Fisioterapeutas (3)

 

Mabel é fisioterapeuta de formação e começou a trabalhar com hanseníase em 1993, como profissional concursada da prefeitura de Niterói. Na época, não fez curso ou formação especial, aprendeu as particularidades do cuidado dessa doença através da prática. Nesse período do trabalho em Niterói, deu-se o despertar do seu interesse pela hanseníase: “o trabalho me aproximou muito”. Em 1998, quando já era professora do curso de Fisioterapia da UFRJ, especializou-se no atendimento de pacientes acometidos por hanseníase e hoje integra a equipe multidisciplinar do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.

Mabel recorda que quando começou o trabalho na UFRJ, escolheu atender os pacientes com "grau II de incapacidade", ou seja, ela se dedicou ao tratamento fisioterápico de pacientes com sequelas maiores e deformidades. Seu papel na equipe era preparar esses pacientes para cirurgias, através de protocolos longos com diferentes tipos de exercícios. Hoje em dia, no entanto, o trabalho de Mabel é bem mais amplo, envolvendo também o tratamento de reabilitação para retorno às atividades do dia a dia.

Desde que se envolveu com o trabalho, já pôde notar que o que mais a sensibiliza no tratamento de pacientes com hanseníase é o sofrimento e o estigma que acompanham a doença após o diagnóstico. Segundo ela, a dor que observa em seus pacientes torna-se maior com o sofrimento emocional: "não é uma dor simplesmente, ultrapassa o limite do físico". Tendo isso em vista, Mabel se preocupa com a criação de um ambiente agradável durante o atendimento, para que o paciente possa relaxar e ter certeza de que em suas sessões não há discriminação. “Eu tento trazer o paciente para um tratamento mais acolhedor”.

Ao falar sobre a comunicação diagnóstica, Mabel nos conta que o serviço de fisioterapia muitas vezes é o primeiro lugar que o paciente vai após receber o diagnóstico do médico no ambulatório. “Ele chega lá com a face assustada, sem saber o que fazer”. Defende que é essencial ter uma participação ativa nesse "momento dramático de assimilação da doença”. Nele, Mabel conversa, apoia e complementa informações dadas pelo médico sobre tratamento, além de contar histórias de superação vividas por várias pacientes que acompanhou ao longo dos anos.

Os laços, que começam a ser criados desde o primeiro contato com Mabel, se potencializam no decorrer das sessões, já que “a fisioterapia é um momento que o paciente fica mais próximo”. Ela destaca que o tempo que o fisioterapeuta tem com o paciente é maior do que, por exemplo, o que os médicos ou outros profissionais de saúde têm em suas consultas no ambulatório. Para ela, esse lugar é “privilegiado”, uma oportunidade para o diálogo e para aprofundar o vínculo do paciente com a equipe.

Por fim, ao falar sobre suas satisfações, Mabel diz que sua maior alegria é fazer parte das transformações na vida e no futuro dos pacientes, mesmo para aqueles em que os recursos disponíveis pela equipe não podem corrigir completamente as sequelas apresentadas. Ela se sente realizada quando pode ajudar na adaptação de pacientes com sequelas irreversíveis, para que voltem a exercer suas atividades do dia a dia, incluindo lazer e trabalho. Essa mudança, para ela, acontece não apenas no plano físico, mas também no mental, quando "o paciente consegue acreditar em si", e descobre que "sua vida não é resumida à hanseníase". Fica comovida ao lembrar de um paciente, em especial, que apresentou reabsorções ósseas de todos os dedos ainda na adolescência, mas pôde entrar para o curso de direito na UFRJ. Sendo professora desta mesma universidade, diz que é "emocionante" encontrá-lo no campus em busca de seus sonhos.

 

Rosângela é fisioterapeuta e trabalha com hanseníase há 20 anos, em um hospital público-privado de Porto Velho (Hospital Santa Marcelina). Conta que sua experiência em hanseníase de fato começou quando aceitou o emprego no Santa Marcelina, cujo setor estava desativado havia mais de um ano por falta de profissionais: “ninguém queria vir pra cá”, pois “achavam muito longe”. Com a ajuda de outros profissionais do hospital, começou aos poucos a desvendar os cuidados da reabilitação.

