Daniel - Agente Comunitário de Saúde
Daniel Pereira, trabalha na clínica como ACS a 18 anos, começou em 2005. Quando se instalou a pandemia da COVID-19 , ele ficou abismado pois nunca havia visto algo tão agravante, não só na clínica como em todo o mundo.
Por morar em Botucatu, uma cidade mais distante, em primeiro momento acreditava que a pandemia não iria-atingir a região, porém com o passar dos tempos ele sentiu que a situação foi mudando de cenário e começou a se preocupar ainda mais com a situação que estava acontecendo. Com a vinda de EPI 's , álcool em gel e máscaras tudo estava para mudar na região.
Durante esse tempo presenciou um caso que acabou marcando muito ele, no qual um casal deu entrada na clínica e foram ambos encaminhados para Unesp, a moça estava-assintomática e o homem estava em estado grave. Logo depois de um período ele veio a se recuperar, porém ela em contrapartida veio a óbito. Esse foi o caso que mais o marcou durante o começo da pandemia.
Outrossim, durante a sua vivência na Covid, começou a chegar a preocupação , principalmente com a sua família, com sua esposa diabética e hipertensa. Uma das vezes acabou tendo contato com a prancheta e a caneta de um paciente que havia positivado para Covid. Neste momento ele ficou extremamente preocupado com a situação, chegou a conversar com a médica da unidade, no qual deu as orientações cabíveis porém de qualquer modo o dano psicológico foi gigantesco. A todo momento ele pensava que podia ter se contaminado.
Além de tudo isso , tinha a questão da infraestrutura da unidade, em que com o passar do tempo o número de casos já não condizia com capacidade que a unidade tinha para oferecer, precisavam contatar ambulâncias, precisavam de oxigênio. Dessa forma, diversos apertos e improvisações tiveram que adotar e foi uma das coisas que ele lembra nitidamente.
Um dos momentos que foram mais emocionantes para ele foi o momento em que anunciaram as vacinas e falavam que com o chegar das vacinas o trabalho iria ser dobrado, porém já ficavam aliviado pois trabalhariam mais e com mais segurança , trabalhando melhor , respirando melhor e com uma esperança incomparável de melhora.
Quando chegou as vacinas, ele foi o responsável por buscar e foi um dos pontos que foram primordiais naquele momento, ele sente uma sensação inaudível. A sensação de ter sido-o primeiro a receber a vacina, tanto da primeira quanto da segunda dose, para ele foi uma sensação indescritível.
Seu trabalho teve uma nova forma de contato com as pessoas, no qual as visitas domiciliares foram diminuídas, praticamente abolidas, enquanto o cuidado a distância se intensificou. Assim, ficou responsável de ligar para as pessoas que se contaminaram para, não somente saber como estavam, mas também para instruir caso fosse necessário com informações de fontes confiáveis e diminuir o número de fakenews durante os tratamentos.
Foi um soldado em tanto durante a linha de frente da Covid, além de todo o contato que tinha diariamente com pessoas contaminadas, ele também juntamente com uma equipe fizeram a distribuição de máscaras para diversas pessoas que não possuíam e necessitavam.
Uma das coisas que impactou severamente a sociedade foi às dinâmicas que eram realizadas em sociedade. Assim como caminhadas e exercícios comunitários, no qual ajudava diversas pessoas sedentárias que nesse período quando não realizavam exercícios em casa ficavam ainda mais sedentárias.
Durante a pandemia, ele viu as questões das relações que foram algo fundamental, principalmente no trabalho para o bom funcionamento da unidade. Porém, ele soube que com a pandemia o distanciamento entre as pessoas ocorreu, até porque as pessoas deviam sair menos das suas casas. Mas nas suas relações pessoais com a sua família , felizmente, se fortificaram ainda mais, ele diz que suas relações já eram bem unidas entre sua família.
Lucimara - Agente Comunitária de Saúde
Lucimara, agente de saúde, começa relatando que, no início da pandemia, o município de Botucatu decidiu criar um central para a Covid-19 e ela foi chamada para participar. Mesmo sem informações concretas sobre a doença e sem saber por quanto tempo trabalharia lá, Lucimara aceitou a proposta. Para a agente de saúde, essa mudança repentina a afetou de maneira impactante pois ao invés de trabalhar na rua e em contato com as pessoas, como estava acostumada, teve de aprender a permanecer em uma sala e a realizar os atendimentos por telefone.Acerca de suas demandas, Lucimara relata que na Central Covid-19 ficou responsável por ligar para os pacientes todos os dias para realizar o monitoramento deles. Lucimara conta que o processo de adaptação foi lento, pois na época não se tinham instruções de como abordar esses pacientes e quais procedimentos eram os mais importantes de serem feitos, mas que, após dois anos trabalhando na Central, viu uma grande evolução na organização do local. Com relação à mudança do atendimento presencial para o atendimento virtual, a agente de saúde diz que as primeiras semanas foram as mais complicadas para ela, pois era acostumada a ter autonomia para visitar e atender os pacientes, porém, com a nova situação, passou a se sentir presa. Apesar disso, Lucimara formou uma nova família com seus colegas de trabalho que se davam apoio nos momento mais difíceis e, para ela, voltar a rotina foi mais difícil do que sair dela.
