Impacto Sobre o Trabalho

O trabalho é uma das áreas de maior impacto para as pessoas com hanseníase, que ficaram com sequelas comprometendo a força nos braços, movimentos finos com as mãos e os dedos, ou a força nas pernas, e a sensibilidade em qualquer dos membros. 

Dos participantes que precisaram mudar de trabalho ou interromper o trabalho por apresentarem sequelas, é muito frequente ouvirmos que o que mais queriam era voltar a trabalhar, mas se destaca a resiliência de muitos.

João Carvalho é um dos que têm saudades do seu trabalho, mas hoje mantém “biquinhos na rua”.

Eu trabalhei 20 anos de carteira assinada, mas eu tinha vontade de voltar ao que eu era antigamente: fazer massa pra pedreiro, descarregar meus caminhões, a coisa que eu mais gostava era descarregar e carregar os caminhões. Mas hoje eu tenho meus afazeres na rua, tenho meus biquinhos na rua, porque eu já estou aposentado já, porque sou diabético, sou hipertenso.”

 

Denis como Jucenir trabalhavam como eletricistas, e precisaram parar. “Não conseguia segurar um parafuso, alguns serviços eu não podia fazer, então eu fui largando”. Denis então seguiu como “voluntário da Cruz Vermelha”, pois havia sido “formado em 1985 em especialista de resgate” e sente-se bem, prestigiado pois trabalha com muitos médicos. 

Alguns participantes conseguiram manter-se fazendo o que gostam, mas em bem menor quantidade, numa adaptação possível de seu trabalho, de forma a não interromper totalmente. Loris há 3 anos não exerce mais sua função.

no momento, agora, eu faço comida pra eventos, aí eu trabalho mais na parte da tarde. A moça que me contrata, quando tem festa, que ela tem, ela trabalha com a parte de alimentação, sempre que ela pega festa, ela pega o buffet e ela passa pra mim a parte da comida, e eu faço. Trabalho bem, assim consigo.”

Ana das Graças também faz o que pode, o que consegue:

“O estrago de eu não poder mais trabalhar na minha profissão, que eu sou costureira. Eu amo costurar, eu vendi uma máquina, mas tá lá, meu marido fica mandando eu vender e eu digo "não vendo". Aí de vez em quando aparece alguém, aí pede pra eu apertar uma perna de calça, eu pego. Mas eles sabem que eu pego hoje e não posso fazer hoje mesmo.”

Ermelinda trabalhou a maior parte da vida dela em garimpo, antes e depois do diagnóstico aos 24 anos.

Eu cozinhava pros peões, pra peãozada lá tirando ouro, diamante. Eu cozinhava. Fazia reco também. Reco. Depois que eles já jogam aquele material fora, a gente vai com a peneira ou com a batéia, que são as ferramentas lá do garimpo, pra gente ver se achava mais alguma coisinha. A gente sempre achava algum fagulinho de ouro. E lá em Roraima eu convivia com os índios lá. Os índios faziam reco e davam o ouro pra mim. Eles gostavam de mim, os Ianomâmi. Eu fiquei 2 anos lá, trabalhando junto com eles lá.” 

Com 30 anos, Ermelinda se casa e não trabalha mais fora. “Fico só dentro de casa mesmo. O que eu posso fazer eu faço, o que eu não posso, ele me ajuda, que ele me ajuda em tudo, e estamos levando a vida.

 

Elias, que adoeceu na infância, veio do interior e viveu na colônia em Porto Velho por alguns anos, ele nos conta: “tentei estudar, eu tentei estudar, eu queria ser alguma coisa, mas o preconceito era tão grande que se você não fosse muito bom, era capaz de você fazer besteira, sabe?”  Mas Elias conseguiu. 

Comecei trabalhando de servente, aí comecei a trabalhar, trabalhar, e aí depois me aprofundei mais nos estudos, e aí comecei a trabalhar como mestre de obras. Trabalhava particular mesmo, eu pegava o serviço, entregava uma casa prontinha. Aí eu fiz um curso de desenho, aí me ajudou mais, aí eu comecei a trabalhar com desenho que aquela construção que eu ia fazer eu mesmo já fazia o projeto. [...] a cidade aqui era pequena, então precisava muito desse tipo de trabalho. Construí muito.”

 

Maria da Conceição considerou que precisava parar de trabalhar. Dona de um salão de cabeleireiros, “se eu tirava a barba de um senhor, eu tinha que ficar próxima a ele, num é verdade? Eu tinha que ficar próxima a ele. Se eu ia tirar uma sobrancelha, fazer uma química... Aí eu não queria prejudicar ninguém, eu tinha medo. Porque a pessoa profissional tem que se garantir.

E Taísa, que trabalhava como diarista, sente muitas dores ao tentar fazer o trabalho na própria casa.

Eu tenho dificuldade pra dar uma lavada de roupa, pra torcer, a mão dói, porque se eu forçar pra torcer a roupa, isso aqui incha, ele incha e dá tipo um carocinho no nervo. Aí dá tipo um carocinho no nervo, aí que dói mesmo. Pra mim, se for pra dentro de casa, mudar alguma coisa dentro de casa, tem que ficar daquele jeito porque eu não consigo. Ou então tenho que esperar meu marido chegar, minha mãe vir pra poder me ajudar. Nessa dificuldade é muito ruim. As coisas que eu fazia, é difícil eu fazer agora por causa da doença, porque me machuca muito, me maltrata muito essa doença.

Cintia era jardineira, e assim como Taísa, não tem mais possibilidade de trabalhar.

Cheguei a falar no trabalho que eu não estava tendo condição de trabalhar. Eu não estava tendo força mais de trabalhar, de mexer com os aparelhos. Cortar grama, fazer as coisas que um jardineiro tem que fazer. Não conseguia mais, não conseguia.”

Os participantes sem sequelas seguem suas vidas sem tantos impactos no trabalho.