2.4 Reações ao diagnóstico: paciente e familiares

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No Brasil e no mundo, muitas pessoas acabaram sendo contaminadas pela COVID-19, uma infecção respiratória aguda causada pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2. Quando surgiu, a COVID-19 trouxe muitas preocupações devido a sua alta taxa de contaminação e letalidade, na medida em que ainda não havia tratamentos específicos para combatê-la. Com isso, o diagnóstico positivo para a doença ocasionou reações como medo, desespero, revolta, ansiedade, estresse, susto, choro excessivo, o pensamento de que iria morrer, dentre outros, tanto nos pacientes, quanto nos familiares de pessoas acometidas pelo vírus. Todavia, houveram, também, reações mais positivas como a tentativa de manter a calma, a fé de que voltaria para casa, o apego à religião e a esperança da melhora do quadro.

Destaca-se que a idade é um fator importante no que diz respeito à reação dos pacientes ao diagnóstico. José Luciano se lembra que ficou muito chocado com o diagnóstico, considerando sua idade “pra mim foi muito chocante até pela minha idade, 60 anos, fiquei sem ação, a médica percebeu isso, aí voltou e conversou comigo”. 

 

Logo no início da pandemia, não havia tratamentos específicos, o que gerava um nervosismo ainda maior nas pessoas, como expresso na fala da Márcia: “eu fiquei muito nervosa porque era bem no início. A gente não sabia muito o que fazer. Como a gente ainda não tem em alguns lugares um protocolo estabelecido, né? Fiquei muito nervosa, porque em todo lugar que você ia […] eu perdi vizinhos meus, perdi amigos, perdi familiar com COVID. A minha familiar foi depois. Mas na época, você só ouvia falar de morte. Eu ainda fiquei um pouco mais tranquila, mas os meus familiares ficaram desesperados”. Ela também relata que ao ir trabalhar com COVID, já esperava que seria contaminada.

 

Por não haver um tratamento específico, houveram muitos óbitos e a divulgação dessas informações nos meios de comunicação deixou muitas pessoas assustadas, como é possível notar na fala de Viviane: “a minha filha na época tinha dezoito anos, agora com vinte, ela ficou desesperada. Ela ficou desesperada achando que eu não fosse mais voltar por causa dos relatos de ver televisão, não queria mais assistir televisão, ela não queria mais ver rede social, não queria mais nada”

 

Algo semelhante aconteceu com Angela, ter perdido uma pessoa próxima por COVID afetou a forma de encarar o seu diagnóstico “eu só fiz chorar… porque vinha muito na minha cabeça meus filhos, meus filhos são pequenos ainda, o medo de morrer porque eu perdi um colega meu que não tinha problema nenhum de saúde, então quando ele faleceu eu sofri muito, muito, muito, muito. Aí eu tá naquele mesmo estado ali, eu com tanto problema de saúde, ele que não tinha faleceu”

 

Para conter a propagação da COVID-19, foram adotadas medidas como o uso de máscaras, distanciamento e isolamento social. As pessoas passaram a trabalhar e/ou estudar em suas residências. O sentimento de revolta, presente nas falas de duas pacientes, Ana Cristina e Juliana, se deu devido a contaminação ter ocorrido dentro de casa. Como diz Ana Cristina: “custou muito esse tempo de ter sido contaminada dentro de casa, você está há 4 meses e meio dentro de casa e ter vivido o que eu vivi, é muito revoltante”. 

 

Com o resultado positivo, Juliana relata que “foi uma revolta no início, eu fiquei revoltada porque eu falei: gente eu não fui para nenhuma festa, eu não fui para restaurante, não viajei, eu não fiz nada”. O sentimento de revolta deu lugar ao sentimento de medo, após Juliana ser informada da necessidade de internação. Ao saber que outros familiares também haviam se contaminado, Juliana diz “eu fiquei desnorteada, eu fiquei muito, muito arrasada porque assim, ao mesmo tempo que eu sabia que eu não tinha culpa, involuntariamente eu poderia ter acabado com a minha família”, o que demonstra um sentimento de culpa. Além disso, ela relata que uma das principais reações, após o diagnóstico, foi o choro, tanto dela, quanto de seus familiares. 