Lucimara relata que, em determinada época da pandemia, passou a ter incontáveis pacientes e, para além da doença, ela passou a ser um apoio psicológico para aqueles que estavam sozinhos, com depressão ou com outros inúmeros problemas pessoais, precisando mais de ajuda terapêutica que física. Frente a tantas situações, a agente de saúde se sentia impotente mas se dedicava ao máximo tendo que, muitas vezes, deixar comida na porta da casa de pacientes que precisavam de assistência social mas não possuíam uma rede de apoio. Apesar do sentimento de impotência, Lucimara diz que pelo teleatendimento, ela podia ir além na relação com o paciente, conseguia fazer o paciente se abrir mais com ela e criar conexões mais profundas e detalhadas. Apesar da grande demanda, a agente de saúde relata que não media esforços para trabalhar além do que era lhe pedido. Para ela, os pacientes nunca passaram a ser apenas números, ela conhecia a história de cada um e dava o seu melhor para levar conforto a eles na medida do que lhe era possível: “Não era sofrido, a gente fazia por amor ao paciente”.
A rotina dentro de sua casa não mudou mesmo após o marido e o filho pegarem Covid-19. Lucimara conta que não fez isolamento dentro de casa pois, na sua experiência com as ligações para pacientes, percebeu que isolar o seu filho dentro da própria casa traria mais malefícios psicológicos para ele que benefícios para a família. A agente de saúde não foi contaminada, mas a família permaneceu isolada até que eles fossem curados. A maior dificuldade desse período foi lidar com a preocupação que tinha com o filho, pois ele tinha uma comorbidade: “Eu tinha muito medo por meu filho ser asmatico [...] No final das contas ele pegou do próprio pai”.
A volta à rotina foi dolorosa, Lucimara tinha muita medo de sair na rua pois não se sentia segura e teve dificuldade de se desapegar do monitoramento dos seus pacientes com Covid-19: “A saída foi pior, o término da pandemia foi pior, o voltar para a realidade pra mim foi pior que a época da pandemia em si”. Ademais, a agente de saúde conta que se contaminou com Covid-19 apenas no final da pandemia, três anos após o início, apresentando fortes sintomas e, foi nesse momento que Lucimara percebeu o impacto que as ligações que ela fazia tinha em seus pacientes ao receber uma ligação de uma colega de trabalho. Atualmente Lucimara já está mais adaptada a sua rotina, apesar de ainda ter sequelas psicológicas da época de isolamento pois ainda não consegue ficar muito tempo na rua, situação que atrapalha sua rotina no trabalho pois tem grande dificuldade de sair para fazer a visita aos pacientes. Por fim, Lucimara se mostra grata pela experiência que teve e pelo caminho que ela escolheu: “Não tem preço, saber que você pode ajudar alguém, ser a única ligação do dia de alguém e fazer a diferença na vida dela.”.
Talita - Agente Comunitária de Saúde
Desde 2017, Talita é agente comunitária de saúde no posto de saúde Jardim Maria Luisa - Botucatu. Dois anos depois, quando começou a aparecer na mídia sobre uma doença na China, ela confessa que ficou assustada mas “a ficha só caiu quando fechou a cidade em março de 2020, naquele momento me deu angústia, medo de não saber o que iria acontecer, medo pelos meus familiares, meus avós”. Naquele momento Talita percebeu que era algo de proporções maiores, portanto, o medo do desconhecido era na mesma intensidade.
Talita conta que os ACS não receberam treinamento em nenhum momento da pandemia e, para ficar atenta ao que deveria ser feito ou não, ela e seus companheiros de trabalho acompanhavam os informativos que chegavam da secretaria de saúde sobre como se comportar na Clínica. Além da falta de treinamento, do início até final de 2020, só os médicos e enfermeiros recebiam os EPIs, os ACS e outros funcionários da clínica precisavam comprar os equipamentos de proteção, como máscaras. A profissional conta que esse início da pandemia foi muito complicado para a categoria dela e recorda que sua mãe fazia máscaras artesanais, assim a ACS conseguiu se proteger e também distribuir algumas aos outros ACS, para que ninguém ficasse desprotegido.
