Causas mais raras

Diagnóstico – Miocardiopatia Restritiva Congênita

Idade ao ser diagnosticado –  7 anos

Idade ao sofrer o transplante cardíaco –  8 anos

Idade ao ser entrevistado –  18 anos

Josiane, mãe de Carlos, conta que desde os 5 anos Carlos era acompanhado pela pediatra e nesse momento ela percebeu que ele estava perdendo peso, mesmo se alimentando bem. Foram feitos alguns exames, todos normais, mas quando a médica foi escutar o coração de Carlos notou que havia algo errado, pois escutou um "refluxo". Diante disso, Josiane o levou para diversos médicos em João Pessoa-Paraíba, porém não achavam a causa disso. Até que ela conseguiu vir para Recife e levar Carlos ao Real Hospital Portugês, instituição de referência em Pernambuco. Nessa época, Carlos tinha 7 anos de idade e continuava a perder peso e a cansar. Após uma biópsia, foi dado o seu diagnóstico: miocardiopatia restritiva congênita. Josiane conta que não há cura para essa condição, a não ser o transplante e foi por isso que Carlos, logo após o diagnóstico, entrou na fila para aguardar um novo coração. Como moravam muito longe do hospital, ele ficou de imediato internado.

Após 10 meses e 3 corações não compatíveis, o seu novo coração chegou. Josiane fala que eles não sabiam o que era um transplante, mas pesquisou e procurou entender. Ela conta que o coração de Carlos já estava muito debilitado e, segundo os médicos, se o órgão não tivesse chegado naquele momento, ele não iria aguentar por mais tempo. Josiane compartilha como estava se sentindo angustiada nesse momento: "eu sabia que eu poderia perder ele a qualquer momento. Poderia perder se não tivesse colocado ele na fila e poderia perder ele no bloco cirúrgico." Mas ela via o transplante como a única solução.

Entretanto, ainda na anestesia, o coração de Carlos parou. Depois de algumas intervenções médicas e de certos minutos, retornou  e iniciaram a cirurgia. Contudo, o tempo que o coração de Carlos ficou parado, resultou em uma quantidade de sangue insuficiente para o seu cérebro e, por isso, ele teve uma extensa lesão neste órgão que ocasionou diversas sequelas.

Josiane conta como esse período pós operatório foi difícil, repleto de incertezas e batalhas diárias. Carlos ficou quase 2 meses na UTI. Nem os médicos entendiam o que estava acontecendo. Após a avaliação de uma neurologista, foi dito que o cérebro de Carlos não estava mais funcionando e deram o diagnóstico de morte cerebral. Josiane relata que os médicos não viam mais solução e que seria preciso desligar os aparelhos que estavam mantendo Carlos "vivo".  Porém, depois de 3 dias, realizaram um novo exame que mostrou atividade no cérebro. Logo, Carlos não estava mais morto e seus aparelhos não poderiam ser desligados. Após isso, Carlos ficou em coma por 1 mês e 16 dias e quando saiu desse estado, estava totalmente incapacitado.

Mesmo depois de eventos tão dramáticos e do estado vegetativo em que seu filho se encontrava, Josiane conta que não se desesperou, pois ela tinha fé e uma convicção: "Eu entrei com ele andando, vou sair daqui com ele andando." Além disso, comenta como o suporte da equipe profissional foi importante nesse momento. Ao longo dos meses no hospital, Josiane fez muitas intervenções em favor da recuperação do seu filho. Ela conta que solicitou aos médicos que uma fisioterapia respiratória fosse feita para Carlos e, depois de dois meses, ele estava respirando sem a ajuda de aparelhos.  Ainda assim, Carlos continuava sem os seus sentidos, os seus movimentos e tinha crises convulsivas diárias. Sobre esse período, ela comenta: "todo dia era uma batalha". Josiane também pediu por uma televisão para o quarto onde Carlos estava e percebeu que ele reagia, movimentando a cabeça, quando seu desenho preferido começava. Após notar isso, ela começou a estimular mais, os médicos trouxeram um aparelho de som e colocaram músicas. Nesse momento da conversa, Carlos faz uma consideração e diz que gosta muito de música. As respostas aos estímulos que Carlos estava apresentando, podem ser aparentemente insignificantes para alguns, mas a verdade é que cada uma delas representava um grande avanço diante de tudo que ele e sua mãe estavam vivendo. A equipe médica comentou: “Carlos vem surpreendendo a medicina." Três meses após ele recebeu alta,  ainda em estado vegetativo, mas precisou retornar no dia seguinte por uma inflamação no pâncreas. Devido a isso, precisou ficar mais de 10 dias sem se alimentar e um ano e seis meses se alimentando através de uma abertura em sua barriga que se conectava a uma abertura em seu estômago (gastrostomia).

