A reabilitação de pacientes portadores de hanseníase está diretamente relacionada às consequências da doença. Nesse sentido, destacam-se não só ações de reabilitação físicas, por conta das sequelas e deformidades deixadas pela doença, mas também medidas que buscam reinserir o paciente na sociedade e no mercado de trabalho, chamadas, respectivamente, de reabilitação social e profissional, visto que a hanseníase, principalmente pelo estigma que apresenta, tende a afastar os que a possuem do convívio com outras pessoas, o que causa grande sofrimento aos doentes, que também deve ser curado.
A reabilitação física, feita com fisioterapia e cirurgias de reabilitação, além de possuir caráter funcional, ajudando os pacientes a viverem melhor com a sequela ou corrigindo-a, tem também um valor estético incluído, principalmente quando falamos dos procedimentos cirúrgicos. Dessa forma, podem ser procuradas por ser uma forma de diminuir o preconceito, dificultando a identificação dos pacientes por meio dessas deformidades. O ortopedista Cabral realiza essas cirurgias, e comenta sobre o valor histórico que essa correção tem:
"Mas eu acho que é, essa questão do preconceito ainda existe muito. E eu como cirurgião, quando eu vejo que o paciente é…, eu ofereço até uma forma de ajudá-los. Por exemplo, a questão da atrofia do primeiro espaço, quando eu comecei trabalhar, a questão do primeiro espaço, a lesão do nervo ulnar atrofia o primeiro espaço pela própria atrofia do músculo adutor interósseo dorsal. Então é o estigma da doença. Em áreas endêmicas como Rondônia, Acre, eles vêm muito atrás desse, dessa cirurgia do preenchimento aqui. No passado, eles nas colônias antigas, eles se auto injetavam parafina quente nesse espaço. Então quando eu comecei meu trabalho no Santa Marcelina, ex-colônia, eu cheguei a operar vários casos infectados, eles injetavam parafina e virava um parafinoma, um abcesso, chama parafinoma. A gente limpava aquilo tudo, entendeu, pra melhorar o aspecto da mão. Uns injetavam nos outros parafina. Hoje nós temos próteses, ou biológica, tirando tecido dérmico gorduroso e colocando aqui, ou próteses de silicone, que a gente faz, para esse tipo de incapacidade. E tem mais, em áreas endêmicas, pessoas que lesam o nervo ulnar de forma traumática, acidente de trabalho ou acidente pessoal, para não ser confundido com paciente atingido pela hanseníase, eles vêm muito atrás dessa cirurgia.”
Esse processo, no entanto, deve ser feito de forma integral, isto é, deve incluir não apenas a esfera física, mas também emocional, socioeconômica e até mesmo espiritual. A reinserção no mercado de trabalho é tema relevante para as equipes, que acabam formando alianças para além do sistema de saúde. Cabral nos conta sobre sua experiência em parceria com o SENAC na profissionalização e recuperação de doentes que acompanha.
"Eu gosto muito de fazer a reabilitação física, mas falar muito no contexto da reabilitação emocional, social, econômica. Um fato que eu não relatei, mas para mim é de maior relevância mesmo, é o momento que eu consegui, através de um contato pessoal com o presidente do SENAC Rondônia, fazer com que os pacientes que eu tivesse operado, tivesse reabilitado, todo o curso que o SENAC dá inicio tem vaga para dois pacientes com hanseníase que foram reabilitados. Isso até hoje esse convênio permanece. Então nós temos pacientes hoje, no contexto, inserido no mercado de trabalho, e muito bem. Professores da área da informática têm vários, vários mesmo, que a gente conhece, e que estão inseridos até em cargos de programador, ou mesmo consertando computadores, então isso é muito interessante."
