3.2.1 Contratação de profissionais no sistema privado

Temas

No sistema privado de saúde, os pacientes contratavam uma segunda opinião médica sobre seu tratamento, além da equipe que integra as Unidades de Terapia Intensiva. Alguns pacientes tinham relação pré existente, geralmente de confiança, com os médicos que contratavam para auxiliar no cuidado ao longo da hospitalização, como por exemplo, Ana Cristina  (maio de 2020):

“O médico assistente nem era meu clínico de sempre, meu grande amigo, Pedro Henrique de Paiva, aliás amanhã irei nele [risos], a primeira consulta pós COVID, mas ele tem mais de 70 anos, então ele não podia ir ao hospital, ele trabalha muito com outro médico, que eu conheço, Pedro também. Era médico de minha mãe e várias vezes quando ela teve problemas, esse médico que atendeu, gostei demais dele, e foi ele que na verdade me atendeu todos os 20 dias de internação, foi ele que veio me ver, Roberto Bueno de Paiva, excelente médico, excelente, foi assim, uma pessoa alegre. Então na hora que ele chegava, ele era o meu contato com meu mundo. Ele me trazia muito conforto também, sempre tinha uma piada, uma coisa, é uma pessoa maravilhosa. Cuidou muito bem de mim e ele atuando junto com meu clínico,  que eles conversavam, mas era ele o responsável”. 

 

Maria Isabel, adoeceu em junho de 2021 e mantinha relação com seu médico por outras questões de saúde, anterior ao adoecimento por covid-19. Inclusive, sendo direcionada ao hospital que seu médico atua, o que não era raro entre os entrevistados que contataram seus médicos.

“Eu lembro que eu ligava para consultório dele, do meu médico, que me atende dentro da [Clínica] São Vicente e por isso que ele me mandava eu ir pra lá e eu lembro que ele demorava horas pra chegar e eu falava com a secretária dele: “Silvia, pelo amor de Deus eu to caidassa, eu to péssima aqui, por favor me libera, eu já fiz os exames, eu preciso ir pra casa"... Aí ela: “Não, o Dr. Camile está indo pra falar com você”. Aí eu descobri que ele só não me liberava porque ele já sabia que ia ter que me internar e não queria falar por telefone.” 

 

Juliana, adoeceu em março de 2021 e permaneceu na unidade semi-intensiva por 7 dias, também é direcionada ao hospital que atua o seu médico assistente:

“Aí eu liguei pro meu marido, meu marido falou assim: ‘Olha, só vamos ligar para o médico da minha mãe que é um pneumologista'. O Dr. Marcelo Kalichsztein, que é o responsável pela pneumologia e terapia intensiva da [Casa de Saúde] São José. ‘E vamos ver o que ele vai falar, vamos mandar o exame e vamos ver o que ele vai falar’. Aí ele falou, “traz ela agora”. Então, eu saí do Quinta D'Or fui em casa, peguei roupa e fui pra lá. E aí, eu já fui direto para a intensiva. Eu já entrei, acho que por volta das seis da tarde, já estava lá”. 

 

Diante do cenário de sobrecarga dos hospitais, Juliana, relata que a atenção do médico assistente faz diferença:

“Eles estavam sobrecarregados também. E a variante Delta, que foi que a gente pegou, acredito que tenha sido uma variante bem forte em relação às outras, porque assim o hospital estava muito cheio, muito cheio. Só que como a gente contratou uma equipe auxiliar, assistente, então a gente conseguiu assim ter um atendimento um pouco mais exclusivo, vamos dizer assim”. 

 

Em geral, os médicos contratados estavam envolvidos em mais de uma ou duas decisões específicas, como por exemplo, encaminhamento para a UTI ou intubação orotraqueal.  Eram solicitados pelo paciente ou pela família do paciente para coordenar o atendimento do paciente dentro da UTI até a alta hospitalar.

Wellington, que adoeceu em maio de 2021, desde os primeiros sintomas entrou em contato com seu médico assistente para buscar orientações. 