Relembrando a época do seu transplante, Carlos compartilha uma experiência única: "Eu batia as botas. Puf, bati. Eu morri dentro da sala. Aí foi, fui subindo, subindo, subindo, subindo... Deus disse: 'Aqui está cheio. Desce.'" 

Após seis meses de idas e vindas ao hospital, devido ao aumento dos casos de Chikungunya e o risco de Carlos ser infectado, os médicos aconselharam que eles retornassem para casa, no interior da Paraíba. Aí, iniciava-se um novo capítulo da vida de Carlos e de toda sua família.

Várias mudanças estruturais e na dinâmica familiar foram feitas em prol da recuperação de Carlos. A sua casa virou um centro de reabilitação, com, por exemplo, vários estímulos visuais e os seus familiares, seu avô, seus tios e, principalmente, sua mãe, estavam completamente engajados na sua melhora. Josiane conta que Carlos, desde o período após o transplante, havia perdido a visão, o que foi comprovado por exames, mas através da reabilitação tanto domiciliar quanto profissional, esse sentido foi sendo aos poucos recuperado e hoje ele consegue enxergar. Josiane comenta como o apoio da equipe de saúde que acompanhou Carlos foi fundamental para a continuidade da vida dele "O coração dele foi um milagre e também a equipe que tava com ele, que não desistiu em nenhum momento."

Em relação a família, Josiane fala que não tem apoio do genitor de Carlos e da família deste, mas isto não faz diferença porque Carlos é rodeado de pessoas, desde familiares maternos até os médicos, que o amam e ajudam em tudo. "Carlos  tem uma equipe do lado dele, o tempo todo e não falta nada. Infelizmente, eu não posso ser o pai dele e dar o carinho que o pai poderia dar. Mas ele não pode reclamar porque o meu pai já dá em dobro, em triplo, carinho e atenção a ele."

Em relação a sua vida atual, Carlos diz que gosta muito de ir à granja, alimentar os animais e andar de cavalo. Sua mãe reforça como essas atividades além de serem prazerosas para ele, ajudam na sua recuperação pois estimulam uma série de movimentos. Além disso, mesmo com a incrível melhora de Carlos, sempre é importante  a presença de algum familiar por perto, pois há momentos em que a respiração dele para e pode se machucar. Nesse sentido, ela ressalta como a ajuda da família é essencial.

Andar de cavalo é uma das atividades que Carlos mais gosta. Sobre isso, Josiane conta a evolução dele: logo no início, Carlos passou mais de 2 anos na cadeira de rodas e para andar a cavalo, era preciso uma cela específica que sustentasse todo seu corpo e pescoço "Porque ele não sustentava o tronco de forma nenhuma. Ou ele caía pra frente, ou pra trás, ou para lateral." Mas após orientações de fisioterapeutas e muita persistência, hoje, Carlos anda em uma cela de montaria normal. Para eles, andar a cavalo é muito mais que uma forma de lazer: "A gente ama... É um tipo de terapia pra mim e ele."