Além da reinserção no mercado de trabalho, o aprendizado de novas habilidades pode trazer o benefício secundário de recuperar a vida social dos pacientes, à medida que os dá a possibilidade de retomar uma rotina voltada para outra coisa que não a doença, fazendo-os ampliar seus horizontes e, assim, melhorar a saúde emocional. Nesse sentido, o trabalho multidisciplinar é essencial para a reabilitação bem sucedida, sendo os grupos de apoio, formados por diferentes profissionais, a principal ferramenta para esse cuidado. A fisioterapeuta Rosângela, que se alegra com a recuperação de seus pacientes, destaca que:
"A satisfação é a gente poder ver as pessoas recuperadas. Agora, no ambulatório, a gente está vendo pessoas, que operaram há 1 ano, 2 anos, 3 anos, 4 anos, essa senhora mesmo que tem a filha especial, ela tava aqui, vendendo, ela e outros também, no primeiro dia eles estavam vendendo o que eles aprenderam no empreendedorismo, uma oficina que nós fizemos aqui. Então eles fazem bombom, eles fazem bolo, eles fazem pano pintado, de crochê, sandálias, coisas que eles aprenderam aqui, que fizeram eles terem uma renda extra, e hoje eles tão vivendo disso, é pouquinho, mas é algo que contribui com a renda deles, e eles se mantém ocupados, isso favorece o psicológico. Então todo esse empreendedorismo faz com que contribua com a função social, o convívio social. Tinha pacientes que eles achavam que a vida tinha acabado ali, com a pato... com a doença, com a descoberta da hanseníase, e hoje eles vivem a vida de uma forma diferente. Tinha paciente que pensava em se matar entendeu, que pensavam no suicídio, hoje eles não pensam mais, eles querem viver. Nós tínhamos uma paciente aqui, que ela diz hoje que hoje ela quer viver, ela quer contribuir com outras pessoas, inclusive ela é uma das responsável por um grupo que a gente tem de autocuidado, entendeu, e hoje ela vem, ela dá depoimento, ela trabalha com arteterapia, ela ensina pra outras pessoas, eles fizeram vasos de toalha com cimento, fizeram várias coisas. Então hoje ela enxerga a vida de uma forma diferente."
A assistente social Elen também ressalta a importância de recuperar os pacientes socialmente, por vezes tirando do foco a doença em si, para colocar os pacientes e suas possibilidades em evidência no lugar, e destacando sua crença na arte como forma de impulsionar esse processo:
"Ano passado nós fizemos uma parceria, escrevemos um projeto, que se chamava "trocando a mancha pela dança", e que nós convidamos a escola carioca de dança para fazer um projeto, e durante 5 meses nós realizamos nas reuniões de grupo umas atividades de dança com essas pessoas. E aí nós trabalhamos a questão da mobilidade, da participação, da integração, e em todas as reuniões, ao invés de falar de hanseníase, da doença propriamente, a gente falava da questão da dança. E aí, ao final, na última reunião, que culminou com a festa de final de ano, todos os pacientes dançaram. Então foi muito rico, muito emocionante. Paciente com muleta, paciente com bengala, paciente amputado em cadeira de rodas que dançaram. Então são momentos de superação que é inexplicável a emoção da gente ver um trabalho bem feito, um trabalho realizado, e essas pessoas se socializando, integrando, se aceitando, se vendo, se gostando, e tendo a certeza que eles podem ter uma participação social como qualquer outra pessoa que não tenha hanseníase."
Nesse sentido, apesar de representar um grande desafio, a reabilitação tornou-se uma das etapas mais gratificantes do cuidado, de acordo com os profissionais, que destacam que, apesar das experiências positivas, ainda há muito para avançar na reabilitação: faltam investimentos contínuos na área e programas de governo que permitam estabelecer estratégias nos múltiplos campos necessários, como nos afirma a dermatologista Maria do Carmo:
"Eu acho que a gente ainda precisa avançar muito nessa, nessa, nesse paciente global, nessa possibilidade de, de novos horizontes pro paciente, nessa reabilitação real do paciente. Não só reabilitação física, mas como a gente viu hoje nas aulas, a reabilitação social, a reabilitação econômica, eu acho que falta programas de governo que vejam essas necessidades, que eu acho que isso é uma coisa maior. Mas por ser maior, não implica de a gente não sair procurando formas de fazer dentro do contexto que a gente tem."