O transplante mudou quem eu sou?

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Ao receber um coração novo, muitos pacientes se perguntam se vão mudar como pessoa. Será que a personalidade muda? Será que passa a sentir coisas que o doador sentia? Entre dúvidas, brincadeiras e reflexões, a maioria dos transplantados conta que continua sendo a mesma pessoa de antes, mas com uma nova oportunidade de vida.

Andrea diz que, para ela, o transplante não mudou quem ela é. A maior transformação em sua vida foi provocada por um AVC, que a deixou com dificuldades de locomoção. Ela conta que, mesmo com o coração doente, conseguia viver de maneira independente, fazendo as próprias coisas. Hoje, com um coração saudável, mas sem a mesma mobilidade, luta para manter sua autonomia e reforça: o que mudou foi a sua rotina, mas não a sua essência.

"Doutor, não me sinto outra pessoa depois do transplante, não. Eu sempre digo que se eu não tivesse tido o AVC, talvez eu dissesse que o transplante transformou a minha vida. Mas o transplante já veio muito tarde pra mim. Porque o que mobiliza hoje a minha vida é o AVC, não é o coração.”

 

Andressa também é firme: não mudou em nada. Ela até brinca que, depois do transplante, continua “aperriada” do mesmo jeito, como sempre foi. Em tom bem-humorado, conta que os vizinhos dizem que agora tem “coração de homem”, mas, para ela, o que mudou foi apenas a qualidade de vida, que melhorou muito.

“Mudou nada não. O que mudou é que, graças a Deus, eu vivo melhor”

 

Esse tipo de comentário é comum. Claudia conta que também ouviu muitas brincadeiras porque recebeu um coração de um homem. As pessoas falavam que ela ia mudar, “gostar de mulher” ou “ficar com uma paixão que era do outro”. Ela, rindo, sempre respondia: “O coração é só um órgão, quem sente e ama é a cabeça, não o coração”.

 

Outros pacientes, como Donizete, que é espírita, também afirmam com convicção que não há mudança na essência da pessoa: “o coração é um órgão mecânico, não tem consciência”.

 

Muitos pacientes também relataram o receio inicial de que receber um coração de outra pessoa pudesse, de alguma forma, interferir em seus sentimentos ou comportamentos. Duarte, por exemplo, diz que muita gente pergunta se ele ficou diferente. Ele responde sem rodeios: “Isso é fake news. O que muda ou não está na mente da gente, não no coração”. 

 

Esse mesmo entendimento é partilhado por José Antônio Oliveira, que reforça: “O médico troca coração, rins, fígado… mas a mente ninguém troca, só Deus”.

 

Para alguns, no entanto, há pequenas mudanças no modo de ver a vida. Rafael, por exemplo, diz que o transplante o transformou, sim, mas não porque sua personalidade tenha mudado. A transformação foi no modo de valorizar a vida e as pessoas. Ele conta que, após passar pela beira da morte, amadureceu, passou a cuidar mais de si e a ver o mundo com outros olhos. Para ele, esse renascimento é o verdadeiro impacto do transplante.

"Hoje eu tomo conta mais de mim, amadureci mais, e vejo a vida de uma forma diferente, com olhos diferentes, coisas que não via antes. Só pelo fato de passar pela beira da morte, várias e várias vezes, isso muda, isso mexe com você.”

 

Erianderson, por sua vez, relata uma mudança na sua pessoa, que não sabe explicar. Depois do transplante, ficou mais estressado, com menos paciência, diferente de como era antes. Ele mesmo se questiona se isso poderia ser uma influência do doador, mas não sabe ao certo.

"Hoje eu tenho facilidade de me estressar. Qualquer coisa explodir assim, do nada. O estresse. Eu não era assim. Pra mim, quando eu tinha o outro coração era tudo na tranquilidade. Eu tinha paciência.”

 

Contudo, na maioria dos casos, como lembra Felipe Valério, “o coração é só um músculo que bombeia sangue, quem manda mesmo é a cabeça”.

 

As brincadeiras envolvendo o sexo do doador são muito frequentes. Jorge confessa que, no começo, pensou besteiras como “será que se for coração de mulher, eu vou virar viado?”, mas depois percebeu que não fazia sentido.

 

Josivan também conta que os amigos faziam piadas, mas ele não se incomoda: “O coração é só para bombear, é um motor. O que eu sou continua o mesmo”.

 

Outros, como Pedro Assis, dizem que o transplante não muda a personalidade, mas sim a qualidade de vida. Conta, emocionado: “Hoje eu me sinto outro, é outra vida que Jesus me deu”.

 

Da mesma forma, Reginaldo afirma que, apesar das brincadeiras que ouviu, ele continua o mesmo de sempre e cuida muito bem do novo coração.

"O coração da pessoa tá aqui, tô tomando muito conta dele. Então até aqui eu não vi nenhuma modificação não. Somente que é o coração de outra pessoa. Mas meu pensamento é igual ao que eu tinha o meu.”

 

Já Jeová fala sobre uma mudança mais espiritual. Ele diz que, após o transplante, se sente uma nova pessoa, deixou para trás coisas que, segundo ele, “só levam à destruição” e passou a valorizar mais a vida.

 

Mirko, por outro lado, lembra que, logo após o transplante, sentiu uma diferença estranha, principalmente ao reencontrar sua esposa, mas que, com o tempo, tudo voltou ao normal.

"Eu não senti aquele, aquela emoção que eu tinha e tal, essas coisas assim. Mas depois foi tudo se adaptando. Hoje está tudo normal.”

 

Há também quem diga que não sente que o coração transplantado seja “seu”. Mário Luiz, por exemplo, comenta que, até hoje, sente que o coração é de outra pessoa, e teme que a qualquer momento o corpo possa rejeitá-lo. Mesmo assim, ele leva a vida com gratidão e orgulho de ter passado por tudo.

“Depois que a gente passa por tudo isso, talvez seja uma lição pra aprender, entendeu. Eu não tenho pena de mim não, ao contrário, eu tenho muito orgulho de ter feito o transplante, mas pena, não.”

 

Por fim, muitos destacam que o mais importante é que o coração esteja funcionando bem, independentemente de quem foi o doador. Como diz Silvânio: “o que molda as coisas não é o coração, é o pensamento da gente”. E, como reforça Valdeir, “a personalidade continua a mesma, não muda”.

 

 

Assim, entre brincadeiras, reflexões espirituais e agradecimentos pela nova chance, a maioria dos transplantados acredita que o transplante não muda quem eles são, mas, sim, lhes oferece uma nova oportunidade de viver, de cuidar mais de si e de valorizar o que realmente importa.