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O processo de adoecimento do coração, tal como narrado pelos participantes deste estudo, revela uma multiplicidade de experiências marcadas por descobertas inesperadas, sintomas sutis ou marcantes, e contextos de vida bastante diversos. As histórias aqui reunidas mostram como a doença cardíaca pode emergir tanto de forma lenta quanto abrupta, sendo percebida por vezes pelo próprio corpo, por outras por familiares ou profissionais da saúde.
Alguns entrevistados descobriram o problema cardíaco por acaso, durante exames feitos com outros objetivos, como pré-operatórios ou “check-ups”.
"E aí eu fui fazer uns exames lá no Santa Maria. E o médico... Para poder fazer uma cirurgia, sabe? […] É. Aí tenho que fazer um checkup pra fazer cirurgia, né. Aí soube que tinha coisa no coração."
“Eu não pensei que fosse problema saúde, até porque eu ia fazer a cirurgia, entendeu? Só que quando fui fazer os exames que o médico viu, aí aconteceu isso.”
Muitos relatos envolvem o surgimento de sintomas abruptos como dores agudas, vômitos, desmaios ou fadiga extrema, que levaram à busca por atendimento.
“tinha chegado da academia, tomei banho, tudo normal, quando eu vesti a roupa aí eu senti uma agulhadazinha bem fininha em cima do peito esquerdo, não dei por conta, não demorou logo aí aquela agulhada bem forte e a dor, aí já veio a vontade de vomitar. Minha esposa estava deitada que já era quase, tava com uma dorzinha de cabeça, ai eu acordei: "minha filha, eu infartei.”
“Aí comecei a trabalhar de novo em serralharia, aí, de repente, deu aquela baixa em mim e me deixou frio, congelado, igual a freezer mesmo, pedalando de bicicleta, não consegui mais pedalar. Aí eu perguntei Meu Deus, o que é isso que tá acontecendo? Nunca, nunca me senti assim. Aí eu voltei para casa, não consegui ir trabalhar de bicicleta."
“Aí, eu sempre jogava, né? Jogava. Aí, nesse dia eu dei uma carreira. Desmaiei. Quando tornou, tornei desse jeito. Cansado já e o coração... Isso aqui muito... Palpitando muito, né? Aí eu fui procurar um médico."
Alguns participantes apresentavam sintomas ou foram diagnosticados com problemas cardíacos ainda na infância ou adolescência, como Andrea, Carlos Henrique filho de Josiane, e Duarte.
"É, eu descobri quando tinha 14 anos de idade. Minha mãe faleceu. Meu irmão faleceu com 18 anos, a minha mãe com 43. E aí eu fui morar com a minha avó e a minha tia. E eu sempre dizia a minha mãe que eu tinha dor no coração e ela não acreditava. Ela sempre dizia que era mentira, que era invenção da minha cabeça e tal. Aí, quando eu fui morar com a minha avó, aí minha tia foi e me levou pro Hospital das Clínicas.”
“Josiane (mãe): Que faz cateter e ele teve que fazer uma biópsia do coração.
[Entrevistador: Isso ele tinha que idade?]
Ele tava com uns sete anos.
[Entrevistador: Certo. E o que é que ele tava tendo de sintomas?]
Ele começou a cansar, aí... E perder peso no decorrer do tempo. Ai ele sempre, desde que nasceu que ele fazia acompanhamento com a pediatra."
“Eu passava a noite toda sentado numa cama. Botava os travesseiros atrás e eu ficava sentado. Eu não aguentava deitar, porque às vezes doía um pouco, né?
[Entrevistador: Por causa de dor?]
Sim.
[Entrevistador: E o senhor nessa época tinha 12 anos?]
12 anos [em 1983]. Aí quando foi no outro dia, aí minha tia me levou pra me internar e fui internado lá no Hospital Martagão Gesteira, em Salvador. […] Foi fazendo exame e descobriram que tava com problema de coração."
O problema cardíaco foi identificado no contexto de outras condições clínicas, como tuberculose ou problemas respiratórios.
“Como eu tinha assim muito resfriado porque trabalhava a noite durante um tempo, eu tinha problema de pulmão, eu usava uma bombinha pra o pulmão. Aí ele achou, aí passei oito dias lá no hospital, no quinto dia comecei a sentir o cansaço, aí eles acharam que era do pulmão, aí me liberaram eu já cansando.”
“então fiz o tratamento de seis meses e com mais seis meses para frente passei, depois voltei novamente, que era o prazo que eles deram e graças a Deus eu estava bem [tuberculose]. Aí foi onde foi descoberto que eu tinha problema cardíaco. Aí comecei já fazer o outro tratamento.”
Alguns pacientes relataram que suas queixas foram ignoradas ou atribuídas erroneamente a causas emocionais ou banais.
“Andrea: […] Ela sempre dizia que era mentira, que era invenção da minha cabeça e tal. […] Hospital das Clínicas. Aí, lá, nas primeiras consultas eles disseram que era invenção da minha cabeça. Aí eu disse que eu não ia mais pras consultas, porque como era invenção da minha cabeça, eu não ia.”
“Quando chego em casa, eu vou pro posto. Mas só que no posto, rapaz, só dá só… Você ia pro posto e eles faziam só receita. 'Mas Doutor, tô todo inchado…'”
O inchaço corporal, especialmente nas pernas, barriga ou de forma generalizada, surgiu em vários relatos como um dos primeiros sinais percebidos, muitas vezes antes de um diagnóstico preciso.
“Aí quando foi no mês de, da Semana Santa, na sexta feira eu me acordei todo inchado. Minhas pernas, minha barriga meio inchada, aí eu disse: 'Danosse, o que é isso?'”
“Assim, do nada, comecei a inchar e perder o apetite, sabe? Vomitava muito. Aí os médico dizia: 'Ah, é problema de gastrite.' Danaram Omeprazol, aí acho que atacou o coração, (?) pra morrer mais. Aí inchado e eu sempre gostei de trabalhar.”
“Quando começou a aparecer os inchaços, aí foi quando a minha família começou a se preocupar. Aí me levaram para o hospital de lá da cidade mesmo e de lá me encaminharam para mim, para mim vir para o Dom Helder. Aí eu passei, eu passei três anos sendo acompanhado no Dom Helder. Até que a doutora lá viu que, viu que, não tinha jeito a não ser o transplante, né? Aí foi quando me encaminhou para cá."
Alguns entrevistados relataram um processo lento e contínuo de adoecimento, marcado pela piora dos sintomas, limitação física crescente e dificuldades em atividades rotineiras, muitas vezes sem um diagnóstico imediato.
“Era, era, ficava adoecendo aos poucos. Não dormia direito. Comida entrava arranhando tudinho. Era água também a mesma coisa. Era mesmo assim. Não podia andar direito, pegar peso, nada, fazia nada. Andava daqui pra lá, chegava, tirava a camisa, ficava agoniado, tirava a camisa assim, aquele suor frio e cansaço, somente.”
As narrativas reunidas neste sumário revelam que o adoecimento do coração é vivenciado de formas diversas e, muitas vezes, inesperadas. Seja por sintomas sutis, mudanças graduais no corpo, ou descobertas ocasionais durante outros cuidados de saúde, o reconhecimento da doença raramente é imediato.
Ao reunir esses fragmentos, buscamos não apenas mapear os caminhos pelos quais a condição se manifesta, mas também valorizar a experiência subjetiva de cada pessoa em sua trajetória com o adoecer.