A rotina atual de Carlos é repleta de atividades que são essenciais para o seu desenvolvimento: escola, natação, psicólogo, academia, consultas médicas... Carlos fala que gosta bastante de ir ao psicólogo e comenta que já teve vontade de exercer essa profissão por vários motivos, entre eles: "Conversar com as crianças. Eu gosto de criança pequenininha."

Quando perguntados sobre a pessoa que doou o coração, Josiane relembra como esse processo foi delicado. A doadora foi uma menina de 12 anos que veio a óbito de maneira súbita e por isso os seus pais, abalados, mudavam de opinião sobre a doação. Josiane conta que 2 vezes eles tinham concordado em doar, mas acabaram desistindo. Apenas na 3ª vez as tias da menina conseguiram convencê-los definitivamente. Essas ficaram com Josiane durante toda a operação de Carlos.  Além do apoio delas, Josiane conta como os médicos tinham um carinho especial por Carlos, um deles, momentos antes da cirurgia, brincou: "Tô completando ano hoje e o meu celular não para. O tempo todo ligando pra saber sobre o Carlos Henrique. Eu fui conhecer Carlos antes de entrar no bloco."

Sobre transplantes, Josiane diz que na época em que Carlos precisou, isso não era muito difundido em sua cidade e fala como é importante que esse assunto seja mais divulgado pelas mídias. "Muitas pessoas não entendem ainda aquele ato que você tá fazendo e que você pode salvar uma vida. É muito relevante." Inclusive, Josiane compartilha uma situação, no mínimo, dramática. Quando foi dito que Carlos estava com morte cerebral e seria preciso desligar os seus aparelhos, o setor de transplante do hospital a questionou sobre o destino dos órgãos de Carlos, ao que respondeu: "Com certeza vão ser doados os órgãos dele. No momento que realmente for comprovada a morte encefálica, pode ser doado."

Em relação ao conselho que eles dariam para alguém que precisa de um transplante, Josiane diz: "Pra não desistir. Pra manter a fé. E sempre atentar também nas orientações do médico que é uma das parte principal." Ela enfatiza essa última parte da sua fala, pois viu pessoas transplantadas falecerem porque não tomavam os remédios necessários, por exemplo. "Quando recebe um órgão, você tem que cuidar com o maior carinho e sempre fazendo o máximo possível o que os médicos orientam."

A história de Carlos é algo que deixa a medicina perplexa, contra todas as possibilidades ele, com a ajuda da sua mãe, família e profissionais da saúde que o apoiaram, conseguiu superar cada uma das ditas impossibilidades. Alguns profissionais falaram para Josiane que ele não voltaria mais a andar e que não havia motivos para investir na sua reabilitação, porém, hoje, ele caminha sem a ajuda de nada e ninguém.

Idade ao sofrer o transplante cardíaco – 36 anos

Idade ao ser entrevistado – 38 anos

Cícero Nunes de Luna, foi diagnosticado com Miocardiopatia Induzida e, por isso, passou por um transplante cardíaco aos 35 anos. Cícero viveu uma infância humilde em Belém do São Francisco - PE, não conheceu seu pai e perdeu sua mãe aos dois anos de idade. Atualmente, é um homem solteiro, que mora com o irmão e se aposentou, da sua profissão de agricultor, por invalidez. Desde criança, Cícero notava que possuía algum problema congênito: “Desde de criança eu ficava vendo bater muito forte, sabe? Quero vestir uma roupa e ficava mexendo na camisa.”, entretanto, só descobriu o que realmente tinha após fazer exames direcionados para a realização de uma cirurgia de descolamento de retina. Para tentar evitar o transplante, Cícero realizou três cirurgias prévias no coração, entretanto, em 2020, devido a um "inchaço cardíaco", seu médico do IMIP decidiu colocá-lo na fila do transplante. Cícero esperou quatro meses por um novo coração, e, concomitante à ansiedade da espera, ele foi internado por 14 dias devido a um quadro de COVID-19. Felizmente, Cícero recebeu o novo coração e, no quarto dia de pós-operatório, já caminhava e conversava normalmente. Desde então, ele não apresentou nenhum indício de rejeição do transplante e conseguiu seguir a vida normalmente.

