Ao falar do que se passou depois do diagnóstico, durante o tratamento, os participantes têm experiências muito diversas, o que ilustra, entre outros aspectos, a complexidade do cuidado a pessoas com hanseníase.
Alguns participantes se sentem curados, não esperam apresentar mais sintomas, especialmente jovens que adoeceram, e logo se trataram e ficaram sem quaisquer sintomas.
“Foi a sorte de eu encontrar ele com 10 dias, porque aí não precisei de cirurgia, não precisei de nada. Iniciei de imediato [tratamento] no dia que foi feito o diagnóstico, fiz a baciloscopia, e aí... Em questão de 2 meses, eu já estou com a força normal no pé, já estou tudo ótimo. Já recuperei 100% da força.” (Felipe)
Outros participantes ouviram de seus médicos que estão curados, ficaram também sem quaisquer sintomas, mas não se sentem tão seguros da cura, mesmo quando já se passaram alguns anos, como Marizélia, Josefa, dentre outros. VER detalhes no tema CURA neste website.
Vários dizem que o problema “são as sequelas” que prolongam o tratamento, muitas vezes apoiados nas palavras de seus médicos que dizem que a hanseníase tem cura, mas não as sequelas. Dentre eles estão, por exemplo, Erico, Ana das Graças, David, Felipe Sales, Marcos, João Carvalho, Geraldo e José Alves.
“Olha só, eu acho que ela tem cura sim. Cura. Mas o problema é as sequelas. [...] “então eu fico assim, sabe? Meio termo. Eu fico assim, “poxa, tem cura, mas por que as pessoas não têm previsão?” Não tô dizendo todos, mas no meu caso, e no caso de outras pessoas que eu conheço lá no posto. Assim, que a gente faz amizade. ‘Você teve hanseníase?’ ‘Ah, eu tive em 2000.’ E as pessoas estão lá ainda: 2000?! E eu pensei que eu sou antigo nisso! ‘Meu problema surgiu em 2009, e você?’ ‘Em 2000, e você?’, ‘em 86’. 86... Tem pessoas... Falei: o que é isso?! E aqui mesmo, no Fundão, aqui no hospital aqui, tem pessoas ali que estão há muito tempo, e estão até hoje se arrastando. Aí eu pensei: poxa, uma cura estranha, né. Mas não é, tipo assim, é a sequela.” (David)
Alguns participantes nos relatam que a doença voltou, depois de anos sem sintomas ou pouco tempo depois do diagnóstico e tratamento, mas nenhum dos participantes se refere à expressão recidiva.
“Quando eu peguei a primeira hanseníase eu tinha 10 anos, aí eu fiquei um bom ano me tratando. Aí eu tive alta e fiquei boa, nunca mais tive nada. Depois de 15 anos ela voltou, e durante esse tempo eu não sentia nada. Perfeita, normal, como qualquer pessoa, mas aí depois de quinze anos ela pegou e voltou essa doença, entendeu?” (Geisa)
“Eu fiz o tratamento duas vezes. No primeiro eu não me importei muito não. Eu fiquei mais chateada quando tive que retratar [5 anos depois], porque quando fui retratar eu já tava sentindo muitas dores, que até então não sabia que era da hanseníase, e eu tive que retratar e fazer o tratamento por um ano, sendo que na primeira vez fiz só por 6 meses. [...] Eu tive um herpes zoster, eu fiquei muito mais deprimida, teve a cirurgia [braço], meu pós-cirúrgico foi traumático. [...] eu sentia muita dor nos meus braços e nas minhas pernas, era o que eu sentia. Aí a doutora falou pra mim que era da hanseníase, isso ela deixou bem claro para mim, que a neurite que eu tinha era da hanseníase. [...] Porque até então eu achava que ia ficar boa com o remédio, na realidade, eu vi que não era assim. (Simone)
“Durante 6 meses fiz o tratamento, achei que estava curada. Só que aí, passando um tempinho depois que tomei a medicação, passei a sentir os sintomas de novo. Aí foi que deformou a mão, aí me trouxeram pra cá, me encaminharam pra cá. Descobri, comecei a tomar outro medicamento, que é esse de um ano. E tomei até agora.” (Cíntia)
Os participantes se referem à sequela, quando algum profissional assim diagnosticou ou quando o participante começou a apresentar alguma limitação, que se instalou algum tempo depois do diagnóstico e tratamento, e não houve como reverter totalmente com tratamento. A sequela é uma expressão usada com certa liberdade pelos participantes, mas é geralmente vivida como uma deficiência, um sintoma sério.
