Atenção: todos os videos deste WebSite possuem legendas. Para ativá-las, clique no ícone na barra inferior do video.
Muitos relatos destacam como o IMIP desempenha um papel central, seja na avaliação pré-transplante, na realização da cirurgia, ou no tratamento pós-operatório e de complicações. A duração e o propósito das internações variam consideravelmente, e a experiência individual dos entrevistados também varia em termos de duração da internação, razões para internação, e a experiência emocional associada.
Mais do que um procedimento médico, o transplante cardíaco representa uma experiência profundamente humana que envolve expectativas, medos, surpresas e descobertas. Cada paciente vivencia de forma singular, mas há elementos comuns que conectam essas histórias: a vulnerabilidade, a esperança, o cuidado da equipe médica e a força interior que emerge diante do desafio do transplante cardíaco.
A internação prolongada pré-transplante
A fase pré-transplante é marcada também por internações frequentes e de duração variável, dependendo da gravidade da condição de cada paciente. Andressa e Mirko relataram múltiplas internações devido a agudização dos seus problemas de saúde, enquanto Pedro Assis, por exemplo, sofreu internações mais prolongadas devido ao cansaço e à arritmia.
Andressa: O processo foi muito difícil do Agamenon até chegar aqui eu tive, eu tive muita recaída. Eu praticamente morei na UTI. Eu só vivia na UTI. E foi muito difícil assim. Quando, quando foi no outro dia, ele veio. Aí ele pegou, “você tomou a decisão que eu já tinha tomado já”. Ele agora, ele fez, “agora quero que você vá ciente de que eu garanto o seu transplante, eu não garanto a sua vida”. Mas aí eu sei, seja o que Deus quiser. Se eu não me engano, eu não sei se foi dois dias quando meu transplante chegou, no dia seguinte, eu não lembro bem. Então a equipe médica veio no outro dia.
Mirko: Às vezes eu passava a noite em claro, quando eu vinha tirar um cochilo já era de manhã. Porque dormir mesmo eu não dormia, não sentindo agonia direto. Sempre baixa no hospital, baixa no hospital, voltava para casa. Minha vida era essa. Minha vida durante cinco anos foi, praticamente, dentro do hospital.
[Entrevistador: E o que é que te fazia ir para o hospital, assim, era o inchaço também?]
Mirko: Inchaço, dor abdominal, essas coisas. Ânsia de vômito. Vômito mesmo. Muita coisa que aconteceu.
Pedro Assis: Aí fui, procurei um médico, cardiologista, aí ele me enviou diretamente para o PROCAPE. Aí do PROCAPE eu passei na faixa de cinco a seis anos internado. Era mais internado do que na minha casa. Eu passava um mês e três dias, um mês e cinco dias internado. Quando ele me dava alta, ia pra casa. Eu estava com dois, três dias, estava voltando de novo.
[Entrevistador: E sempre por causa do cansaço ou tinha mais algum?]
Pedro Assis: Sempre por causa do cansaço, com arritmia. Eu tinha arritmia muito forte.
[Entrevistador: Arritmia também.]
Pedro Assis: Arritmia forte. Então eu cheguei a levar até choque para afastar a arritmia. Aí fiquei nesse período aí: indo pra casa, voltando, indo pra casa, voltando e nisso aí fiquei cinco a seis mês, cinco a seis anos.
Para alguns pacientes, como foi o caso do Valdeir, além de lidar com a frustração da espera do coração no hospital, houve também a experiência ruim de presenciar a morte de pessoas que também estavam internadas e faleceram antes ou após o transplante por alguma complicação, o que tornou a experiência hospitalar mais difícil.
[Entrevistador: Entendi. E no período que você ficou nesses três meses internado, teve alguma situação? Alguma pessoa que faleceu? Alguma coisa?]
Valdeir: Teve! Teve umas 3 a 4 pessoa que eu vi falecer. Principalmente na UTI.
[Entrevistador: De complicação de transplante, você diz?]
Valdeir: Aham. Tipo, tinha gente que não tinha condições e os médicos mesmo avisavam. Mas a família, tipo, insistia, insistia, insistia e fazia. Quando fazia, não resistia.