Cícero descobriu que seu coração foi doado por um homem de 37 anos, usuário de drogas, que bebia e morreu de AVC, após ser procurado pela mãe do doador que também morava em sua cidade, o que facilitou o contato entre eles. Percebeu que, desde que recebeu o coração, se tornou uma pessoa mais estressada do que era antes do transplante, o que considera que tem relação com as características do doador. Apesar disso, ele agradece a Deus que, atualmente, tem um coração novo e seu problema de vista foi resolvido. E, além disso, teve a oportunidade de comemorar seu aniversário de 38 anos com a mãe do doador, que faz aniversário no mesmo dia que ele e desenvolveu uma relação de afeto familiar com a irmã do doador. 

Para Cícero, o apego com Deus foi fundamental para a sua jornada e recomenda que, todos que estão passando pelo mesmo que ele passou, também se apaguem com Deus. Cícero é evangélico, congrega em sua igreja e acredita que era seu dever dar apoio para todas as pessoas que se encontravam na mesma enfermaria ou UTI que ele. Nesse processo, testemunhou muitas pessoas partirem, principalmente por se recusarem a fazer as cirurgias no coração necessárias devido ao medo e à insegurança. Cícero se deparou com momentos difíceis enquanto estava internado, passou por infecções bacterianas hospitalares, além de ter que se alimentar por sonda pois vomitava tudo o que ingeria. Apesar disso, Cícero entregou sua vida a Deus, e hoje pode agradecer a Ele e, também, à sua pequena família por todo o apoio recebido até hoje, podendo ter esperança e bons planos para o futuro.

Diagnóstico – Miocardite Viral

Idade ao ser diagnosticado –  33 anos 

Idade ao sofrer o transplante cardíaco – 33 anos 

Idade ao ser entrevistado – 40 anos 

Erianderson começa a falar sobre seu processo de adoecimento, que teve início com o surgimento de cansaço e uma tosse seca que não teve diagnóstico e foi se agravando. Certo dia, relata que “apagou” e, ao acordar, estava num hospital, no qual ficou internado por 3 dias e recebeu uma suspeita de diagnóstico de hepatite C, que não foi comprovada ainda nesse momento. Após esses dias, foi transferido para o Hospital Universitário de João Pessoa, onde ficou internado por 1 mês e 15 dias e lá foi diagnosticado com uma infecção bacteriana no fígado que atingiu o coração. A partir desse momento, ele passou a ir de 90 em 90 dias ao hospital para fazer acompanhamento e, com o tratamento com os medicamentos, teve uma melhora, porém teve uma piora, passou a ficar cansado novamente e apresentou inchaço. Diz que, nesse momento, ficou desesperado e procurou ajuda médica, pois o médico com quem fazia o acompanhamento se aposentou, além de o ter “desenganado”, como relata, dizendo que ele não aguentaria a realização de um transplante, que o fez ficar desanimado, sem expectativas e desistiu do tratamento após isso, parou de tomar os medicamentos e fazer acompanhamento.

Diz então que continuou seguindo a vida, quando em um dia foi em uma clínica particular com a pressão em “4x2” (40 x 20 mmHg), recebendo um encaminhamento para o hospital Santa Isabel, onde ficou internado na UTI por 13 dias. Os cardiologistas que o acompanharam lá fizeram contato com os cardiologistas do IMIP para passar a ser tratado lá, sendo de fato transferido e, como relata, muito bem cuidado com ótimas equipes e ficou indo e voltando do Instituto para tratar e acompanhar e relata também que entrou na fila para o transplante.

