A comunicação do diagnóstico da hanseníase, como diz a dermatologista Sônia, é um momento extremamente delicado, um divisor de águas na vida dos pacientes. Por esse motivo, essa experiência marca de forma importante os médicos, os principais responsáveis pela comunicação diagnóstica. A maioria deles nos conta que é necessário estar preparado e ter cautela durante esse momento.
Sabemos que, ao longo dos séculos, a hanseníase levantou receios e preconceitos. A ausência de um tratamento eficaz e o desconhecimento da forma de transmissão da doença levaram à internação compulsória de pacientes, em uma época marcada pelo estigma e pela falta de informação. As lembranças dessa época, embora antigas, permanecem vivas na memória de muitas pessoas. O receio de enfrentar o isolamento evidencia-se no momento do diagnóstico, principalmente para os mais velhos.
Como nos explica Maria do Carmo: “é difícil pra eles, pra muitos, principalmente os mais idosos, a gente tem paciente com mais de setenta anos, mais de oitenta anos, que também viveram essa fase das internações compulsórias nos leprosários, nos asilos. Então eu acho que fica muito essa memória naquelas pessoas”.
Em 1995, a Lei no 9.010 instituiu que o termo "lepra” e seus derivados não podiam mais ser empregados em documentos oficiais. O Brasil permanece, até os dias de hoje, como o único país do mundo que modificou o nome da doença para hanseníase. Essa mudança de nome, no entanto, pode causar algum mal entendido no momento do diagnóstico. Nesse sentido, Maria Kátia aborda a importância de esclarecer ao paciente o histórico da doença:
“Primeiro que eu tenho um protocolo que eu cumpro quando eu faço o diagnóstico. Então, para todos os pacientes, eu falo que a hanseníase é uma doença que está escrita na bíblia, e que quando a bíblia foi escrita, todas as lesões de pele, sejam de vitiligo, de psoríase, de eczema seborreico, de elefantíase eram chamadas de lepra e, na medida que a medicina foi evoluindo, essas doenças foram ganhando nomes diferentes, prognósticos diferentes, abordagens diferentes, mas ficou a hanseníase, que só o Brasil chama de hanseníase, mas o mundo inteiro chama de lepra”.
Apesar do seu esforço, Maria Kátia revela que, mesmo fazendo essa explicação, nem sempre tem êxito nessa conversa, e relembra do desentendimento com uma paciente que marcou sua experiência na comunicação diagnóstica:
“Tinha uma paciente chamada Nanci que ela falou assim: "Olha, quando foi feito meu diagnóstico, a doutora falou que eu tinha uma doença chamada hanseníase e eu não sabia que doença era essa, fui pra casa tranquila. Três meses depois chegou um filho meu que era caminhoneiro, quando eu contei pra ele, ele falou "mãe, hanseníase é lepra!” E eu no dia seguinte fui procurar a doutora Kátia e falei: “Doutora Kátia, eu estou com lepra e a senhora não me falou!".
Nesse processo, ela considera imprescindível, portanto, confirmar que o paciente compreendeu o que significa o diagnóstico de hanseníase e se apropriou desse conhecimento: "Mas você entendeu o que você tem? Será que você consegue me explicar? Se você fosse dar uma aula pra esses alunos que estão aqui na sala, o que você diria que é a hanseníase?"
Maria Leide, médica dermatologista com experiência histórica no cuidado da hanseníase, acompanhou essa mudança do nome da doença. Ela nos conta sobre uma experiência em particular, na qual comunicou o diagnóstico como “hanseníase” sem mencionar o termo “lepra”. Essa escolha, embora corrobore à tentativa de ressignificação da doença e de quebra de antigos paradigmas, causou um desentendimento que trouxe inúmeras consequências para a vida social da paciente:
“Eu fui formada pra dizer na Dermatologia que era hanseníase. Hanseníase é uma doença que tem tratamento e tem cura. E aí essa paciente falou pra todo mundo que tinha hanseníase, talvez tenha achado o nome até bonito, mas uma filha virou pra ela e falou "mãe, a senhora não fica falando isso pra todo mundo porque essa doença que a senhora tem, a hanseníase, ela é lepra". E a senhora falou "mas a doutora não falou isso comigo". Essa filha foi me visitar e falou "olha, doutora, eu vim falar com a senhora que a minha mãe está internada numa clínica psiquiátrica. Ela entrou em parafuso e eu queria dizer que a senhora podia ter evitado isso, porque, se a senhora talvez tivesse dito pra minha mãe que hanseníase era lepra, ela não teria falado pra todo mundo, ela não tinha... Ela tinha entendido o que ela tinha desde o começo, e não tinha acontecido o que aconteceu, porque nós tivemos que falar com ela, e talvez a gente não tenha falado da melhor forma, porque ela achou que... ela não sabia que hanseníase era lepra". E aí, realmente, foi uma lição pra sempre”.
Essa experiência na comunicação diagnóstica foi um grande ensinamento para ela: “Hoje quando eu vou dizer pra um paciente que ele tem hanseníase, eu pergunto se ele sabe o que é hanseníase, e quero ouvir dele o que ele sabe e, mesmo ele dizendo que sabe ou quando diz que não sabe, eu pergunto se ele sabe de um outro nome dessa doença, e eu faço uma referência à lepra. Coisa que, inclusive, é combatida por alguns pacientes".
Frequentemente, os médicos dizem que os pacientes apresentam dificuldade na aceitação da doença ao receber o diagnóstico. O ortopedista Cabral, embora não seja o principal responsável pela comunicação diagnóstica em sua equipe, narra que muitas vezes os pacientes querem fazer outros exames para confirmar o diagnóstico e questionam “mas doutor não pode ser outra coisa? É isso mesmo?”.
Maria Leide também recorda-se de um caso em que o paciente teve dificuldade de aceitar seu diagnóstico, e, para além disso, queria constantemente descobrir como contraiu a doença:
“Eu tratei um médico que, foi assim, um dos casos mais difíceis que eu tive. Ele não aceitava, ele ficava procurando onde ele se contaminou, e em que emprego foi, com que paciente foi…”
A neurologista Marcia Jardim menciona uma experiência singular na comunicação diagnóstica. Sendo especialista em hanseníase neural pura, uma forma da doença que não se caracteriza pelas clássicas manchas de pele e pouco conhecida pelos médicos em geral, ela nos conta que o diagnóstico frequentemente é um alívio para seus pacientes. Esse “alívio” ocorre em razão dessas pessoas já terem frequentado diferentes serviços de saúde, por muitos anos, em busca de um diagnóstico conclusivo.
“Ele finalmente teve um diagnóstico. Como eu falei, muitas vezes esse paciente passa alguns anos investigando um comprometimento neurológico que vai piorando. E assim ele se sente aliviado de ter um diagnóstico e poder tratar.”
Diante do estigma associado à hanseníase, Maria do Carmo ressalta a relevância do acolhimento do paciente no momento do diagnóstico. Percebe que o sucesso no acompanhamento do paciente é resultado do vínculo que a equipe de saúde estabelece com ele. “A gente tem conseguido criar vínculos com esses pacientes. Vínculos de que eles se sintam acolhidos. [...] Foram 25 anos e nenhum paciente da gente abandonou o tratamento, todos completam. Então de alguma forma, eu acho que eles sentem acolhidos.”