Limitações Cotidianas

O que depende de força nos braços, ou o que depende de força nas pernas para caminhar um pouco mais, para correr ou subir muitos degraus e, ainda, o que depende de sensibilidade nos membros e extremidades, ou de movimentos finos com as mãos e os dedos, enfim são essas as limitações cotidianas de que nos falam muitas vezes os participantes, e que trazem consequências nas atividades rotineiras e nos projetos de trabalho. 

Ao serem perguntados sobre as limitações cotidianas, ao se defrontar com o que gostariam de fazer e não podem, vários participantes logo nos respondem que o que realmente queriam era voltar a trabalhar, voltar a ter a vida que tinham. O projeto de trabalho interrompido pela doença é uma grande perda. A costureira, o caminhoneiro, o pescador, o serralheiro, a jardineira, o eletricista, a cabelereira...

Ana das Graças nos diz: eu sou costureira e não posso costurar mais [...] Eu não tenho tato, eu não abro uma garrafa PET, se meu marido fizer café e apertar muito a garrafa eu não consigo abrir. Eu não tenho força nas mãos. Eu não tenho forças pra cortar um vestido de festa, pra costurar. Eu perdi o tato, meu problema é esse.”

 

“Olha, minha vontade hoje era voltar ao que eu era antigamente, porque hoje não trabalho mais empregado. Eu vivo no meio da comunidade, vivo no meio das pessoas, eu brinco, eu caçoo, mas só que muitas coisas que eu fazia antigamente, eu não faço hoje mais [...]. Eu trabalhei 20 anos de carteira assinada, mas eu tinha vontade de voltar ao que eu era antigamente: fazer massa pra pedreiro, descarregar meus caminhões, a coisa que eu mais gostava era descarregar e carregar os caminhões. (João Carvalho)

 

E hoje eu queria mais é viver trabalhando como eu vivia. Saía e voltava com 8, 10 dias. É. Depois que eu adquiri o problema de coluna eu não pude mais trabalhar em outro serviço, aí eu passei a viver da pescaria. Aí eu trabalho até a hora que der, paro um pouco, deito, descanso, e volto as minhas atividades. Só que aí é que está a briga, é isso que ela [esposa] não quer deixar mais, eu pescar mais. [...] uma das coisas mais importante que eu mais queria voltar era trabalhar, como eu trabalhava, e eu não consigo. (João Ferreira)

 

E as forças da gente cai 200%, como diz o outro. Você não fica mais com aquela força, porque o homem é pra ter força. Eu mexia com serraria. Vamos dizer, eu era fraquinho, mas eu tinha força. Hoje em dia parece uma coisa... sério mesmo, mexe com todo o negócio, fico lá no chão. Eu não aguento fazer muitas coisas, igual eu, vou andar. Fui correr outro dia pra pegar um ônibus, menina, eu fui obrigado a parar, porque eu estava andando igual aqueles... mancando com as pernas, não estava aguentando andar quase caindo pra frente. Eu parei, o motorista foi e me esperou, cheguei lá e entrei no ônibus”. (José Vieira)

 

Cintia se ressente de uma certa perda de autonomia além da impossibilidade de continuar sua profissão de jardineira.Principalmente a visão. Eu fazia muitas coisas sozinha. Não saio mais sozinha. Não consigo mais cuidar do jardim, que eu tomava conta, que eu trabalhava. Não tenho mais forças nos braços, nas mãos, nas pernas. [...] Não consigo nem andar muita distância, subir muitos degraus. Não consigo. [...] Tropeço, vivo tropeçando, me sinto fraca. Sinto fraqueza nas pernas.”

 

Alguns relatam que o lazer com atividades esportivas não é mais possível, uma perda sentida principalmente pelos homens participantes juntamente com outras limitações.

“Não tenho forças pra poder segurar certas coisas. [...] Eu jogava bola, era goleiro, hoje não posso fazer mais, até por causa que eu tenho medo de me machucar também. Apertar botão de camisa, às vezes tenho dificuldade em amarrar um sapato... Esse tipo de coisa.” (Felipe Sales)

“todo o esforço que eu faço com meu braço direito, meu braço dói. [...] às vezes não tem como, porque eu moro com minha filha de 2 anos, eu sou obrigado a pegar ela no colo, não posso deixá-la sempre andando sozinha, aí é onde o braço dói. Por mais que eu tente trocar, qualquer esforço que eu faça com meu braço direito eu sinto dores insuportáveis”. (Felipe Sales)

 

David nos conta:Não tenho sensibilidade nas mãos nem nos pés. Perdi totalmente. [...] Eu não posso mais andar muito. Se eu andar muito começa a surgir feridas nos pés, mesmo com essa sandália. Não posso andar muito mais. Eu gostava de fazer caminhadas, eu gostava de jogar bola, eu gostava de fazer corrida, esporte, eu gostava de fazer. [...] Então, muitas coisas me tirou a falta de sensibilidade me tirou.”