 Em 11 de agosto de 2016, Erianderson relata que teve uma arritmia e um “apagão” em casa, devido à morte de sua sogra, com quem teve contato pouco tempo antes de sua esposa a encontrar já sem vida, e que o chamou para ver se ela realmente assim estava. Pois, quando olhou e confirmou, aí que sofreu a complicação, acordando já com médicos o socorrendo e, no dia 13, chegou ao instituto e desmaiando novamente na porta. Foi internado na UTI por 1 ou 2 dias, recebeu adrenalina e depois foi para a enfermaria, de onde os médicos disseram que ele só sairia transplantado ou morto. Seu médico, Dr. Rodrigo, o perguntou se ele “tinha medo de morrer”, devido sua situação atual, com seu rim quase sendo acometido também, e Erianderson demonstrou uma fé muito grande em Deus, confiando que daria tudo certo, apesar do medo. Em 24 de agosto de 2016, oito dias depois de sair da UTI, apareceu um coração compatível, de um jovem de 17 anos, mas a família recusou a doação. No dia seguinte, 25 de agosto de 2016, surgiu uma nova compatibilidade de um outro jovem de 24 anos na qual foi realizado o transplante, que foi um sucesso, sendo liberado para a enfermaria. Após 8 a 10 dias, pegou uma infecção hospitalar, em que foi preciso realizar outra cirurgia e teve outra parada. Erianderson afirma que sofreu muito nesse período, sentiu muita dor, até gritava, devido ao acometimento da pleura pela infecção. Apesar disso, ficou bem e, mais uma vez, fala da fé em Deus, dizendo que ele o permitiu “retornar de novo”. Passou cerca de 3 meses no hospital após o  transplante, sendo desse tempo, 28 dias em uso de antibióticos fortes de uso contínuo na veia, porque não podia deixar de tomar até para tomar banho.

Ao ser questionado pelo entrevistador se possui lembranças dos outros pacientes que estavam na enfermaria com ele, relata que sim, de alguns, e que uns aguentaram esperar o transplante, outros não. Traz o relato de um paciente que chegou a ser transplantado mas não resistiu. Ele diz que foi muito triste estar nessa situação, acompanhar a incerteza de poder dar certo ou não, tanto para ele quanto para os demais. 

Relata que se aposentou em 2014 por conta do “problema do coração”. Trabalhava em uma empresa que lhe demitiu, e assim que recebeu as contas, apresentou o quadro e, desde então, não trabalhou mais de forma oficial, somente de forma independente, como motorista, mas sem realizar grandes esforços. Fala um pouco mais sobre o sofrimento e a dificuldade que foi até ser transplantado, com os sintomas que teve de enfrentar, como o edema nos membros inferiores, passou muito mal diversas vezes.

Ainda sobre os demais pacientes com quem teve contato na enfermaria, mantém contato com alguns deles, que viveram juntos esse mesmo processo do transplante, e que se sente grato em relação a eles e tudo o que passaram, por estarem bem. Relata também que eles “tiram uma brincadeira” com um deles, que recebeu o coração de uma mulher, dizendo que ele “viraria mulherzinha”. Já o coração transplantado de Erianderson, veio de um homem de 24 anos, após ele vir a falecer em um acidente de moto. Porém, não sabe nada mais a respeito do seu doador e sente vontade de conhecer sua família e agradecer a eles por terem permitido que assim fosse.

Quando o entrevistador o questiona se ele achou que pudesse mudar alguma coisa por causa do coração novo, relata sobre a mudança no modo como passou a dormir, que estranhou e que muitas pessoas fazem perguntas sobre esse tema. Além disso, relata que quando tinha seu outro coração era tranquilo, tinha paciência e ficou mais estressado e ignorante depois do transplante, e diz que não sabe se tem a ver com o doador e o comportamento que tinha, mas que não o conheceu para saber.