"Eu liguei para meu médico e ele então recomendou que eu fosse à casa de saúde. [...] Então, o meu médico, ele entendeu por bem que eu ficasse hospitalizado em observação. [...] E aí, meu médico me orientou que seria por uma questão de cautela, para preservar o meu pulmão que me levaria para o CTI, e me levou para CTI”. 

O serviço de enfermagem também foi contratado para somar aos cuidados ao longo da permanência na UTI, principalmente diante da recuperação do paciente grave. Wellington e Maria Verônica, internada em abril de 2020, falam sobre isso:

“Eu tinha uma equipe de enfermagem particular também, que eu contratei no hospital no CTI para me acompanhar e tinha a equipe do hospital que era extremamente carinhosa e solícita, né? Então com todos sempre tive um tratamento com muito carinho, muito afeto e foi ótimo, não tenho nada para falar de nenhum deles.”

Diante da gravidade do quadro de Maria Verônica, foi contratada uma enfermeira para a acompanhar a noite ao longo da sua hospitalização. Seu plano de saúde cobriu esse serviço. 

“A gente pagava essa pessoa pra que ela pudesse passar a noite comigo porque a noite no hospital é um inferno, é uma coisa. Um momento em que o doente sente dor, que a tosse ataca, tudo dá errado mais a noite do que durante o dia. Então, eu tinha essa pessoa comigo que era minha amiga das 7 da manhã às 7 da noite, e 7 da noite eu tinha uma enfermeira que passava de 7 da noite a 7 da manhã comigo.” 

 

Maria Verônica, permaneceu 93 dias internada e seus familiares contrataram um médico assistente durante seu momento crítico. Ela reconhece a importância da exclusividade, de um médico que ofereça atenção extra a uma doença extremamente complexa:

"Uma situação que é muito importante ter esse médico assistente, sabe? Por mais que o hospital cuide da gente, uma pessoa que se preocupa em tempo integral que tá lá junto que vai cobrando devidas atitudes isso é muito importante. E esse médico Francelino Torres, esse é o nome dele, ele tinha dois amigos de faculdade que eram médicos, que são médicos do hospital São Vicente e justamente estavam no CTI da covid  naquele momento, porque ele não poderia entrar no CTI da covid, é completamente vetada a entrada de qualquer pessoa estranha, aqueles que estavam trabalhando ali, ele então através desse dois amigos que estavam no CTI da covid desse hospital eles foram me acompanhando e isso foi muito bom”. 

 

A família de Júlio também contratou um médico assistente para auxiliar nos cuidados ao longo da permanência na UTI. Ele adoeceu em março de 2021 e permaneceu 23 dias hospitalizado: 

“Eu estava à base de psicotrópicos, a minha família tinha contratado um médico particular para ver o meu estado. Não que não tivessem tanta, como é que eu vou dizer, fugiu a palavra. [...] Não que eu estivesse descrente com o hospital, tá? Porque o hospital que eu fiquei foi de referência, acho que foi um dos motivos de estar aqui hoje, mas eu tenho uma tia que pessoas próximas a ela passaram por isso também e contrataram esse médico, enfim. A minha família também contratou, o médico esteve lá, tanto é que ele foi uma vez só e falou que eu estava muito bem e que estava fazendo de forma correta. E ele só passou psicotrópicos. Então quando eu acordei, eu tive bastante delírio, tive bastante delírio”.

 

Bárbara que foi internada em setembro de 2020, relata que foi substancial o papel do médico intensivista contratado pela sua irmã para sua recuperação, pois, estava em estado grave:

E eu me recordo bem, teve um dia que eu estava muito mal, muito mal mesmo, acho que já lá para o 3º ou 4º dia, depois eu soube que era o dia que os médicos intensivistas queriam me entubar, era o dia que eu estava com 80% de comprometimento pulmonar, e é assim muito rápido, já estava na 2º semana de doença. No intervalo de 6 dias, eu saí de um pulmão limpo, para um pulmão de 80% de comprometimento, e nesse dia, minha irmã contratou um médico intensivista e particular, e foi ele que disse ‘Não entuba, deixa ela 12 horas no ELMO’. E assim, meu profundo agradecimento a quem pensou no ELMO, porque realmente eu não fui entubada por conta do ELMO, eu respondi ao ELMO, mas também não é fácil.