Mais de 61 anos (8)

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Idade ao ser entrevistada – 63 anos
Idade ao ser diagnosticada – 50 anos

Ana conta que fez o tratamento para hanseníase em 2004 e que, no período do tratamento, ficou bem, achando que tudo ia correr tranquilamente e, de fato, não teve nenhum problema importante neste primeiro momento. No entanto, em 2008, atravessou a pior fase da trajetória da doença, quando vivenciou fortes dores, quase incapacitantes. Achou, inicialmente, que as dores eram provenientes de um problema antigo de coluna, mas logo percebeu que era mais do que isto. Achava estranho o modo como não conseguia segurar os objetos e a frequência com que ela caía ao caminhar. Foi então que retornou ao ambulatório de dermatologia onde fez o tratamento e descobriu que as dores, a dormência nas pernas e nos braços, e as quedas eram causadas por sequelas da hanseníase. Esta foi, para ela, a fase mais difícil, porque não conseguia realizar suas funções domésticas e nem sua função laborativa. Conta que passou o mês de janeiro de 2008 desanimada, e só tinha forças para se alimentar e dormir.

É costureira, mas, desde esta época, não consegue mais ficar muito tempo na máquina de costura. Com pesar, explica que adora costurar, mas hoje esta atividade se restringe a pequenos trabalhos, de curta duração. Nos trabalhos domésticos, conta com a ajuda do marido para tarefas que exigem força nas mãos.

Por diversas vezes, durante a conversa, compara sua vivência da hanseníase com a que sua prima teve. Conta que com sua prima foi diferente porque ela apresentou várias lesões de pele e ficou muito abalada, depressiva mesmo. Já ela, Ana, só teve uma mancha e, segundo explicações dos médicos e informações colhidas na internet, entendeu que o “tipo” de hanseníase que teve foi diferente do que sua prima teve. Quando sua prima adoeceu de hanseníase, antes dela própria ficar doente, ela a ajudava levando comida pronta e conversando com ela.

Diz que em nenhum momento sofreu preconceito, nem da família e nem nos locais que costumava frequentar como a Igreja. Segundo ela, todos a apoiaram e isto foi muito importante no processo de adoecimento.

Ao ser questionada como se deu o contágio, não soube explicar. Não acredita ter contraído da sua prima já que, no seu entendimento, era um “tipo” diferente de hanseníase. Talvez o contágio tenha acontecido no transporte público, mas não tem muita certeza.

Se fosse solicitada a dizer algo a uma pessoa com diagnóstico recente de hanseníase, a encorajaria a seguir com o tratamento, confiando nos médicos e em Deus. Tentaria transmitir o otimismo que demonstrou durante a entrevista, enfatizando que esta situação de doença é temporária e que tudo dará certo no final.

Idade ao ser entrevistado – 73 anos
Idade ao ser diagnosticado – 62 anos

José começou a apresentar dormências nas mãos e nos pés, mas os médicos diziam que era “problema de circulação de sangue”. Até que sua esposa contou para o médico que ele se queimava e não sentia; só percebia que havia se queimado quando via a bolha de queimadura. Fez exames e o diagnóstico de hanseníase foi confirmado. Um ano de tratamento, algumas cirurgias na mão e nos pés, mas as duas pernas abaixo dos joelhos e os dois braços são dormentes até hoje. Contudo, não se sente limitado porque consegue realizar pequenos trabalhos e agradece a Deus por isso.

Durante o tratamento, fez exames e fisioterapia no Hospital Curupaiti, que é um Centro de Referência em tratamento de hanseníase e, no passado, era um leprosário, onde os doentes com hanseníase ficavam isolados. José ficou sabendo que as pessoas portadoras de hanseníase eram colocadas em locais assim e ficavam só aguardando a morte. Explica que nunca teve medo de morrer, mas temia ser vítima de preconceito. Com o diagnóstico, lembrou-se de um conterrâneo seu da Paraíba, amigo de seu pai, que perdera um dedo sem sentir por causa da hanseníase. Na época, José tinha 16 anos, e essa lembrança que o havia marcado tornou-se mais presente em seu pensamento.

Na sua família há muitos casos de hanseníase. Conta que sua tia e os três filhos, bem como a filha de sua esposa foram diagnosticados também e, em sua casa, ele e sua esposa adoeceram. Explica que na rua onde mora soube de alguns casos, mas pouco se fala sobre a doença entre os moradores.