Em relação ao cotidiano após o transplante, Erianderson relata que tudo está normal, sua relação íntima com a esposa melhorou, faz o uso dos medicamentos e o acompanhamento médico e de exames adequadamente e diz estar muito satisfeito com sua vida atualmente. Porém, relata que após o transplante tornou-se diabético e que não está conseguindo controlar a alimentação desde então, passou a comer mais e associa o fato à ansiedade de ir ao Instituto para as consultas de acompanhamento, por ter medo de em algum momento acusar algum problema, alguma alteração e pensa muito nisso. Fala também sobre quando descobriu a diabetes, o teste de glicose deu 600 e ele foi para a UTI ser acompanhado e para controlar esse valor alto. Foi controlado, porém perto de ter alta, ficava ansioso e a glicose subia novamente e não saía de lá, relata que foi muito difícil sair por conta dessa questão da ansiedade e esse quadro o deixa muito apreensivo e sua glicose sempre aumenta mais quando vai para o Instituto.

O entrevistador o pergunta sobre o que faz para se divertir e Erianderson conta que gosta de sair com a esposa todo fim de semana para passear, ir tomar banho de rio ou de praia. Relata também sobre a religião ser algo muito importante para ele, que é católico e frequenta a igreja perto de casa, que faz um círculo de oração toda semana, no qual sempre vai com a esposa; diz que desde sempre foi praticante e participava das coisas da igreja e que acha que não mudou sua relação com Deus após o transplante, que sempre pede perdão pelos seus erros e agradece por tudo o que recebe.

Caso encontrasse alguém na fila do transplante, ele daria forças e positividade a essa pessoa, porque só quem viveu o processo sabe o que significa, assim como ele também teve de pessoas que fizeram o transplante antes dele, que davam palestras no instituto para quem estava na fila de espera, dando apoio à todos, que foi algo muito importante para ele pois “levantava o astral” de quem se encontrava triste, meio negativo e desesperançoso.

Diagnóstico – Miocardiopatia Secundária à Hemodiálise

Idade ao ser diagnosticado – 56 anos

Idade ao sofrer o transplante cardíaco – 56 anos 

Idade ao ser entrevistado – 60 anos

O senhor Mario Luiz é um homem branco de 60 anos, que descobriu aos 40 anos que estava com uma doença renal. Por muito tempo os médicos procuraram saber, sem sucesso, qual era a causa da doença dele, cogitaram ser diabetes ou pressão alta, porém só quando o quadro de saúde dele foi se agravando e ele chegou a ficar de coloração verde que descobriram que era um problema renal e desde então ele começou a fazer hemodiálise, ao todo foram 15 anos fazendo hemodiálise, até que ele entrou na fila do transplante de rim, ele chegou a fazer todos os exames requeridos para o transplante, porém foi impedido de fazer por conta de seu coração. A partir de então ele marcou um cardiologista para investigar seu problema cardíaco, foi constatado que ele precisava de um transplante de coração, ele entrou na fila e em cerca de 15 a 20 dias ele fez o transplante duplo de rim e coração. 

De acordo com Mario Luiz ele não queria fazer o transplante do coração, ele estava com medo do procedimento e até o último momento não tinha certeza de que queria a cirurgia. Isso ocorreu porque ele já estava com a saúde muito debilitada e achando que ia morrer. Porém ele enfrentou seu medo, foi para a cirurgia, relata que não se lembra de nada desse momento e só se recorda de acordar no dia seguinte (sexta-feira) a tarde na UTI já com as sondas conectadas. Como ele também havia realizado o transplante renal, precisou ficar um tempo a mais internado, e nessa ocasião pegou tuberculose urogenital, na qual ele começou a urinar sangue por dois meses, e também não urinava tudo que estava em sua bexiga então teve que colocar sonda (cerca de 5 por dia durante 25 dias). 

