, ela conta que a clínica  teve que pedir cestas básicas, inclusive comprar do próprio bolso, entrar em contato com ONGs para ajudar a população, pois ocorreu muita perda de emprego e as pessoas começaram a passar fome. Atualmente as coisas voltaram ao normal, mas o período da pandemia foi muito difícil.

 

Como mensagem positiva para pacientes que testaram positivo, ela ressalta que na Rocinha é difícil orientar o isolamento, pois os domicílios, geralmente, estão lotados: “como você vai orientar o isolamento se as pessoas moram em um quadrado, fica difícil”. Para ela, dentro do possível as pessoas devem usar a máscara, lavar as mãos e deixar a casa bem ventilada. Para familiares e profissionais ela diz que as orientações são as mesmas, usar máscara, se puder se isolar, e uso de álcool em gel. Nesse ponto, ela diz que os pacientes já chegam atentos em se prevenir. Quando chegam gripados, já estão com máscara ou então pedem uma máscara na clínica. E ela percebe que isso é fruto do trabalho que eles tiveram em educar as pessoas da clínica. Por fim, ela ressalta para quem trabalha que sempre dê o seu melhor, pois os pacientes precisam desse cuidado: “tem que ter amor no que faz”.