 

Para Alcione a reação ao diagnóstico “foi de muito medo, de muito medo e preocupação”. Além disso, ele relata angústia e raiva por ter contraído a doença em casa: "poxa, não peguei trabalhando, peguei em casa com a visita de um familiar", evidenciando a importância de manter os cuidados sanitários não só na rua, mas também dentro de casa. Para ele, “é muito triste você saber que você não tem controle de mais nada do que pode acontecer com você. Não existia nenhum medicamento, não havia cura, então era algo assim… viver para mim aquele momento era o acaso, era sorte”. Com isso, ele pensava “poxa, podia ter feito várias coisas que não fiz até hoje e eu vou morrer e não fiz", entendeu? Então é… você começa a pensar em várias coisas”. Ademais, Alcione “sentia que estava todo mundo torcendo por mim, que estavam todos com esperança que eu ia conseguir mesmo”. 

 

Kátia, por sua vez, relata que ao receber o diagnóstico, buscou manter a calma: “estou com COVID, agora é tratar. Se você se apavorar, ela toma de conta [...] você não pode ficar ansioso. Deixa acontecer, não pensa em nada, pensa que está recebendo medicação. É para fazer isso? É para fazer isso. É para fazer aquilo? É para fazer aquilo. Você está ali para fazer o que te mandarem fazer”

 

Devido ao comprometimento pulmonar, várias pessoas necessitaram de internação. Ao saber que precisaria ser internado, Ademir relata que: “eu sei que decidiram me internar e foi muito triste (lágrimas). Eu lembro da minha esposa, ela chorando. Eu falei para ela que eu ia voltar. Aí eu fiquei e ela foi. Não deu nem para a gente se abraçar [...] a minha esposa ficou depressiva.". Ele conta que tinha medo, mas ao mesmo tempo tinha fé que iria melhorar. 

 

A internação também foi motivo de sofrimento para a família de Marcelo, “para mim é até engraçado que para mim foram, sei lá, cinco dias internado. Para mim foi, já para os meus familiares foi todo esse longo processo de angústia de eu estar internado, complicado”

 

Ao ser internada, Juliana cogitou a possibilidade de vir a óbito: “porque realmente a sensação que eu tinha é que eu tentava, tentava buscar o ar e não vinha”. Portanto, ela fez um pedido a sua mãe: “pelo amor de Deus, se eu morrer você cuida da minha filha, porque não tem nada que eu confie mais do que você e meu pai, por favor, eu quero que você me prometa isso”.

 

Com a internação, “a gente só pensa na morte”, segundo Reneé. Para ele, a entubação significaria a morte, visto que ele tem problema cardíaco: “eu sabia que se eu fosse entubado não voltaria. Eu tinha isso comigo. Porque devido ao problema cardíaco que eu já tinha, a cardiopatia, quando a equipe falou que eu tava com a inflamação do pericárdio [pega um copo de água, agradece]... A equipe falou da infecção que estava no pericárdio devido a COVID-19, e logo na emergência, quando a equipe falou que eu estava com a COVID-19, que foi dado positivo e o quadro era grave… eu imaginei que não ia voltar mais [se emociona, chora, pausa mais longa]. Devido o seu quadro de saúde ser grave, ele acreditava que não fosse resistir, então “eu me despedi delas, mas já sabendo que não ia voltar pela gravidade que o médico tinha falado comigo”

 

Em relação a entubação, as famílias recebiam a notícia de uma forma muito negativa, como pode ser notado na fala de Henrique: “quando falou que ia entubar, principalmente os meus pais, já tinham a ideia de que se entubou vai morrer, né? [...] quando falou que ia entubar é meio que já estava dando a notícia de uma morte planejada, premeditada, dali é para morrer, e foi dessa forma que receberam”. 

 

O diagnóstico positivo da COVID trouxe muita preocupação para os familiares. Na fala de Márcio isso fica evidente: “o meu irmão e a minha cunhada ficaram muitíssimo preocupados, ficaram extremamente preocupados […] minha mãe ficou preocupadíssima, ficou extremamente preocupada chorou e tudo”. Todavia, ele conta que mesmo com toda a preocupação, recebeu muito apoio de sua família.