A internação para o transplante
O momento do despertar, após a cirurgia, pode ser marcado por confusão mental, quando alguns pacientes não tinham noção do tempo transcorrido, nem do local onde se encontravam. Com a percepção da realidade alterada, muitos não compreendiam de imediato o que aconteceu.
Carlos: Na verdade, eu passei sete dias na UTI e pra mim eu tinha passado horas. Você acredita? Lá na UTI, a minha mulher que fala, eu briguei com o doutor, eu briguei com o vizinho lá. Porque quando eu acordei, que eu dei por mim mesmo. Aí, o doutor olhou pra mim, abriu olho aqui, olhou minha... "Que hora... Que dia tu acha que é hoje, Carlos?" Na minha cabeça já tinha passado três dias, né? "Hoje é dia tal." Ele disse: "Não, hoje é domingo. Passou sete dias aqui. Sabe o que é isso aqui?" Eu digo: "Um relógio, né?" "Um relógio. Que horas?" Aí eu: "Onze e pouca." Sei lá. Aí, ele disse: "Você tá de alta, você vai... De alta não. Você vai pra enfermaria lá pra sarar a cirurgia, essas coisas." Aí veio a enfermeira. Ela disse... O que ela falou, meu Deus? Ela disse, ela falou: "Tá lembrando de mim?" Eu digo: "Não, porque aqui todo mundo está de máscara".
Carlos: Aí, brinquei, brinquei com Dr. Fernando. Porque eu digo: "Rapaz, eu acho que eu tava até amarrado." Tava tudo roxo aqui, sabe? Minhas pernas. "Eu tava amarrado?" Ele falou: "Tava amarrado. Tu brigou com todo mundo." Eu digo: "Meu Deus!" Então foi sete dias que eu não vi nada. Fiz essas presepada toda lá e não lembrei de nada. Depois falei com o Dr. Fernando: "Dr. Fernando, disseram que eu briguei até com o senhor?" "Foi, rapaz. Mas não esquenta, não. Você não foi o primeiro, não."
Para outros pacientes, o despertar é mais sereno. A surpresa de já ter sido transplantado, de estar acordando bem, faz com que seja difícil para eles acreditar que o procedimento realmente já aconteceu e deu certo.
Andressa: Aí quando eu me acordei, eu acho que ainda era de madrugada. Quando eu to olhando assim pra mim. Aí eu olhei pra ele, eu disse “doutor”, e ele: “diga”, “eu fiz o transplante?” “Fez”. Eu disse: “os dois?” “Sim.” Eu achava que eu tinha feito só o do coração, né? Só o do coração. Aí eu olhei para ele. Não, só o do rim. Achei que só o dos rins. Aí ele: “você não tá acreditando, não?” Eu fiz: “não”. Até porque eu não sentia nada, né. Eu acordei sem tubo, sem máscara. Me acordei bem. Aí ele: “você não está acreditando, não?” “Não.” Aí ele, “olha o tanto de xixi, essa é a segunda bolsa, seu transplante foi um sucesso. Seu rim funcionou assim que colocou.” E nisso eu não tinha olhado, né, que eu tava... Aí depois me deu uma dor na parte do enxerto, ele me deu uma medicação. Quando eu me acordei de manhã com Dr. Fernando gritando: “Eita ... Parabéns, Andressa!” Foi quando eu olhei o esparadrapo daqui. Aí eu disse: “eu fiz o transplante!” Aí ele: “fez! Você não tá acreditando!?” Eu fiz: “não. Eu achei que eu só tinha feito o dos rins.” Ele: “não, seu transplante foi um sucesso.” Aí foi uma festa.
A experiência na UTI pode ser marcada por lacunas de memória e alterações na percepção, fenômenos comuns no pós-operatório de cirurgias de grande porte. Alguns pacientes relataram ter pouquíssimas lembranças dos primeiros dias. Outros vivenciaram períodos de confusão mental e alterações visuais.
Claudia: Eu não lembro muita coisa não... Assim, assim. Eu lembrei de dias depois, né? Porque eu só me lembro muita coisa do que o meu menino fala, que me viu, que eu respondi, falava assim. Assim, durante da UTI para o quarto, eu não lembro muita coisa não.
Edmar: Eu tive alucinação. Eu sei que eu acordava na UTI, duas vezes na segunda, na sexta e no sábado eu tive, mas depois acabou, não tive mais não, só na primeira semana.