Hoje em dia, ela entende que a prática do autocuidado é fundamental no atendimento de pacientes com hanseníase e destaca que, infelizmente, a fisioterapia nem sempre é levada a sério pelos pacientes. Apesar da orientação técnica de toda a equipe multidisciplinar, enfatizando a posição do paciente como parceiro da equipe, e apesar de ensinar os exercícios fisioterápicos que devem ser feitos, relata que “ainda assim, ele não entende, qual é o papel dele enquanto paciente”, de fazer sua parte e tomar para si a responsabilidade de melhorar. Rosângela enfatiza que isso prejudica o resultado do tratamento esperado, pois é preciso uma boa adesão às medidas de reabilitação, e considera a falta de conscientização do paciente o principal obstáculo para o sucesso do tratamento.

Rosângela conta que o contato diário e prolongado com os pacientes que ocorre na fisioterapia cria um vínculo, e ela se depara com dúvidas e comentários que os doentes não dizem para o médico, em especial, sobre o contágio da hanseníase. Ela tem o papel de reafirmar o que foi dito no momento do diagnóstico, além de ajudar a aliviar outras questões enfrentadas pelos pacientes no decorrer da doença, tanto físicas quanto psíquicas, por meio, por exemplo, de rodas de conversa. Essas rodas são organizadas pela equipe e são positivas para os pacientes, pois os ajudam a trocar experiências e a tirar suas dúvidas uns com os outros. Rosângela valoriza as rodas de conversa como uma oportunidade para identificar pacientes com maiores dificuldades, que poderão ser encaminhados para a Psicologia, se necessário.

Rosângela observa também, que “ainda existe paciente que sofre muito com o estigma” e ouve muitas histórias sobre isso. No contato com os pacientes, já foram relatados episódios de preconceito no convívio social, familiar e até mesmo no próprio hospital, que ela ajuda a combater com a informação sobre a doença, para desmistificá-la. Outro ponto difícil, que a preocupa, é o perfil socioeconômico dos pacientes. A profissional destaca que enfrenta realidades de muita pobreza, especialmente de pessoas advindas da área rural, que muitas vezes moram em casas apertadas, podendo haver mais de um caso na família pelo contato prolongado, além de serem mais suscetíveis a faltar consultas, a interromper o tratamento, e a terem dificuldade em praticar o autocuidado.

Por fim, mesmo com todas as dificuldades, destaca que sua maior satisfação é ver os pacientes recuperados e com vontade de viver, muitas vezes perdidos na fase inicial após o diagnóstico, e sendo capazes de voltar às suas rotinas de antes ou a atividades adaptadas para suas possibilidades físicas atuais com o tratamento. Poder contribuir para isso de alguma forma é um “ganho como ser humano”.

 

Silvana é fisioterapeuta e trabalha com hanseníase desde 2007, integrando a equipe multidisciplinar do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. Por vezes seu atendimento é voltado para a prevenção, avaliando e acompanhando as condições do paciente de tempos em tempos.

Seu maior trabalho é dedicado a pacientes com deficiências no movimento e até mesmo sequelas. Silvana nos relata o quanto é gratificante quando é possível reverter uma sequela ou reverter alguma função até mesmo no paciente que tem sequela, de forma a proporcionar que ele leve uma vida mais independente, podendo ele próprio cuidar de si sem depender tanto dos outros.

Afirma que poder trabalhar com o paciente de hanseníase é muito gratificante, dando como exemplo o atendimento de um paciente em um pós-operatório, quando seu trabalho contribuiu para o retorno de um movimento. A confiança na relação fisioterapeuta – paciente é tão grande que, até nos momentos mais difíceis, o paciente sabe que encontra na sua fisioterapeuta uma amiga, uma profissional com quem pode contar.

Silvana ainda destaca que é muito relevante o papel do profissional em desmistificar o conjunto de preconceitos ligados à hanseníase. O estigma que o paciente enfrenta é grande, assim como o auto-estigma, e o profissional possui um papel fundamental em auxiliar o paciente e sua família a lidar com essa triste e difícil realidade.