José continuou trabalhando mesmo após seu adoecimento, até aposentar-se em 2010. Segundo ele, nunca notou preconceito por parte de seus colegas de trabalho, até mesmo porque não chegou a contar para ninguém fora de sua família sobre o seu problema de saúde.

Não acredita que a hanseníase tenha cura porque, no seu caso, ainda sente as dormências, mesmo após as cirurgias as quais foi submetido. Afirma que não sabe como contraiu a doença, mas pensa que o contágio se dá pelo contato direto com pessoas infectadas. Apesar disso, não acredita que tenha “espalhado” a doença, como um dos médicos insinuou. Fica na dúvida apenas se transmitiu ou não para a sua esposa, que era com quem tinha mais contato.

Se encontrasse com uma pessoa que acabou de receber o diagnóstico de hanseníase, iria aconselhá-la a tratar da forma correta, porque acredita que, quanto mais cedo começa o tratamento, mais branda é a doença.

Ao final da conversa, quis trocar um aperto de mão, mas, antes, perguntou se poderia fazê-lo e explica dizendo que “muita gente não gosta” que segurem sua mão. Enfim, despede-se emocionado por ter um aperto de mãos com a entrevistadora.

Idade ao ser entrevistada – 68 anos
Idade ao ser diagnosticada – 51 anos

Vera começa a narrativa explicando que, ainda na adolescência, sentia uma espécie de peso e formigamento nas pernas, além de dor nas mãos quando caía água gelada, o que ela achava bastante estranho. Aos 17 anos reparou umas manchas cor de café com leite nas coxas que não a incomodavam e, por isso, não deu muita importância. Havia um outro sintoma que a incomodava mais, uma ardência ao urinar e inchaço nos pés. Não sabia o que era e alguns dos médicos que procurou disseram que era reumatismo, e outros, problemas renais. Investigou e, segundo ela, tudo o que aparecia era o termo “albuminúria” no resultado do exame de urina. Chegou a fazer outros testes e só após já estar casada é que a ardência na urina cessou e, junto com ela, parou de aparecer a tal palavra “albuminúria”. Até então, conta que tomou durante anos uma medicação que não sabe o nome e andava pelos postos de saúde com umas “cartinhas” que também não sabia o conteúdo porque tinha medo de lê-las. Os anos passaram e, percebeu que, após a menopausa, as dores nas mãos e o formigamento pioraram muito, até que uma médica reumatologista, professora de sua filha, pediu uma eletroneuromiografia. Nesta ocasião, foi feito o diagnóstico de hanseníase, e ela tomou a medicação indicada por 6 meses.

Estava com sua filha na ocasião do diagnóstico e explica que, por isso, não precisou contar para a sua família porque já estavam sabendo de tudo desde o princípio. Os filhos e o marido sempre a apoiaram muito, inclusive quando precisou ser submetida a procedimentos cirúrgicos. Hoje em dia, no entanto, desconfia que uma de suas noras esteja tentando afastar seu filho. O marido sempre a acompanha nas consultas e ela reforça o companheirismo que têm um pelo outro. Diz que nunca contou para ninguém de fora de seu núcleo familiar, para não sofrer discriminação, mas acha que seus filhos contaram para as namoradas e sua filha contou para seu genro. Comenta que seu netinho de 8 anos está com algumas manchas e os médicos ainda estão investigando, mas ainda não chegaram a um diagnóstico.

O único preconceito que sofreu foi o de sua nora e pensa que, propositalmente, ela afasta seu filho dela, criando situações que dificultam a convivência. Este preconceito não foi explícito, segundo Vera, mas é um preconceito velado. Conta que se sente mal tratada pelas noras a tal ponto de preferir não ir ao casamento do próprio filho.

Vera afirma não saber como contraiu a hanseníase e, por mais que pense, não consegue descobrir como aconteceu o contágio. Informa que apresentou durante muitos anos sintomas que não sabe até hoje se já eram ou não da hanseníase. Hoje acredita que a hanseníase é transmitida pelo ar, mas antes, achava que era no contato com a pessoa contaminada, através de roupas, objetos, alimentos compartilhados.

Nos conta que ficou com muitas sequelas, que a impossibilitam de costurar, por exemplo. Diz que só não ficou pior porque fez a cirurgia dos pés e, graças ao médico que a operou, consegue andar bem hoje em dia. Com alegria, conta que chegou até a viajar para Portugal, apesar de problemas como abotoar a roupa ou deixar cair um talher.

