Seu coração chegou

Atenção: todos os videos deste WebSite possuem legendas. Para ativá-las, clique no ícone na barra inferior do video.

Para quem vive à espera de um transplante, o momento em que a equipe médica diz "seu coração chegou" é inesquecível. Para alguns, é um choque, para outros, uma paz inesperada. Há quem chore, quem ria, quem não acredite — mas, em todos os casos, é um instante que marca uma nova chance de viver.

Alguns pacientes contam que o momento foi cercado por surpresas, confusão e até situações inusitadas. Jeová, por exemplo, achou que a ligação do médico era trote — estava com o telefone tocando no meio de uma conversa com a companheira e, quando atendeu, entendeu que seu coração havia chegado. A surpresa virou correria: a equipe médica foi até sua casa, deram banho, rasparam seus pelos e o levaram direto para a UTI. Ele mal teve tempo de assimilar o que estava acontecendo.

"Era o Dr. Rodrigo, [...] ‘estou ligando pra você dizendo que veio o transplante. Eu liguei para o hospital, pra UTI, que a sua vaga já tá lhe esperando, o seu leito tá esperando.’  [...] Aí foi uma equipe médica em casa. [...] Então quando chegaram foi um pegava no braço, a outra pegava no outro, o outro pegava na perna pra agarrar no cabelo e me depilaram todo. E a casa era grande, banheiro tem espaço, era tudo dentro do banheiro, então deram aquele banho. Eu já saí, já saí dali no soro. Foi uma UTI lá pra casa, que eu saí no soro já. Quando cheguei aqui, direto para a UTI, 5h no transplante."

 

Outros viveram esse instante com uma mistura de alívio e angústia. Maria do Carmo já havia passado pela experiência de ir para o centro cirúrgico e, no meio do procedimento, descobrir que o coração não era adequado. Por isso, quando finalmente foi chamada, viveu uma felicidade contida, mas agradecida.

"Aí, chegou a enfermeira e o médico. ‘Bora Maria do Carmo, bora Maria do Carmo! Chegou seu coração.’ Eu fiquei ‘Meu Deus!’ Eu fiquei assim, sabe? Aí eu parei, agradeci. Fui botar a roupa nas carreiras, ficar toda preparada. Aí eu fui pro bloco. Só o que eu me lembro, só isso."

 

Há também aqueles que, mesmo nas piores condições físicas, levantaram as últimas forças para aceitar o chamado. Jonean já não conseguia andar quando soube que o coração compatível havia chegado. Foi carregado até o carro pelo filho e entrou na cirurgia com a serenidade de quem entrega a vida nas mãos de Deus.

"Aí, Patrícia ligou pra mim: ‘Seu Jonean, olhe, chegou um coração aqui que é a sua cara.’ Ai me deu mais uma alegriazinha, né? Aí eu disse: ‘Senhor, meu Deus, vou tentar. Se eu morrer tô nas tuas mãos.’ Liguei. ‘Olhe, quatro horas da tarde ligo pra você. Se bater o eco do coração.’ Aí, ela ligou. Aí disse: ‘Oh, Jonean, bateu. É seu, venha simbora.’ [...] Não andava mais, não. Aí, buchudão. Já pálido já. A cor da morte. Aí meu menino foi, me botou no carro e eu vim. Eu disse: ‘Agora... Se eu morrer, tem problema não.’"

 

Teresinha é um exemplo de serenidade. Ela estava dormindo quando recebeu a notícia. Esperava que fosse se desesperar, mas sentiu uma paz enorme. Ficou tão disposta que quis ir ao hospital a pé, e acabou indo de bicicleta com o marido. Seu relato mostra como, para alguns, o medo se transforma em tranquilidade quando a hora finalmente chega.

"Eu pensei que quando eu soubesse da notícia ia ficar nervosa, mas eu fiquei tão tranquila, fiquei, foi uma paz tão grande assim que eu nunca esqueci. Parecia, assim, que eu acordei tão bem assim. Meu esposo: ‘Vamo chamar um Uber’ eu: ‘Não, quero ir a pé!’ Eu queria ir a pé. Eu tava tão disposta, nervoso de jeito nenhum. Pelo contrário, quem ficou nervoso foi meu esposo. E eu numa paz. Fui tomar banho e ele era avexado. Mas tem duas horas pra eu tá lá no hospital. Foi uma paz muito grande. Parece que sumiu o medo.”

 

Rosimeri viveu a frustração de, numa primeira chamada, o coração não ser para ela. Voltou para casa, mas dois dias depois recebeu a ligação definitiva. Já sabia o que estava por vir, e seguiu para o hospital com tranquilidade, mostrando como a espera pode amadurecer até mesmo a forma de encarar a cirurgia.