O transplante foi bem sucedido, porém, a partir do procedimento, no início de sua adaptação (primeiro ano do transplante), ele se infectou com corona vírus (não precisou de internação), tuberculose urogenital, pegou dois outros vírus diferentes que não soube nomear, ficou cego por um tempo, chegou a ter seu intestino paralisado e nessa ocasião ele quase veio a óbito, sangrou pelo nariz e passou muito mal, por conta disso ficou 26 dias internado no hospital. Depois de 7 meses do transplante ele apresentou alguns caroços no estômago, que precisaram de biópsia para saber se eram benignos ou malignos e nesse meio tempo ele precisou retornar com a hemodiálise, porém o resultado foi benigno. Ele relata que nesse primeiro ano passava mais tempo internado do que em casa (cerca de 2 meses em casa e 3 meses internado). Atualmente ele faz um acompanhamento trimestral com o cardiologista e semestral com o nefrologista.

Mario Luiz apresenta um sentimento de não pertencimento quanto ao coração transplantado, pois relata o medo de a qualquer momento uma bactéria causar danos ao coração e ao rim transplantados, ele se vê sempre correndo riscos e vivendo no limite, pois diz que uma pessoa transplantada não pode fazer muitos esforços físicos e sempre tem que estar cuidado do órgão transplantado, não pode comer determinados tipos de comida em excesso e de jeito nenhum pode beber álcool. Ele se sente aliviado pois antigamente precisava ser furado por agulhas todos os dias e tomava cerca de 80 comprimidos por dia, hoje ele só precisa de 9 comprimidos por dia e tem expectativa de baixar cada vez mais essa quantidade. 

Ele não sabe o nome do doador, mas sabe que era um homem de 33 anos, que faleceu em um acidente de moto, por conta disso ele vendeu a moto que ele tinha, e não tem curiosidade de saber mais sobre o doador. Além de todos esses sentimentos conflitantes, ele ainda se mostrava frustrado por precisar do transplante, diz ser um cara bom e não entender porque tudo isso aconteceu com ele, porém, hoje ele diz recomendar o transplante a todos que precisam, pois sua vida mudou desde então e ele encara o transplante como uma vida nova que lhe foi dada, ele diz que suas principais motivações para o transplante foram Deus e sua neta Maria Gabriela de 7 anos, pois queria ver ela crescer. 

Atualmente Mario Luiz não faz muita coisa, ele sempre trabalhou na roça, que exige muito esforço físico, tem vontade de trabalhar de novo, porém ele não pode mais exercer tanto esforço assim, ele conta que as vezes ele lava carro e faz trabalhos domésticos para se distrair, mas não pode ir muito além disso, porém ele é muito grato pela oportunidade que lhe foi dada porque antes do transplante ele não tinha motivação para nada por conta de sua condição de saúde. Hoje ele pode sair para pescar e aproveitar a vida, não como antes de seus problemas de saúde mas com mais disposição do que a que ele tinha quando estava doente. 

Com relação a sua vida sexual ele relata ter recuperado um pouquinho do que era antes de todas as suas questões de saúde se complicarem, porém ele diz que a esposa compreende sua condição física e o casamento deles é muito mais sobre amor e cumplicidade do que qualquer outra coisa. 

Mario Luiz recomenda intensamente o transplante para quem precisa, o transplante o tornou mais empático e cuidadoso com o mundo que o cerca. Com relação a suas expectativas para o futuro ele espera poder passear e se divertir, ele relatou ter familiares em Minas Gerais, Mato Grosso e próximo da Amazônia, Belém do Pará e Brasília e quer passar um tempo por todos esses lugares, aproveitando a família. 

Diagnóstico – Endomiocardiofibrose

Idade ao ser diagnosticado – 19  anos

Idade ao sofrer o transplante cardíaco – 26  anos

Idade ao ser entrevistado – 29  anos

Aos 19 anos, Rafael era um jovem de vida agitada, trabalhava na loja da sua mãe e gostava de correr. Foi em janeiro de 2019 que sua vida mudou, pois depois de ir se divertir e beber em um festival na praia, começou a se sentir extremamente inchado e cansado, não conseguindo ficar em pé e só suando frio. Assustado, foi com os pais ao médico que constatou um problema no fígado que logo começou a tratar, porém mesmo ele se sentindo melhor sua mãe percebia que o cansaço persistia e começaram a procurar alguém para explicar o que estava acontecendo com ele.

