Técnicos de Enfermagem (2)

 

Há mais ou menos 30 anos em Cruzeiro do Sul, no Acre, Antônia se voluntariou para trabalhar no Hospital Ernani Agrícola, antigo "leprosário” comandado por freiras na região rural da cidade. Hoje técnica de enfermagem, ela conta que o cuidado no início da década de 1980 baseava-se em remédios caseiros, emplastros, banhos e panos quentes para tratar das feridas. A única medicação disponível era paliativa e deveria ser tomada diariamente, para o resto da vida. Na maioria das vezes, o tratamento era restrito ao hospital pela reativação frequente da doença. Na colônia, os próprios pacientes ensinavam e auxiliavam nos cuidados uns aos outros, já que a mão de obra era escassa. Seu tutor, Chico Anjo, era paciente hansênico antigo no local e lhe ensinou a tratar e fazer curativos nas úlceras de outros doentes. Entre suas experiências mais marcantes ao longo desses anos, Antônia conta a história de uma paciente poetisa que, já com sequelas graves em ambas as mãos, apoiava canetas no pescoço para continuar escrevendo suas poesias como forma de se sentir alegre e viva.
Apesar de acompanhar o sofrimento acarretado pela doença, a profissional afirma ter grande satisfação em acompanhar os pacientes em seu processo de melhora e cura, o que só foi possível com a introdução da poliquimioterapia. Embora o tratamento tenha melhorado com o passar do tempo, a seu ver, ele está longe do ideal. Antônia queixa-se da falta de recursos destinados principalmente à busca ativa de pacientes e contactantes, o que permite maior transmissão da doença.
No que tange ao diagnóstico da doença, Antônia afirma a necessidade de sanar as dúvidas que surgem ao longo de todo o tratamento, já que a adesão a este depende da total compreensão das complicações, transmissão e contágio. É comum que os doentes cheguem ao atendimento com muitos mitos, principalmente sobre a transmissibilidade, o que pode inclusive aumentar o preconceito.
Quando abordada sobre o assunto, a técnica refere que o acesso à informação por meio da internet teve pontos negativos. A maioria dos pacientes hansênicos que se informam pelas redes digitais tem uma expectativa de doença grave, “já chegam com aquele estigma de que a vida acabou, o convívio social acabou”. Faz parte do trabalho diário da equipe desmistificar esse estigma, ainda reforçado pela sociedade e até pela família dos doentes. Antônia conta ainda que mesmo colegas da área da saúde evitam ir ao seu setor de trabalho, com medo do contato com a doença.
A grande felicidade da profissional é ver atualmente a redução dos casos. Sua utopia, diz Antônia, é que seus netos e bisnetos possam viver em uma sociedade em que a hanseníase seja uma raridade e que não seja mais vista, principalmente, como o “bicho de sete cabeças” que fazem dela.

 

Ellen é técnica de enfermagem e trabalha com hanseníase há 2 anos e meio, na Policlínica Oswaldo Cruz, em Porto Velho, Rondônia. Conta que gosta de poder ensinar os pacientes e encorajá-los durante o tratamento. Ela nos diz, “eu tento encorajar ela, para ela ser forte, para ela superar a dor” e, assim, acredita que ajuda os pacientes a não desistirem do tratamento.

Entretanto, Ellen relata que os pacientes com reações acabam sendo mais dependentes por conta do tipo de lesão e, por isso, não conseguem executar atividades do dia a dia. “Eles não conseguem pentear o cabelo, não conseguem fazer uma comida, não conseguem varrer uma casa, principalmente as mulheres. Os homens se sentem muito presos porque não conseguem trabalhar fora, não conseguem pegar no pesado”. Ellen diz que isso a deixa triste, mas que mesmo assim não deixa de encorajar os pacientes: “eu aprendi a ser forte com eles, porque você não pode desistir da vida”, e afirma gostar de vivenciar as dificuldades ao lado dos pacientes. Além disso, ela destaca que, por trabalhar em um serviço de referência, é muito comum receber pacientes com sequelas, principalmente a “mão em garra”, e que eles gostariam de fazer as atividades que antes faziam. Nesse sentido, seu papel como profissional da saúde também é encorajá-los durante o tratamento para não desistirem.

Ellen aborda o assunto da cura com os pacientes de forma realista. Ela destaca para eles que mesmo com a cura da hanseníase, do ponto de vista infeccioso, ainda podem persistir algumas sequelas, ressaltando sobre a importância do autocuidado nesses casos. Ellen lida, também, com pacientes que não acreditam na existência da cura em hanseníase e nesses casos tenta amenizar a ansiedade desses pacientes e os encaminha para os médicos.

Para Ellen a principal dificuldade é o sofrimento pelo preconceito. Lidar com o preconceito tanto do próprio paciente como da sociedade não é uma tarefa simples, por exemplo em casos de pacientes que não contam aos familiares sobre a doença e outros que chegam a abandonar o tratamento por conta do preconceito. No entanto, ela e a equipe de profissionais seguem orientando os pacientes, inclusive sobre as formas de transmissão. Ellen nos fala, e se emociona, sobre seu irmão, que não esconde sobre sua doença, e diz o quão corajoso ele foi ao dar esse passo. Além disso, também relata a dificuldade de não haver, por parte dos pacientes, recursos necessários para se tratar e, assim, algumas vezes, esse é o motivo do abandono do tratamento.

Por fim, ela relata que se sente satisfeita quando os pacientes têm alta, que para ela é a parte mais “legal”, dado que o tratamento, muitas vezes, é longo. Dessa forma, por conta desse contato prolongado, aprende lições de vida.