Afirma que os piores momentos no seu processo de adoecimento foram aqueles em que havia indecisão em relação ao diagnóstico ou em relação a realizar ou não um procedimento. Explica que quando o médico ortopedista disse que não iria realizar o procedimento cirúrgico na mão, como ela esperava, se sentiu estigmatizada, vítima de preconceito por ser negra, mulher, pobre e idosa. No seu entender, se fosse branca e com mais recursos financeiros, poderia ser operada e tudo seria mais fácil, mesmo no centro de referência onde faz o tratamento.

Ao ser questionada se acredita que a hanseníase tem cura, diz que não tem certeza. Algumas horas acredita que tem cura, em outros momentos, acha que não, por causa das dores que ainda sente, das sequelas. Diz que o que mais deseja é se ver livre das dores e poder fazer melhor seus afazeres do dia-a-dia.

Explica que, caso encontre alguém que tenha sido recém-diagnosticado com hanseníase, daria um conselho importante. Diria para esta pessoa se cuidar, tratar, e, se não for possível curar, que, ao menos, coloque “obstáculos para a doença não progredir”, de modo que ela não encontre facilidade em causar estragos no corpo, como aconteceu no caso dela.

Idade ao ser entrevistado – 65 anos
Idade ao ser diagnosticado – 56 anos

Antônio, descontraído e risonho, inicia a entrevista dizendo espontaneamente que faz aniversário no dia 13 de maio, data que se comemora a libertação dos escravos.
Recebeu o diagnóstico de hanseníase seis meses após ter tido um acidente vascular cerebral. Uma mancha em um dos seus braços o fez procurar uma médica dermatologista na Policlínica Oswaldo Cruz, que avaliou e encaminhou imediatamente para a equipe especializada em hanseníase na mesma instituição. Ao receber o diagnóstico diz “fiquei tranquilo, num era uma doença de espantar”. Em seguida, trouxe os familiares para fazerem o teste, cujo resultado foi negativo. Foi acolhido e tratado por duas profissionais, que ele chama de “meus primeiros anjos da guarda” e acrescenta que até então não sabia o que era hanseníase.

Iniciou então o tratamento medicamentoso de um ano, e nos diz que em seguida “mudei de cor, fiquei preto”, sem comentar espontaneamente consequências disso. Fez cirurgias no ano seguinte, quando também iniciou no grupo de autocuidado. Espontaneamente comenta que seguiu rigorosamente o tratamento, inclusive o grupo de autocuidado uma vez por mês, que ele nunca faltou.

Tem três filhos e três netos. Vive com a ex-mulher, uma filha e um neto de 6 anos, de quem ele espontaneamente mostra a foto durante a entrevista. Relata que nunca sofreu preconceito nem na família, nem de conhecidos na rua. Tem limitações importantes para caminhar medias distancias, mas em casa diz não ter dificuldades no seu cotidiano.
Antônio já foi taxista, mas aos 55 anos teve um AVC e, no ano seguinte, quando teve a hanseníase já não trabalhava. Entrou em benefício e iniciou processo para aposentadoria por invalidez. No entanto, teve o pedido negado por três vezes. Contou com o apoio dos médicos os quais fizeram laudos para que ele tentasse outra vez e, finalmente, conseguiu a aposentadoria por invalidez.

Teve o contato com a hanseníase em 1982, naquela época trabalhava como motorista e levava um grupo de jovens na caçamba até a colônia Santa Marcelina, em Porto Velho.
Antônio sente fortes dores nas pernas e, também, dificuldade de conseguir alguns medicamentos, inclusive já recorreu à justiça federal para consegui-los. Utiliza seus conhecimentos de taxista para andar menos quando utiliza o transporte público, pois as dores o limitam caminhar.

Diz que se a hanseníase não tiver cura, tem alívio! Hoje ele tem as sequelas da doença:
“Isso aqui é sequela que eu sinto. Dedo dormente, isso aqui, inclusive isso aqui, de vezes em quando sai umas bolhas assim de água, entendeu, não sei se é hanseníase. É dormente, pode ver que é durinho, só os dedos assim, os dois dedos. E é um pouco do AVC também do lado direito. E o meu pé tem, olha o que eu uso aqui, isso aqui é o Dr. Cabral. Eu já usei a órtese, que é metade de gesso, sabe, metade assim, e essa aqui é a férula [de Harris] que eu uso aqui. É férula. É o famoso pé caído”.
Sua mensagem para um novo paciente seria: “Eu dizia pra ele, bola pra frente, num baixe a cabeça, tente resolver as coisas da melhor forma possível, que hanseníase não mata, deixa uma sequelinha, mas você passa por cima.”