Edmar: Dormir não dormia. E meu olho, assim, eu não via nada, tudo escuro. Tudo claro, mas na minha vista era tudo escuro. Tudo que se pode passar na mente, mas depois na segunda, sexta e no sábado acabou, não tive mais nada não, só o AVC, o coração tá perfeito.
Alguns pacientes experimentaram recuperações que surpreenderam até mesmo a equipe médica, despertando rapidamente e apresentando sinais de melhora precoce. Essas experiências contrastam com as expectativas e mostram a variabilidade individual na resposta imediata ao transplante.
Cícero: No quarto dia eu já tava caminhando. Falando direitinho lá no médico, andando, procurando as coisas, perguntando se eu não tinha esquecido de alguma coisa. Procurando a data do dia todo, do mês e eu respondendo.
Auricélia: Eu passei aqui no hospital, eu acho que uns dez dias. Dez, de 10 a 12 dias.
[Entrevistador: E foi pra casa?]
Auricélia: Pra casa. Eu não fui antes pra casa após transplante... Eu me acordei do meu transplante com duas horas depois de entubada, eu me acordei. Foi uma coisa muito, que todo mundo se admirou. O povo dizia assim: "Oxente, Dona Auricélia já tá?" Foi! Rápido mesmo. Eu pra sair da UTI, eu só demorei porque na hora que eu acordei eu pedi água. "Eu quero água, quero água, quero água." As técnicas de enfermagem serviram quentinha, me deram água. Quando me deu água, o pulmão encheu.
[Entrevistador: Eita!]
Auricélia: Aí, tudo que o pulmão encheu eu continuei no hospital. Mas a enfermeira, eu pedindo água, antes ela não tivesse dado água a mim, eu acho que eu tinha saído bem mais rápido!
[Entrevistador: E ainda assim saiu rápido, né?]
Auricélia: Foi. Graças a Deus, graças a Deus, eu não tive. O meu transplante foi uma coisa muito diferente de Andrea. Muito diferente mesmo.
Há pacientes que, mesmo após uma operação cirúrgica longa, demorada e complexa, acordam de seus pós-operatórios completamente gratos e felizes, com um sentimento genuíno de alívio de suas aflições, por finalmente terem conseguido realizar suas cirurgias.
[Entrevistador: E o que é que você se lembra desse período da cirurgia? Logo quando você acordou na UTI?]
Mirko: É. Logo que retornei na UTI, eu fiquei bastante feliz. Quando eu olhei, quando eu olhei para meu peito que vi a faixa branca no peito ali. Ali foi um momento de alegria e vida ao mesmo tempo. Eu fiquei bastante feliz porque eu vi que tinha feito a cirurgia, né? Era tudo que eu mais queria.
A internação prolongada pós-transplante
Nem todas as cirurgias para o transplante transcorreram sem dificuldades. Alguns pacientes enfrentaram complicações, que prolongaram a internação e tornaram o processo de recuperação mais desafiador, exigindo cuidados especiais e acompanhamento intensivo.
Andrea: A cirurgia em si correu muito bem, mas depois a recuperação pra mim foi muito difícil. Como eu tenho essa deficiência do lado esquerdo, a mobilidade que já é reduzida, eu perdi. Fiquei com uma insuficiência renal na UTI, mas não cheguei a fazer hemodiálise porque o nefrologista sempre optava por não fazer e os cardiologistas queriam. Mas graças a Deus terminei não fazendo. Aí eu fui pra, pra o leito, né? Enfim, eu passei três meses e dois dias.
[Entrevistador: E depois da operação, o que é que você se lembra?]
Lenielson: Depois, depois é ruim a UTI, né, é ruim. É muita coisa, né, coisa boa não. Dizer que é bom não é não. Vai viver, tava lá, ficava na UTI. Fiquei vinte e dois dias na UTI.
[Entrevistador: E como é que foi esse período?]
Lenielson: Né muito bom não, viu, é ruim.
[Entrevistador: Me conta.]