“Foi quando Patrícia ligou, aí eu pensei na hora ‘É o transplante.’ Aí, eu vim. Aí, nesse dia... Pronto, né, que eu fiz a cirurgia dia 27. Aí, dia 25 foi quando eu fui chamada. [...] Aí, tinha mais duas pessoas e um coração só. Aí, ia ver para quem ia ser. Aí, foi pro rapaz. Aí eu voltei para casa. Aí no sábado que foi dia 27, ela ligou de novo. Que o coração chegou pra mim. Eu tava tranquila. Eu vim tranquila, sem medo, sem nada."

 

O tempo de espera é outro elemento que marca essas histórias. Para alguns, foi rápido, como Pedro Assis, que recebeu o coração em apenas dois meses, vivendo o momento como um milagre. Outros, como Carlos Henrique, esperaram quase um ano e passaram por tentativas frustradas, o que torna o momento do "agora é pra valer" ainda mais emocionante.

“Quando chegou pra mim foi uma surpresa, porque eu não esperava, porque muitos morrem na fila de espera e não aparece o coração. E pra mim, Deus queres e Jesus botou no meu caminho meu coração, com dois meses saiu."

Josiane (mãe de Carlos Henrique): “E ele teve de... Ficou na fila dez meses. Dentro de dez meses apareceram três coração. Eu fui chamada três vezes, mas nenhum deles foi compatível. Só na quarta que foi. Aí eu estava internada aqui no hospital. [...] Com ele. No mesmo dia que ela me deu alta, quando eu cheguei lá no bairro Dois Irmão, ligaram pra mim voltar."

 

José Alves viveu um verdadeiro turbilhão de emoções: foi chamado mais de uma vez, mas o coração foi para outra pessoa. Quando finalmente chegou sua vez, ele estava tão ansioso que tentou resistir ao sono da anestesia, queria ver tudo acontecer. Mas o corpo não resistiu e apagou. Sua memória do dia é uma mistura de nervosismo, medo, gratidão e surpresa.

"A minha esposa foi simbora e eu fiquei sozinho a noite todinha. Eu me alembro ainda, quando foi, acho que umas três e meia da manhã, umas três e meia da manhã, eu conheci por causa do bem-te-vi, o passarinho que ficava logo de manhãzinha [...]. Aí chegou os dois médicos na beira da minha cama: ‘Zé Alves, chegou sua hora viu, como é que você tá?’, eu disse: ‘tô bem, doutor.’, [...] e eu fui andando direto pra, pro centro cirúrgico que fica de lado da UTI né. [...] mas uma frieza, um gelo de madrugada, eu ficava tremendo, e eu sentado esperando lá, fiquei tremendo. Aí o médico veio, olhou eu tremendo, aí foi, disse: ‘você tá com bastante frio’. Eu não vou falar que eu tava também com frio e neuvoso né, que quando eu olhei aquelas porta, que ele passa assim, umas porta que bate num lado e no outro, faz pláco, pláco. Eu fiquei, chega, eu fiquei, nunca tinha entrado, eu fiquei um pouco assustado, eu não vou mentir né, e com frio também. Aí vieram com uma bata, um pano, uma bata, aí me enrolaram, ‘tome se enrola aí’. Aí eu fiquei lá enroladinho, bem enroladinho. Aí passou uns tempinho, eu acho que eles tavam ajeitando algumas coisa por lá por dentro né. Quando passou, disse: ‘Zé Alves, bora Zé Alves’. Aí pegaram num braço e no outro, aí eu entrei lá dentro. Quando eu cheguei lá, eu olhei assim, fiquei todo espantado. Uma máquina assim feito um robô, com uma luz assim, com tudo claridão. Mei mundo de uns dois médico ou era três, aquelas menina lá tudo de azul lá, batendo com aqueles negócio. Eu só fiquei mais neuvoso quando eu vi um quadradinho, assim, chei de ferramenta. Era tesourinha, uns negócio e fazia trec, trec naquele, batendo e eu fiquei um pouco assustado. [...] Eu vou fazer de tudo pra ficar acordado né. Eu dizendo, aquele pensamento e eu olhando prum lado, só mexia a cabeça olhando meio assustado assim, ‘oxe, eu não vou dormir não’."

 

O horário da notícia nem sempre é muito previsível. Alguns receberam a notícia de madrugada, como Marcos, que soube que um coração estava vindo de Aracaju. Outros, como Jorge, estavam perto do hospital e conseguiram chegar rapidamente. Edmar conta que recebeu a notícia à noite e foi direto para a sala de cirurgia, sem tempo para pensar, tudo numa sequência acelerada.