E, acrescenta, ainda, a necessidade na sua vida da fisioterapia eterna”.

Nas mãos eu não tenho mais a força que eu tinha. Se eu pegar um peso, cai da minha mão. E quando eu paro de fazer a fisioterapia, piora. [...] Teve uma vez que eu falei assim: ‘poxa, tô cansado, meu Deus, essa fisioterapia eterna’, comecei a falar comigo mesmo, aí eu fui e parei por conta própria, lá em Mesquita. Parei. O que aconteceu? Comecei a piorar, eu comecei a perder a força muscular, a força. Aí até uma garrafa assim de refrigerante, assim uma lata, às vezes, caía da mão. Aí eu falei lá e falaram "você não pode parar de fazer fisioterapia, você tem que fazer”. (David)

 

Alguns se queixam das dificuldades de locomoção e os recursos públicos não facilitam.

É uma dificuldade, porque o ônibus é alto, principalmente aqui em Porto Velho, os ônibus com as escadinhas lá em cima. Quem tem esse problema pra subir, quando eu vou levantar a outra perna, já faltou, a força não dá. Ai, Deus.” (Eliane)

 

“Duas quadras pra mim, duas quadras é um quilômetro. Eu tenho problema para andar. É cansativo e eu tenho problema que dói essa perna, dói um pouco, mas pertinho assim... Eu, inclusive, vou ali atrás pra pegar o ônibus, só desço pra pegar outro ônibus, só desço do outro lado pertinho, entendeu. Eu conheço a cidade toda, trabalhei vinte anos de taxista. Já sei, eu não desço aqui pra andar mais uma quadra pra pegar a parada do ônibus que é desencontrada.” (Antônio)

 

Há quem tenha se adaptado e podido manter-se trabalhando com alguma limitação e há quem tenha se adaptado a uma mudança maior nos seus projetos, não podendo mais trabalhar, mas vivendo uma rotina sem grande insatisfação e maiores dependências.

Erico também se queixa da perda de “força e dormências”. Segue trabalhando, é sócio do seu negócio, e sempre que precisa, pede ajuda. No trabalho ninguém sabe que ele se trata para hanseníase, e sempre que precisa de ajuda, ele diz que seu problema é “tendinite”.

 

Marcos também sempre se manteve trabalhando. 

Eu tenho algumas limitações. Eu fiquei com a mão um pouco presa pra isso é... me dispus a aprender teclado pra poder melhorar um pouco. E fiquei, no pé, eu tive umas absorções ósseas, tanto no dedo, nas laterais do pé. Mas eu uso uma palmilha ortopédica, eu fiz... é... fui numa... eu não sei dizer o nome, mas... eu fui num médico lá em Teresópolis que ele tem um programa que você anda numa esteira e ele vai mapeando o seu pé. O doutor Emanuel na FIOCRUZ fazia algumas palmilhas pra mim. Mas depois me disseram que tinha... eu fui ver como é que era, e fiz uma palmilha de silicone. É... os incômodos são porque você tem que usar mais tênis, eu não posso usar sandália de dedo. Então a sandália que eu uso é aquele genérico do Croc, mas levo de boa [risos] fazer o que!? Tem coisa muito pior. Acho que tem gente muito pior, então... tem coisa... tem gente com comprometimentos muito maiores, e a gente vai levando.” (Marcos)

 

E alguns participantes não têm limitações, como Lóris, Matheus, Marizélia, Nilza etc. ou tem limitações temporárias, como Felipe.

“Faz 3 anos que eu parei de exercer minha função. Aí, no momento, agora eu faço comida pra eventos, aí eu trabalho mais na parte da tarde. A moça que me contrata, quando tem festa, que ela tem, ela trabalha com a parte de alimentação, sempre que ela pega festa, ela pega o buffet e ela passa pra mim a parte da comida, e eu faço, trabalho bem assim, consigo.” (Lóris)

 

Impactou minha vida no cotidiano de eu não poder fazer as coisas que eu gosto. Eu fiquei bem chateado porque, por exemplo, uma válvula de escape pra mim de todo esse estresse que eu tenho na faculdade era jogar futebol pelo menos 2 vezes por semana, e isso me fazia muito bem, porque eu terminava, e até por causa de endorfina, porque você encontra seus amigos e você faz uma coisa que você gosta. Quando eu não pude fazer isso - e até agora não posso - só poderei jogar no ano que vem, fiquei bem triste.” (Felipe)