“eu tinha menos de 17 anos [...] eu me tratei só até 92, dois anos só. Só que eu não sabia que tava com sequela na época, mas eu não sentia dor não, era só esse negócio mesmo do machucado. Tanto que eu trabalhei muitos anos. Até hoje eu ainda não sinto sensibilidade, mas a dor mesmo eu não sentia, tanto que eu trabalhei em muitos lugares. Aí o último emprego que eu trabalhei foi de carteira assinada, aí foi em 2006. Aí foi em 2008 que eu comecei a sentir muito... muita dor no corpo, me deu febre de madrugada. [...] Muita dor na mão. Às vezes minha mão fica tão gelada, olha como é que a minha mão tá, tá gelada. Do nada ela fica gelada. Só a mão direita.” (Luiz Paiva)
“Eu fiz o tratamento em 2004. Final de 2007 que eu comecei com muitas dores no corpo. Muitas, muitas. [...] Foi aí que eu descobri que estava com uma inflamação nos nervos, porque meus pés davam choque, quando dormindo eu chutava, a mão batia, às vezes a mão batia no rosto, e eu não sabia o que era. Fui descobrir, indo na médica que eu fiz o tratamento da hanseníase, que era sequela dela. [...] eu comecei a tomar Prednisona, dois meses depois, eu não sei o que foi, me deu uma alergia que eu acordei de manhã com umas bolhinhas de água no corpo, e quando dava meio-dia elas estavam enormes. A noite elas foram juntando, pegou nessa parte toda. [...] Aí foi que ela teve que dobrar o Prednisona, eu tava tomando 25mg pela neurite [...] Daí de 25 eu passei para 40. Com 2 dias eu tava com o rosto desse tamanho. Eu entrei em depressão, [...] eu tomava um Amytril de manhã e Prednisona, e a noite tomava outro Amytril. Eu passei o mês de janeiro de 2008 literalmente comendo, bebendo e dormindo. Eu acordava de manhã, tomava banho, meu marido me passava a pomada onde estavam as manchas, eu tomava café, tomava prednisona, tomava Amytril...” (Ana das Graças)
Os participantes mais raramente se referem à reação, e quando o fazem, em geral, descrevem momentos muito “agressivos” da doença, sintomas muito intensos, que com o tratamento alguns podem diminuir ou sumir.
“Mas o que mais me deixou nervosa é que o meu tratamento… Eu tive reações muito agressivas logo no começo do tratamento. Com uns três meses de tratamento nasceu bolha no meu corpo inteiro, a pele do meu rosto ela caiu toda, eu fiquei com o meu rosto inteiro em carne viva, eu tive reabsorção óssea nas mãos, na outra mão eu tive garra e a minha mão fechou. Eu tive reabsorção, eu tive perda de sensibilidade nos membros, tanto superiores como inferiores. Então foi uma reação agressiva, muito uma atrás da outra, entendeu, em três meses. Com seis meses de tratamento, eu tive uma reação tão forte, que a pele do meu corpo caiu toda, como se eu tivesse jogado água fervendo em mim. E eu fiquei internada no CTI do Hospital Pedro Ernesto. Então eu fiquei muito abalada, meu psicológico ficou muito abalado, porque eu só tinha dezessete anos, inclusive a médica que me atendeu ela pedia para minha mãe que não levasse espelho para o hospital, para evitar eu me olhar no espelho, mas que minha pele ia voltar ao normal. Eu fiquei durante um ano internada no hospital sem vir em casa, a minha família é que me visitava todo fim de semana, meu pai, minha mãe, todo mundo ali muito compreensivo, muito carinhoso, me apoiando muito. E graças a Deus voltou ao normal minha pele com o tratamento.” (Maria da Saúde)