Lenielson: Muita injeção você toma. O sofrer, sofre muito, também, que é muita agulhada direto, é muito ruim. É bom não. Vinte e dois dias na UTI é sofrimento, sem ver ninguém, sem ver a família, só vê só na hora da visita. Né muito bom não. O cara passou uma fase que parece que o cara morreu e nasceu de novo. É bocada, só Jesus. Tem que zelar muito pelo coração e tomar os remedinhos do cabra pra viver uns dias, né. Se o cabra fazer, fazer o que não pode, morre. O cabra vai vivendo até o dia que Deus quiser. É ruim, não é muito bom não. Tá bom agora que tá tudo só consulta, vem. Agora só é sossego, né.
A experiência hospitalar no IMIP gerou muitas vezes um profundo reconhecimento e gratidão pela qualidade do atendimento recebido. Os pacientes destacaram o tratamento humanizado e a dedicação da equipe, independentemente de ser um hospital público.
Danilo: Obrigatoriamente, são sete dias, só que na UTI mesmo eu passei cinco, aí fui para a UTI hemodinâmica, que é praticamente uma enfermaria, certo, mas, já tinha tirado todos os aparelhos, só tava só com, já tinha tirado tudo. Já ia pro banheiro, tudo só, graças a Deus. Ah sim, a equipe, na época, muito boa. Assim, primeiramente Deus, depois os médicos e os enfermeiros, todos, eu nunca pensei de ter um acolhimento como o que eu tive aqui. Eu tive um tratamento como se eu estivesse pagando, como se eu estivesse num hospital particular. Do IMIP eu, graças a Deus, não tenho o que dizer não. De faxineiro ao médico, só Deus que tem que abençoar todos eles.
Alguns pacientes quebraram preconceitos em relação ao SUS durante a experiência hospitalar na trajetória do transplante cardíaco. Embora tenha muitos problemas, a qualidade do sistema de saúde brasileiro, seu grande feito em salvar vidas ameaçadas por doenças graves como a falência cardíaca, faz com que muitos pacientes passem a ser defensores do SUS após o transplante.
Felipe Valério: Quando eu comecei a ver que eu ia complicar e precisava pensar no futuro, ah, não vai ter jeito não, eu vou, eu vou para o SUS mesmo, porque tudo que eu escutava falar do SUS era só, era tudo, tudo mentira. Falavam para mim assim, "você vai demorar não sei quantos anos para você, quantos meses para você fazer uma consulta". Não sei quanto, mas quando eu fui entrar no sistema SUS, aí as consultas eram todas periódicas, tudo direitinho, os exames, tudo certinho. Aí remédio no posto, né? Aí eu me surpreendi, aí eu passei. Hoje eu sou um defensor do SUS, mesmo com tudo quanto é problema que a gente escuta, de questão de corrupção.
Gorete: Eu era da Bahia, vim morar aqui. De repente eu tô na mão do Dr. Rodrigo. A dedicação que ele tem é um amor de mãe. Não incondicional como de mãe, a gente não pode comparar. Mas é um amor que você não entende porque. Porque são pessoas que querem lhe ver bem, que fazem tudo pra você estar bem, que assim às vezes eu sinto uma coisa, aí eu ligo: "Ô Patrícia, eu posso ir pra Emergência, eu tô sentindo isso." "Venha logo, já vou avisar lá que você vai chegar." Então isso é SUS, né? Você não tá pagando, você tá... Você já pagou, mas é uma dedicação muito grande que eles têm.
A experiência hospitalar de pacientes como Marcos foi marcada por uma grande tomada de consciência e responsabilidade acerca da importância das campanhas pró doação de órgãos, a qual ele fez questão de realizar antes e depois do seu transplante, mesmo quando ainda estava no hospital:
Marcos: Dr. Fernando ele foi, ele chegou para mim quando eu estava internado, ele chegou pra mim: "Marcos, quer fazer uma entrevista com a Globo pra pedir doação de órgãos?" Eu digo, "quero, Dr. Fernando". Aí ele trouxe três camisas do Sport, que ele é torcedor do Sport, aí ele me deu uma. Aí logo ele assinou, eu vesti. Aí pedi doação de órgão para mim e para outras pessoas. Aí depois, quando eu saí, quando eu fui transplantado, aí fui para casa. Aí, quando passei um tempo, a Globo ligou pra gente ir para Ilha do Retiro pedir doação de órgãos para outras pessoas. Aí foi eu, o Zé do Rádio, do Sport, e mais dois rapaz, foi quatro. Aí fui para Ilha do Retiro pedir doação de órgão para outras pessoas."