Quase no final de 2020, Talita conta que começou a chegar máscara para todos os profissionais da unidade de atendimento e, com isso, também vieram novas tarefas, como acompanhar os médicos e enfermeiros nas visitas domiciliares a pacientes que haviam testado positivo para COVID-19. Mesmo nesses momentos de possível exposição, Talita disse que não se assustava pois ela como ACS não entrava nas residências, logo, não tinham contato direto com os pacientes, tudo era entregue em embalagens higienizadas e os ACS esperavam na rua enquanto o atendimento era realizado.
Talita conta que por ser uma unidade que recebe turmas de residentes em estágio, havia muitos residentes de medicina e enfermagem, o que tornou o ambiente mais jovial e também mais animado, devido a atividades de culinária, meditação, jogos que esses jovens promoviam sempre com o intuito de tornar o ambiente de trabalho menos estressante.
Com a COVID houve mudanças na rotina de trabalho, ela continuava a ir na clínica mas passou a trabalhar em muitas questões administrativas. Em um primeiro momento, o foco do trabalho de Talita era entregar convocações ou cancelamentos de consultas, primeiro via telefone e, caso fosse falho, deveria ir pessoalmente, além disso também auxiliava na recepção, monitorava os pacientes da unidade via telefone e também ficava responsável pela comunicação de resultados dos exames de PCR para COVID-19. Para isso, recebia da secretaria semanalmente as fichas dos pacientes que eram de abrangência do posto. No início da pandemia, a ligação era durantes os 10 primeiros dias após o resultado positivo, depois da última onda da doença, passou a ser durante os primeiros 7 dias.
Em relação a perdas, Talita conta que não perdeu ninguém da sua família mas que se recorda do falecimento de dois pacientes antigos da unidade que tiveram complicações da COVID-19, antes da disponibilização da vacina. Já os pacientes que ela monitorava via telefone, nenhum deles necessitou de hospitalização.
No dia a dia, ocorreram algumas mudanças para a ACS, isso porque seu marido também trabalha na área da saúde, logo, ambos tinham a preocupação de transmitir a COVID um para o outro e para seus familiares. A fim de evitar a contaminação dos mais idosos da família, o casal parou de frequentar a casa dos pais semanalmente. Esse medo se intensificou quando em dezembro de 2020, dois meses antes das primeiras doses da vacinação, o marido começou a ter sintomas gripais e eles foram ao posto fazer o teste que deu positivo para os dois. Ambos tiveram sintomas leves, como coriza, dor de cabeça, dor nas costas, mas a angústia de não saber se ia piorar ou não, prevaleceu durante o isolamento. A sensação de alívio só veio com a chegada da vacina, assim, também se intensificou o trabalho de Talita que começou em maio e, ao todo, foram cerca de quatro campanhas em massa durante o primeiro ano.
A pandemia não afetou só a saúde física de Talita, mas também a saúde mental, ela acredita que passou bem durante os anos de pandemia mas afirma que gostaria de passar por um psicólogo "acho que todo mundo deveria passar". Na época, por conta do dia a dia muito corrido, ela começou a fazer faculdade, que se uniu ao trabalho de casa, na clínica e o seu extra como confeiteira, unindo tudo isso ela acredita que faltam horas no dia para ela aproveitar, tudo passa muito rápido e ela se sente sobrecarregada.
"Me fez ver que coisas simples devem ser valorizadas, como ir na casa dos pai e da mãe toda semana” assim conta Talita sobre a sua experiência com a COVID, além da percepção temporal que foi um pouco perdido. Para ela a pandemia parece que começou ontem e,ainda assim, muitas coisas que eram para serem vividas foram perdidas. Tudo passou como um divisor de águas, como se "existisse um tempo antes da covid e um outro pós covid, parece que nada vai voltar ao normal como antes”
Finalizando a conversa, a ACS dá um conselho para pacientes, familiares e profissionais da saúde que enfrentam a COVID, ela acredita que manter uma vida saudável, se alimentar de comida caseira e praticar atividade física são essenciais para superar a doença.
“Voltar ao normal nunca mais a gente volta, sempre vai ter algo que te faça lembrar, mas acho que estamos próximos do que era antes” assim diz a ACS sobre seu sentimento perante a pandemia da COVID-19.