Passou por diversos especialistas e recebeu vários diagnósticos, até que um pneumologista pediu uma tomografia que constatou coração grande, sendo logo encaminhado para o IMIP para acompanhamento. Para o Rafael o diagnóstico foi um baque, na época fez diversos exames e nada apontava o que causou o aumento do seu coração. 

No começo, assim que descobriu a doença, tornou-se displicente com a própria saúde, para ele tudo era um pesadelo e que ao acordar nada daquilo seria real. Logo, não seguia as ordens médicas, faltava às consultas e não buscava se tratar. Não conseguia acreditar na sua situação e esse comportamento levava ele a ser internado quase que de 20 em 20 dias todo inchado e passando mal. 

Ele seguiu assim por um tempo até que além do cansaço e inchaço, que já estavam virando rotineiros, começou a ter episódios de “apagão”, sendo que um deles relata ter precisado de massagem cardíaca na unidade de saúde da sua cidade antes de ser levado para o IMIP, onde colocou um CDI, aparelho para controlar alterações na sua frequência cardíaca. Porém sua situação já era grave e não dava mais, a única solução era um transplante de coração.

“Ali eu: pronto, agora eu vou morrer”, Essa foi sua primeira reação a saber da necessidade da cirurgia. Sabia que trocaria seu coração por um novo, mas não entendia muito bem, pensava em muitas coisas e principalmente que iria morrer na mesa de operação. E tudo isso coincidindo com o início da pandemia por COVID-19, doença que ele contraiu ainda internado, mas sem ter apresentado sintomas.

Foi em 17 de agosto de 2021, 5 anos após o começo de todo o quadro de cansaço e inchaço e já com 26 anos que Rafael recebeu seu transplante cardíaco. Ficando 15 dias na UTI em coma sem saber especificar o porquê, ele recebeu alta somente depois de três meses internado por causa de uma infecção viral que prejudicou seu rim e o fez realizar hemodiálise. Mas após esse período, ele considera que se tornou outra pessoa. 

Pois logo assim que chegou em casa, repensou toda sua vida e as relações que tinha com familiares e amigos. Rafael acredita que todo aquele processo o amadureceu, pensar que poderia ter morrido assim como aconteceu com alguns amigos que fez no IMIP e que não resistiram a espera, o fez dar mais valor a vida e a valorizar mais a sua saúde, “sei que mudei bastante a forma que eu era para forma que sou hoje.” 

Sobre o doador, que ele tem muita curiosidade de saber quem foi, Rafael diz que ora e agradece todo dia a sua família, pois é plenamente grato pela nova oportunidade que teve de viver e que saber que essa chance foi dada graças a perda de um ente querido de alguém só o fez ter mais zelo pelo novo órgão que recebeu.

Quando uma pessoa que estava na fila do transplante para coração veio falar com ele, sobre curiosidades e medos, ele disse que ressaltou duas coisas: “você tem que querer, você tem que fazer por onde”. Rafael defende que cada um vai ter uma experiência, mas uma boa recuperação depende da pessoa pois bons médicos têm, porém não adianta receber um novo coração de alguém e querer viver a vida como antes e de modo desregrado, o que aconteceu com alguns amigos que fez no hospital. 

Para Rafael, o transplante foi incrível. Atualmente ele tem uma vida normal, consegue correr e jogar bola. Ele se recorda que quando a mãe, que havia visto ele na UTI e toda hora internado, o viu praticando jiu-jitsu, ela só soube chorar pois para ela aquilo, ver ele viver, era a maior conquista. E para o futuro, Rafael pensa em fazer medicina, pois tendo a mãe e a avó como exemplos de profissionais da saúde e com tudo que passou até ali, uma paixão pela profissão foi criada.