“Então foi um período muito longo, muito dolorido, muito difícil mesmo pra mim. [...] Eu fiquei internada durante um bom tempo na colônia em Jacarepaguá, no Hospital Curupaiti. Foi o próprio Pedro Ernesto que me mandou pra lá. Porque quando eu comecei a ter as dores e minha pele começou a cair, eles me mandaram pra lá. Eles falaram "você precisa ficar um tempo lá internada", inclusive eu fiquei acompanhada por um psicólogo, porque lá foi uma experiência difícil. Porque lá é uma colônia, a senhora já ouviu falar, conhece, onde tem pessoas que tem muita gente... Tem gente lá faltando pedaços do corpo, tem gente lá sem nariz... E eu era muito nova, mas foi uma experiência pra mim, as pessoas falam: "como foi bom?!" Foi bom pra mim nesse sentido, porque eu percebi que, apesar de ter o mesmo problema, de estar fazendo o mesmo tratamento, como eu corri a tempo, eu não corria o risco de ficar faltando pedaços como eles. [...] Esses 3 meses que eu fiquei na colônia no Curupaiti, eu aprendi que o mais importante é você não interromper o tratamento. É você ir até o final pra que você não venha a ter aquelas sequelas, como eu vi pessoas lá sem dedos, sem nariz...” (Maria da Saúde)
“Eu fiz as cirurgias de neurólise lá. Depois eu comecei a ficar com garra nos pés e isso me impossibilitava andar, porque os dedos fecharam muito, muito mesmo. Isto, veio a sequela de garra de artelho, mas lá no Pedro Ernesto eles não fazem esta cirurgia, aí foi quando o doutor E me encaminhou para a doutora MK para pedir a ela para fazer a cirurgia de correção de garra. Aí foi quando eu vim para cá para o HU, a doutora MK continuou me acompanhando aqui, e fez o pedido para ortopedia me avaliar para fazer a cirurgia de garra. Aí eu fiz, graças a Deus foi um sucesso, meus dedos voltaram ao normal esticaram tudo direitinho. Eu fiquei seis meses sem conseguir andar, eu fiquei de cadeira de rodas por causa da neurite, a minha neurite foi muito forte, eu não conseguia andar. As solas dos meus pés caíram a pele, o couro caiu, ficou em carne viva mesmo. Então a doutora me explicou que a reação do meu organismo ao tratamento é que tinha sido muito forte mesmo, mas que ia voltar ao normal. Realmente a pele voltou, graças a Deus eu não tenho cicatriz nenhuma no rosto, só cicatriz das biópsias que eu fiz. Não vou dizer que eu não me senti mal, me senti sim, porque todo meu medo era não voltar ao normal por ser muito jovem. Hoje em dia não, eu entendo que tem tratamento, mas na época eu fiquei apavorada.” (Maria da Saúde)
No Rio de Janeiro, o Hospital do Fundão [HUCFF] da UFRJ assim como o Hospital Pedro Ernesto [HUPE] da UERJ, sendo hospitais públicos terciários universitários, recebem encaminhamentos das unidades primárias e secundárias de saúde. Muitos participantes relatam seu tratamento iniciado no posto de saúde mais perto de sua residência e o momento de encaminhamento para o Hospital do Fundão da UFRJ, em função de uma evolução mais complexa da hanseníase.
“Aqui no Fundão, eu comecei o tratamento, eu vim transferido depois de uma reação muito forte que eu tive muitas dores pelo corpo: dores pelo corpo, o pé caiu, tive atrofia nas mãos, e garra nas duas mãos também. Então fui encaminhado pela fisioterapeuta Iris, que estudou aqui no Fundão, me encaminhou pra cá porque aqui tinha mais recursos. [...] “Fiz uma neurólise na perna direita para descompressão, melhorou o movimento da perna. E fiz a transposição de garra da mão direita, que corrigiu totalmente a mão direita, que está perfeita, está igual, melhorou a força, tá perfeita, tá igual antes da garra. E tou aguardando a cirurgia da mão esquerda”. Depois que eu comecei a ter reação, em 2014, durante à Copa, foi que eu tive a reação mais grave, que me causou muita dor e que causou essas sequelas.