"Aí, quando foi uns, uns 15 dias, aí doutora Verônica ligou de madrugada, 02h00 da manhã, ligou, disse que o Dr. Fernando mandou vir pra me internar e ele disse que ia buscar um coração em Aracaju. Aí me internei."

"’Seu coração tá vindo! Você tá onde?’ ‘Tô aqui perto de casa.’ ‘Pronto, venha simbora’"

"Foi seis meses de espera, viu? Eu estava no Dom Pedro II, era umas 21h00 da noite quando tive a notícia. Na hora foi, foi a alegria. Foi muito grande de emoção. Foi. Foi na hora que chegou a chamada já foi direto para a cirurgia, tudo, tudo seguido, na mesma hora."

 

Danilo e Gilson viveram esse momento com emoção profunda. Danilo caminhou até o hospital mesmo com dificuldades, sentindo uma alegria que parecia energia renovada. Gilson foi surpreendido com a notícia enquanto sua esposa orava por ele. O coração doado era de um menino de 15 anos — um detalhe muito impactante.

“Aí a gente saiu numa alegria, alegre, viemos, vim, eu não caminhava. Nesse dia, aí eu vim, ali, mais ou menos seiscentos metros, dá quase um quilômetro de lá pra cá, a gente veio a pé, ligeiro, porque ele disse vá logo, eu não senti nada, interessante."

“‘Ele fez: não é teu filho não, rapaz, é teu doutor, teu médico, Dr. Rodrigo, cadê tua esposa? Tá, aí?’ ‘Tá não, tá na igreja.’ ‘Ah, pois diga a ela que venha com o senhor rapidamente’, no dia 5 de março, ‘rapidamente, que o seu coração tá chegando. De um menino de 15 anos, também.’ Aí vamos lá na igreja se reunir, aí uma irmã (?) tava chorando, minha esposa, de alegria e de preocupação ao mesmo tempo. Eu não tava preocupado com nada, nem chorando, nem nada. Estava alegre e contente nesse dia, porque Deus me prometeu, o que ele promete, ele cumpre. Nunca foi pela metade, Deus. [...] O coração veio chegar era meia noite. O coração de Petrolina, dessa criança, desse rapazinho. Que Deus o tenha."

 

Já Mirko e Andressa estavam em estados críticos, entre recaídas e fragilidade extrema, quando finalmente puderam receber seus corações. Ambos reconhecem o quanto a chegada do órgão representou não apenas a possibilidade de cura, mas a salvação da vida.

“Aí me internei aqui, passei e passei em torno de um mês aqui, e recebi alta e fui para casa. Aí tive recaída, fui encaminhado para o Pelópidas. De lá me passaram pro Dom Helder e de Dom Helder, me passaram para cá. Aí foi quando eu passei três meses aqui sem poder ir para casa, respirando, respirando. Primeiramente, Deus, segundo os aparelhos, né.”

Clipe mirko (ainda n chegou)

"Quando foi no domingo à noite, por volta de 11h00, apareceu outro coração. Aí. Aí a equipe de médico foi lá na UTI me avisar tudinho, me deixar, me deixar pronto, né? Foram me informar do coração que tinha chegado, que eles iam estudar para ver se era compatível comigo tudinho e que se desse tudo certo, por volta das 04h20 da manhã ele estava me transplantando. E graças a Deus deu tudo certo. Foi compatível tudinho. Quando foi por volta de 04h20 da manhã, me levaram para o bloco, o bloco cirúrgico. Aí realizou o transplante e deu tudo certo, graças a Deus"

"Quando, quando foi no outro dia, ele veio. Aí ele pegou. Você tomou a decisão que eu já tinha tomado já. Ele agora, ele fez: ‘agora quero que você vá ciente de que eu garanto o seu transplante, eu não garanto a sua vida’. Mas aí, eu sei, seja o que Deus quiser. ‘vamos Andressa trocar esse coraçãozinho’, eu balancei a cabeça. Ele fez: ‘posso fechar? Então me dê um pouco mais de tempo para ela ganhar mais peso.’. Ele fez: ‘não, ela não aguenta mais outra parada. Já tinha tido três, né?’ Ele fez: ‘o coração dela não vai aguentar mais uma parada.’"

 

Esses relatos mostram que, embora cada história seja única, todos compartilham a força de quem esperou com fé, enfrentou a incerteza e teve coragem para atravessar a porta do centro cirúrgico. O momento em que o coração chega não é só o início de uma nova etapa médica — é um recomeço de vida.