Ao finalizar a entrevista, Antônio faz um comentário final: “Olha, duas coisas eu não nego, aconteceu comigo nos outros tempos. É o Oswaldo Cruz, que cuidou do meu tratamento cem por cento, se faltou uma vírgula isso não vem ao caso, outro foi lá na federação dos deficientes do estado de Rondônia, que eu me afiliei. E lá, em 2014, a presidenta que é a Telma, que é deficiente também da perna, me arrumou um emprego em duas empresas como aprendiz pra não perder o benefício. Então eu posso dizer o que de uma associação dessa?” Termina expressando gratidão.

https://www.youtube.com/watch?v=LjASdQpFJtA&list=PLo07tX5A7sShLf8KduZqYJf1McY_zDLrd

Idade ao ser entrevistado – 69 anos
Idade ao ser diagnosticado – 6 anos

Elias associa o início de seu problema de saúde a dores no pé esquerdo. Uma tia conversou com o pai dele e recomendou que eles fossem procurar ajuda médica no hospital em Porto Velho. Como moravam no interior, há 48 horas de barco de Porto Velho, sentiam dificuldade em saber o que fazer, como procurar ajuda, o que esperar do tratamento. “Sofri muito”.
Ainda jovem, com 13 anos seu pai levou a ele e sua irmã para uma comunidade de portadores de hanseníase em Porto Velho. Sua experiência de internação durou dois anos. Seu pai também tinha hanseníase, e Elias é grato pelos familiares que não adoeceram: “minha mãe não pegou, graças a Deus”.

Intrigado com os sintomas no pé esquerdo, não entendia por que seu pé ficava caído, e por que a ferida quase nunca fechava. “E eu lutando contra esse negócio, e passei esses tempos, isso sarava, voltava, sarava, voltava”. Tinha dificuldade de entender esse processo e sofria.

Internado na colônia nos anos 60, depois nos anos 80, Elias recebeu cuidados médicos e tentaram tratar os seus sintomas. Apesar dos tratamentos continuou piorando e novos sintomas apareceram. “Naquela época não tinha muita explicação. Não tinha o diagnóstico, nada aparecia no exame de sangue”. No início dos anos 90, continuou a busca por tratamentos e teve acesso a poliquimioterapia. No entanto, não experimentou melhora, o pé esquerdo foi ficando torto, passou por uma cirurgia e ficou mais de dois anos sem colocar o pé no chão. Elias questiona se não teria tido outro caminho a ser tomado, até mesmo uma amputação.

Nos últimos 3 anos, passou a apresentar sintomas na mão e pé direitos. Elias sempre seguiu os tratamentos rigorosamente, por isso esperava estar melhor. “Na idade que eu estou hoje, eu queria pelo menos ter um sossego. Eu estou pior”. Não vê um caminho para realmente melhorar. Tem medo que seu pé direito se torne caído, e que acabe precisando de cadeira de rodas.

Durante sua primeira internação, aos 13 anos, Elias viu “coisas horríveis”. “Quando eu cheguei foi como se eu tivesse entrado num buraco assim, e tivessem empurrado lá para dentro. Via gente mutilado de tudo que era jeito.”

Como os sintomas da doença começaram cedo, Elias não teve uma vida normal. “Eu nunca vivi uma vida assim tranquila”. Sofria preconceito porque as pessoas não sabiam o que era a hanseníase e costumavam se afastar de quem tinha esse problema.

No entanto, Elias fala da sua trajetória de estudo no interior e em Porto Velho. A partir dos 20 anos, quando chegou na capital, começou como servente a trabalhar na construção civil, fez um curso de desenho, se tornou mestre de obras e passou a fazer os projetos. Seus estudos, sua experiência foram importantes pois Elias, com o tempo, não teria força para fazer trabalho braçal. Elias se emociona ao ser perguntado sobre filhos. No seu primeiro casamento, o casal teve dificuldades para engravidar, pois sua esposa também tinha problemas de saúde. Ela sofreu um acidente, e Elias ficou viúvo. Alguns anos depois, Elias casou-se novamente, e juntos adotaram sua filha. Sua esposa lhe dá todo o apoio, e sua filha acaba de lhe dar um neto. Elias diz que não sabe como que a hanseníase pega.

Elias não acredita em cura, pois a hanseníase pode deixar sequelas, mas acredita que seja possível estabilizar a doença. Elias tem dúvidas, especialmente com relação ao tratamento de sua perna esquerda, se as decisões médicas foram acertadas. Como sempre se cuidou, constantemente questiona: “Deus, por que isso?”

