A hanseníase é uma doença que exige uma maior atenção por parte dos profissionais, por lidarem diariamente com histórias carregadas de preconceito, conceitos de transmissão e cura difíceis de entender, tratamento que demanda idas mensais aos ambulatórios a depender da forma de apresentação da doença e das suas intercorrências. Esses pontos singularizam a hanseníase de outras doenças, o que exige do profissional adquirir um olhar mais apurado durante a abordagem do paciente.
Dessa forma, não só existem diferenças apenas no estabelecimento do cuidado, mas também no momento de colher os frutos desse trabalho, que representam as várias satisfações relatadas pelos profissionais em suas entrevistas. Um maior esforço empregado no acolhimento gera uma mais forte aproximação entre profissional e paciente, criando um vínculo poderoso que muitas vezes não é visto em outros cenários da assistência. Sendo assim, as experiências cotidianas tornam-se mais exacerbadas, no sentido de gerarem grandes emoções e reações, como nos conta a dermatologista Maria Kátia, que trabalha no ambulatório de hanseníase do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, um centro de referência para a doença no Rio de Janeiro:
"Olha, como é uma doença que tem muita mobilização, também gera muito afeto, muita gratidão, muito reconhecimento, muito vínculo. Cada paciente tem uma história pra contar e de cada uma dessas histórias a gente aprende pras nossas vidas, é uma troca muito rica, apesar do ambulatório ser muito cheio e muitas vezes a gente atender 18 pacientes numa tarde, 15 pacientes numa tarde, e as consultas não serem muito longas, elas são consultas curtas, mas a gente tem no HU com os pacientes da hanseníase um processo de longitudinalidade, eles vão e eles voltam sempre que eles precisam, e eles são remarcados para voltarem por um tempo muito longo, por um ano, dois anos, então você estabelece vínculos que são muito fortes e muito definitivos com os pacientes, e eu acho que toda relação implica em enriquecimento pessoal."
Outro exemplo é na ocasião da alta, que torna-se emocionante pelo tempo que o paciente ficou em tratamento e também pelas dificuldades que ele pode ter enfrentado nesse processo. Na hanseníase, mesmo após ou durante a poliquimioterapia, o tratamento padrão iniciado após o diagnóstico, pode haver o surgimento de reações hansênicas, causadas por alterações no sistema imunológico. As reações demandam mais medicamentos e um maior tempo de acompanhamento nos serviços de saúde. Maria Leide relata como a alta é esperada, não só pelos pacientes, mas também pelos médicos:
"Eu tenho um paciente que uma vez tomou a penúltima dose e eu falei "no próximo mês o senhor vai ter alta". No próximo mês chegou a mulher com um bolo e uma garrafa de Coca-Cola e outra de Guaraná. "Doutora, a gente vai comemorar a alta que a senhora falou", eu falei "a gente pode comemorar a alta da próxima vez", eu falei comemorar, assim, comemorar... Só que eles me trouxeram bolo e refrigerante e foi uma festa de comemoração, eu tenho até foto com esse paciente e com a festa no ambulatório. Então, assim, quando você dá alta num paciente e o paciente, principalmente quando o paciente não tem reação, ou quando o paciente tinha um quadro... Porque as respostas são muito diferentes, cada paciente responde de um jeito. Tem paciente que você jura que ele vai fazer um quadro reacional e apresentar intercorrências, e que você não vai poder dar alta pra ele no final do tratamento específico, porque vai ficar mantendo aquela reação imunológica durante anos, mas às vezes não é bem assim, tem pacientes que não fazem nenhuma intercorrência.”
A dermatologista Sônia costuma brincar com os pacientes sobre a alta, comentando que seu objetivo de cuidar fica ainda mais completo quando ela tem a chance de interferir na progressão da doença, deixando o paciente sem sequelas:
"Eu falo que vou dar um pé na bunda "ó, eu tô doida pra dar um pé na bunda de vocês", que é na hora que eu vou dar alta, que o paciente já tá bom, que já tratou, que saiu sem sequela, a gente fez tudo por ele, e ele sai sem sequelas, e ele sai muito feliz e o serviço também, muito feliz, porque a gente cumpriu a nossa parte da missão que a gente tem como médico, como cuidador."