Em seguida, José Alves, nos narra como ele viveu esse momento difícil, “a reação mais grave”:
“...na última injeção, já não tinham mais medicamento pra me dar pra dor, me deram morfina, que foi o que chegou a aliviar a dor. Fui pra casa normalmente, tava tudo bem, durante a noite eu dormi bem, quando eu acordei eu constatei que não conseguia levantar meu pé, tava caído, e tinha essas atrofias aqui na mão e a garra na mão direita, que eu não tinha antes. Tudo do dia pra noite piorou, aí eu tive que ficar afastado do trabalho. Esse foi o pior momento, aí de lá eu fui encaminhado pra cá, e de lá pra cá só tive melhoras, não tive piora, não teve um momento pior que esse. (José Alves)
Por vezes, no Rio de Janeiro, os participantes são encaminhados para o Hospital do Fundão da UFRJ para realização de cirurgias nos membros afetados e, de um modo geral, os participantes avaliam positivamente os resultados das cirurgias realizadas nos membros em função da doença. Em Porto Velho, as equipes da Policlínica Oswaldo Cruz [POC] e Hospital Santa Marcelina, onde são feitas as cirurgias, trabalham de forma integrada.
“Fiz o tratamento, tudo, depois de um ano do tratamento, eu tive a minha reação. Eu não sabia que eu ia ter aquela reação, fiquei toda inchada igual uma monstra, dor, dor, dor, eu entrei em desespero. Aí meu marido falou “calma, calma, calma”, porque meus familiares aceitaram normalmente, meu esposo e meus filhos [...] Eu comecei a tomar o medicamento da, como é que é, da sequela da doença que veio, aí eu comecei a tomar outros tipos de medicamentos. [...] Eu nem sabia que eu ia ter essa reação, porque até para mim eu achava que um ano eu tomando medicamento, eu já estava curada. Eu sei que eu estou curada, mas eu não sabia as consequências das sequelas. E hoje eu faço tratamento, mas, assim, os meus medicamentos da sequela, eu não tomo mais, eu já estou liberada, não sinto mais nada, graças a Deus. Aí eu tive que fazer uma cirurgia, já vai fazer um ano que eu fiz, neurólise da perna. Eu tava com uma ferida realmente no calcanhar do meu pé, ela depois da cirurgia, ela fechou. Com um mês e pouco da minha cirurgia ela reabriu, mas reabriu com uma bolha, e eu não sabia que ia ser de novo a ferida reabrir, aí eu tô fazendo de novo laser, por isso que toda segunda feira. E eu tô levando. (Maria Luiza)
“Aí eu tô fazendo tratamento até hoje. Da hanseníase mesmo eu parei de tomar o remédio com 2 anos, dois anos foi o tratamento, eu faço tratamento das reações. Das reações eu faço tratamento, porque me deixou muitas sequelas. As pernas são dormentes, eu já fiz várias cirurgias nas duas pernas. Depois que eu operei acabou a dor, só que a dormência continua.” (Eliane)
“Porque quando eu operei aqui [mostra o antebraço direito], aí o Dr. Cabral ‘não, você tem que operar’, falei ‘não tem problema, vamos operar’. Ele operou direitinho e falou ‘olha, você vai ter que fazer uma dieta’. Então tá, se é pra fazer uma dieta, então tá bom. Como eu moro sozinho, o que eu fazia? Eu mandava lavar minha roupa, eu ia no mercado pra fazer uma compra, ‘fulano, vamos fazer uma compra’, pegava uma criança, ‘filho, vamos ali no mercado? Eu não posso pegar esse peso não’. Eu conheço gente que operou junto comigo, mas não tem isso aqui que eu tenho hoje. Ó, pode abrir aqui. Tem gente que operou junto comigo, mas não faz isso. [abre e fecha a mão direita]” (João Carvalho)
“Não fiquei muito bem não [durante o tratamento de 1993-95], eu escureci, empratiei, aquele remédio faz a gente escurecer. E engordar, porque aquele remédio abre um apetite medonho na gente, e aí a gente come que nem um leão, aí a gente engorda, incha, na verdade, e fiquei bem escura mesmo. Mas, no começo, eu sentia mais dor, depois, com o medicamento, foi amenizando a dor. Dava muita fisgada, assim, nos nervos, até hoje dá, mas bem menos, bem menos. [...] Aqui no meu braço esquerdo, que foi a primeira cirurgia, pra fazer a raspagem no tendão, no nervo. Foi o doutor Lima que fez essa daqui. Ai essa pra transferir daqui pra esse polegar foi o doutor Cabral. Foi em 2007 aqui, e em 2009 aqui, na mão. Doutor Cabral não garantiu 80% não, mas mais ou menos ficou. Porque esse dedo caia assim. Ele não vinha aqui, ele não fazia isso. Aí ele não movia assim. (Ermelinda)