Desejaria boa sorte para alguém recém-diagnosticado com hanseníase. Também falaria da importância de fazer o tratamento e que é possível estabilizar a doença. Elias sente diferença entre a medicina na sua infância, época em que ele adoeceu com 6 anos, e hoje. Por isso acredita que alguém diagnosticado atualmente poderia levar uma vida normal. Considera muito importante cuidar da saúde. “Falo para qualquer pessoa: olha, se cuide; se você tem saúde, se cuide”. Elias fala de médicos que são competentes e médicos que não são competentes, e como é importante se comunicar, ser ouvido, e poder conversar com os médicos.

Idade ao ser entrevistado – 71 anos
Idade ao ser diagnosticado – 67 anos

Geraldo foi pedreiro e carpinteiro durante 47 anos e, nos últimos anos, não consegue mais trabalhar por conta da hanseníase. Conta com orgulho que tem 10 filhos, 22 netos e 6 bisnetos, e teve 6 relacionamentos conjugais, sendo que com sua última esposa o relacionamento durou 14 anos, e ela teria ido embora por conta dele ter adoecido. Geraldo se considera como alguém muito positivo, cozinha para si, cuida para ter uma casa limpa e organizada, e tem muita fé.

Aos 63 anos, foi pela primeira vez ao médico, pois até então tinha uma “saúde de ferro”. Há 4 anos, começou a apresentar coceira, inchaço e dores fortes nos pés. Ainda sem diagnóstico, chegou a pensar que “ambição e inveja” teriam causado a ele um “mal de uma travanca”, que o levou a tomar um banho de “amoníaco” e investir “oito mil conto de macumba”.
Com aumento da coceira, do inchaço e das dores nas pernas acreditou que contraiu a doença ao pisar em um cimento com água de reuso, com “botas velhas”, em uma “imundice”. Considera, ainda, que seu trabalho, de muitos anos com cimento, e o fato de estar mais velho devem ter colaborado para seu adoecimento.

Finalmente, há cerca 3 anos, recebeu o diagnóstico de hanseníase, quando reagiu com apego a sua fé em Deus, tendo se aproximado e encontrado apoio na religião evangélica da Igreja Universal do Reino de Deus.

Geraldo apresentou dificuldades em responder sobre seus sentimentos em relação a descoberta da doença. Afirmou não ter sofrido preconceito. Em sua família houve alguns casos de hanseníase, sendo o mais próximo sua mãe depois de separada de seu pai, tendo casado com um outro homem que tinha a doença. De um modo geral, não recebe apoio de sua família, cuida sozinho dele e seus afazeres. No entanto, não encara isso com pesar, busca ver a vida de forma positiva, e se alicerça na fé, que acredita poder curá-lo, além de conduzir sua vida e a medicina.

Idade ao ser entrevistada – 74 anos
Idade ao ser diagnosticada – 49 anos

Dona Josefa nos conta que desconfiou de que havia algo errado com ela quando sentiu dormência e queimou o joelho com uma panela de feijão fervendo e não sentiu nenhuma dor. Ficou preocupada e foi procurar uma enfermeira conhecida que a encaminhou ao médico que fez o diagnóstico de hanseníase. De imediato nos fala do preconceito que na época era ainda maior, e da pergunta que fez ao médico, “Doutor, vai ser preciso eu me separar dos meus filhos, pra eu ir lá pra dentro, pra aquela colônia pra me tratar?”

Ela relata que sentiu um desespero muito grande por achar que teria que ficar separada de seus sete filhos. Na conversa com seu marido, naquele dia tão marcante para ela, ela disse que ele era livre para decidir se ia ou não continuar a viver com ela. Ele tentou tranquilizá-la mas, mesmo assim, foi uma noite muito difícil para ela, e ela nos conta que chorou muito durante a noite, com medo dele ir embora e ela ficar sozinha. Quando acordou de manhã, o marido estava dormindo abraçado com ela, como a garantir que não iria embora.

Foi, então, orientada pela amiga enfermeira a não contar sobre a doença para ninguém por causa do estigma que acompanha o doente com hanseníase. De fato, não contou a ninguém e com isso diz não ter sofrido preconceito, mas sempre teve muito medo de vir a sofrer. Nem seus filhos sabiam. Só souberam da sua doença quando já estavam adultos. Falou do caso de seu filho mais velho que diagnosticou precocemente a doença, tratou por 6 meses e ficou bem, sem sequelas.