O autocuidado é essencial para todos os pacientes com hanseníase que apresentam perda da sensibilidade como sequela da doença. Ele é realizado através da mudança nos hábitos cotidianos, o que muitas vezes exige esforços dos pacientes para adaptação do seu dia-a-dia. Além do autocuidado, os exercícios fisioterápicos também podem representar uma grande mudança na rotina. Esse trabalho repetitivo e prolongado durante as sessões de fisioterapia pode não ser entendido pelos pacientes, o que faz com que a fisioterapeuta Silvana fique feliz quando é compreendida e tem a chance de contribuir para impedir a progressão da doença:
“Satisfação é você ver que você deu a instrução pro paciente, que você orientou e que você está fazendo um esforço para que previna as lesões, para que previna as sequelas e você ver que o paciente entende, que o paciente compreendeu aquilo, e que ele volta e você vê que ele realmente está seguindo as orientações dadas, então... Você vê que você realmente pode colaborar de alguma forma para que o quadro dele não se agrave, ou que se estabilize daquela forma.”
Não só a parte física, mas a transformação que ocorre na vida pessoal dos pacientes também é motivo de orgulho para os profissionais, sobretudo nos casos mais graves. O estigma da doença, acentuado nesses casos em que é possível identificar que o paciente é portador da hanseníase, acaba gerando profundo sofrimento. Esse sofrimento é decorrente tanto da exclusão social, quanto do autoestigma, que se aliam à insatisfação gerada pelas limitações físicas que a doença traz.
Dessa forma, a fisioterapeuta Rosângela, que participa da coordenação de grupos de autocuidado e oficinas de diversos temas para os pacientes no hospital onde trabalha, nos conta da satisfação que tem ao notar que seu cuidado ajudou a melhorar a vida daquele paciente, que chega frequentemente sem esperanças para si mesmo:
"A satisfação é a gente poder ver as pessoas recuperadas. Agora, no ambulatório, a gente está vendo pessoas, que operaram há 1 ano, 2 anos, 3 anos, 4 anos, essa senhora mesmo que tem a filha especial, ela tava aqui, vendendo, ela e outros também, no primeiro dia eles estavam vendendo o que eles aprenderam no empreendedorismo, uma oficina que nós fizemos aqui. Então eles fazem bombom, eles fazem bolo, eles fazem pano pintado, de crochê, sandálias, coisas que eles aprenderam aqui, que fizeram eles terem uma renda extra, e hoje eles tão vivendo disso, é pouquinho, mas é algo que contribui com a renda deles, e eles se mantém ocupados, isso favorece o psicológico. Então todo esse empreendedorismo faz com que contribua com a função social, o convívio social. Tinha pacientes que eles achavam que a vida tinha acabado ali, com a doença, com a descoberta da hanseníase, e hoje eles vivem a vida de uma forma diferente. Tinha paciente que pensava em se matar, que pensavam no suicídio, hoje eles não pensam mais, eles querem viver. Nós tínhamos uma paciente aqui, que ela diz hoje que hoje ela quer viver, ela quer contribuir com outras pessoas, inclusive ela é uma das responsável por um grupo que a gente tem de autocuidado, e hoje ela vem, ela dá depoimento, ela trabalha com arteterapia, ela ensina pra outras pessoas, eles fizeram vasos de toalha com cimento, fizeram várias coisas. Então hoje ela enxerga a vida de uma forma diferente."
Nesse sentido, há destaque para as mudanças positivas que essa atenção, voltada para outras questões além da física, pode gerar. Reconhecer que os pacientes se recuperam de experiências de preconceito e voltam a sentir esperança em suas vidas é uma grande satisfação. Mabel, fisioterapeuta, relata sua experiência com esse cuidado e grande satisfação que a superação pode acarretar:
"Satisfação de estar, principalmente, dar atenção àquele indivíduo e possibilitá-lo de mudar aquele paradigma da questão da hanseníase, da incapacidade, sabendo que, mesmo ele tendo uma incapacidade física, ele pode ser adaptado, que ele pode trabalhar, que ele pode ter uma vida funcional muito boa... Saber que ele modificou esse estigma dele, aquela açãozinha, não é o atender, não são as manobras fisioterapêuticas que fazem com que esse paciente seja mais ou menos capaz, mas do acreditar nele, de acreditar que ele é um ser, que ele é produtivo, que ele tem valor, que não é a hanseníase que marca a vida dele, que ele é uma pessoa que tem, que teve uma doença e essa doença causou uma sequela, e não que ele é a doença. Porque o que acontece muito na hanseníase é justamente o indivíduo achar que a hanseníase é a vida dele, ele passa a viver a doença como a vida dele. Acho que é isso."
Por fim, Maria do Carmo reforça a ideia de que o paciente é o melhor parâmetro de satisfação que temos. Ver a recuperação e a melhora dos pacientes em todos os aspectos é um retorno incomparável, pois é a confirmação de que o trabalho dos profissionais deu certo e todo o esforço valeu a pena:
“Eu acho que é olhar o brilho no olho do paciente, quando ele chega com aquela carga e, de repente, você vê pessoas florescendo na sua frente. Eu acho que isso é o maior, o maior retorno que eu posso ter.”