Josefa nos diz ter adoecido aos 37 anos, em 1981, quando já morava em Porto Velho. Fez a poliquimioterapia em 1992. Fez todo o tratamento corretamente e vem sendo acompanhada por mais de 30 anos. Hoje leva a vida normalmente e sente apenas câimbras nas mãos e nas pernas. Dona Josefa é da opinião que não é possível ficar totalmente curado da hanseníase. No entendimento dela, a doença fica controlada e é por isso que os médicos fazem revisão de 3 em 3 meses.

Ao longo da entrevista, foi contando sobre os casos de hanseníase que conheceu, desde sua infância, por ter vivido no interior os seus primeiros 24 anos, e por ter vivido sempre em área endêmica de hanseníase. Além de pessoas que não eram seus familiares, pessoas próximas como seu namorado, sua madrasta, o primo do seu padrasto, e a irmã de seu marido tiveram hanseníase em estágio avançado e alguns faleceram por isso.

Para Josefa, a hanseníase não é transmitida de uma pessoa a outra. Acredita que a doença vem do tempo e que Deus permite que a pessoa adoeça, “a pessoa nasce e já vem destinado àquele fim, é daquele jeito que Deus determina”.

Idade ao ser entrevistada – 61 anos
Idade ao ser diagnosticada – 55 anos

Quando as primeiras manchas apareceram, Dona Maria não tinha certeza o que era, até imaginava o que era, mas não sabia ao certo o que significava. Há 15 anos sua mãe e sua irmã já haviam tido “esse problema”. Como depois do tratamento sua mãe e irmã ficaram boas, não imaginava que seu “problema” poderia ser o mesmo. Quando recebeu seu diagnóstico não sabia que a hanseníase era o mesmo que a lepra, aquela mesma doença que acometeu também aquela sua vizinha, que não se tratou e cujas pernas “entortaram” e hoje ela anda com dificuldades.
Ao descobrir que tinha hanseníase achou que a doença tinha cura, afinal sua mãe e sua irmã não sentem mais nada e vivem bem hoje. Dona Maria fez seu tratamento durante 6 meses e só contou para um de seus filhos e esta irmã que também teve sobre o diagnóstico. Casada há 19 anos, conta que seu marido sempre foi muito preconceituoso. Chegou a ensaiar contar a ele sobre o diagnóstico da hanseníase algumas vezes, mas logo de cara, quando perguntou de maneira fantasiosa, como se fosse o caso de outra pessoa, e questionou o que ele faria ou como agiria se tivesse contato com alguém com a doença, teve como resposta do esposo que ele “largaria” e se afastaria da pessoa. Esta resposta foi suficiente para que ela “largasse mão” e não contasse, até hoje, sobre seu diagnóstico ao esposo. Apesar de os médicos e enfermeiros que cuidam dela por vezes insinuarem sobre seu tratamento, ela sempre teve o cuidado de pedir para que a equipe de saúde não falasse sobre seu “problema” ao marido.

Onze anos depois do seu diagnóstico, a própria Dona Maria levou seu esposo à unidade de saúde onde ele foi diagnosticado com hanseníase, depois de apresentar manchas no corpo e sentir dormências. Hoje ele está há 8 meses em tratamento. Ela conta que já ouviu falar muito sobre a hanseníase, sobre não ter cura, mas diz não ter muita certeza disso. O que ela sabe é que deixa sequelas, pois tem colegas que já perderam a mão e os dedos. Sabe também que se não tratar é que irão “cair os dedos”, aparecer as feridas e a pele ficará dormente. Hoje, mesmo com as dificuldades no relacionamento com o marido, é ela quem o acompanha no tratamento, insiste e incentiva que ele faça o tratamento correto.

Há algum tempo, depois de ficar sem os remédios, sua pressão arterial se elevou e Dona Maria apresentou dificuldade para falar, procurou o serviço de saúde e o médico fez o diagnóstico de AVC (acidente vascular cerebral). Desde então ficou com o braço e a perna dormentes e não sabe ao certo se é sequela do AVC ou da hanseníase. Quando passou em consulta com seu médico ele disse que teria que operar. Mas é aí que está o maior medo da Dona Maria, cirurgias e amputações. Ela tem muito medo de ter que usar fraldas, precisar de muletas e ficar em casa sozinha, não consegue nem se imaginar nesta situação, e com sua fé, pede a Deus para que isso nunca aconteça.