 

Michael conta que sua mãe e esposa foram as pessoas mais afetadas com o diagnóstico: “a minha esposa que foi a mais afetada, sem dúvidas, ela e a minha mãe. A Andreza (esposa) ficou em um estado de nervos tão forte que ela não conseguia tomar banho, ela ficou um bom tempo sem tomar banho. Ela realmente achava que, querendo ou não, ela achou que eu ia morrer, essa é a verdade. Até eu achei que ia morrer [...] ela ficou muito mal e quando ela me encontrou, no dia em que ela veio aqui me ver, que o doutor Pedro deixou ela vir, foi onde a gente se acabou em choro. Eu lembro que quando ela me viu, ela ficou, parece que ela ficou em choque de saber que eu estava vivo”

 

A família de Sérgio ficou abalada e, para ele, foi horrível receber o diagnóstico positivo para COVID-19. Além disso, ele relata que o período de isolamento lhe trouxe um sentimento de morte: “na covid ninguém teve contato com ninguém, ninguém falava. A gente só via equipe de médico. Então, para mim, era como se eu fosse morrer. Eu estava ali, ocupando um espaço até a morte, assim, por perceber. Eu estava ocupando um espaço até a morte, só, eu estava ali só esperando a morte”. Porém, após a sua recuperação e retorno para casa, ele relata que pôde sentir o carinho de toda sua família: “depois, quando a gente retorna que a gente vê, a alegria da volta, essas coisas. O carinho que eles tinham, o cuidado. Eu não podia fazer nada. Eu virei criança sem poder fazer nada. Então eu pude perceber o quanto foi danoso para eles a minha ausência”.

 

Da mesma forma, André Luís relata que foi um grande trauma para sua família, principalmente para sua mãe, pois ele é seu filho caçula. “Minha mãe quando fala a palavra Covid, quando fala do tempo de internamento, ela nem quer falar disso. Ela já fala logo, ‘eu nem quero saber, isso aí eu quero apagar da minha memória’.” No caso de Caíque, sua esposa foi a familiar mais afetada com seu adoecimento, principalmente com a forma como as notícias sobre seu quadro clínico eram passadas pelos médicos. “Pra ela foi bem difícil lidar comigo naquele período de delírio, fora não só o delírio, todo Covid pra ela foi muito complicado, ela ficou muito mal até porque os médicos ligavam dizendo que meu caso era grave…de uma certa forma existe um terror psicológico também por parte dos médicos, e ela ficou muito mal na época que ela passou por isso, ficou bastante triste, não chegou afetar o relacionamento, mas afetou muito ela como pessoa, a saúde mental dela foi muito afetada” 

 

Para a esposa do Miguel, “foi o pior momento da vida dela (lágrimas) [...] ela saiu com dois sacos transparentes de roupa do hospital sem saber o que estava acontecendo. E aí, não me viu mais durante 13 dias. Foram os 13 dias que eu fiquei internado”.

 

Paula conta que “todo mundo ficou assustado” e que sua filha teve momentos de medo. Porém, ela ficou feliz pela mãe ter a oportunidade de receber atendimento: “quando meu marido foi contar para ela que eu ia ser entubada, ela olhou pelo seguinte ângulo: que bom que a minha mãe tem a chance de estar na UTI e que ela tem a chance de ter um respirador […] ela vai ficar bem, porque ela está com acesso ao atendimento”, pois houveram momentos críticos em que as pessoas estavam morrendo por falta de atendimento.

 

Vânia relata que para sua família foi um baque, pois ela e seu pai ficaram internados. Porém, estava “todo mundo orando e torcendo para que eu e meu pai tivesse melhora, estivesse bem. Foi um choque, sabe? Ainda mais que eu estava entubada, então não poderia receber visita. Foi um baque o meu pai vir a falecer. Estavam torcendo que eu fosse melhorar a cada dia. 

 

Já os familiares de Ana Cristina não acreditaram no diagnóstico, uma vez que ela seguia todas as recomendações: “a verdade é que ninguém acreditou, por isso, porque eu sou aquela pessoa, eu digo, sou eu e uma ex-cunhada minha, que todo mundo diz assim: ‘vocês são as pessoas mais fanáticas […] ninguém põe o nariz do lado de fora, obedece tudo, desinfeta tudo, não faz nada errado, entendeu’? Então a verdade é que ninguém acreditou”.

 

Para alguns, o que surpreendeu não foi o diagnóstico em si, mas o agravamento rápido dos sintomas, como diz Wellington: “não foi um surpresa para mim receber esse diagnóstico, para mim a surpresa foi no momento em que eu fui a segunda vez na emergência, que sei lá, no primeiro momento tinha uma mancha insignificante no pulmão e dois dias depois eu já tava com cinquenta por cento de comprometimento, no mesmo exame, então isso para mim me assustou”, evidenciando que é muito rápida a evolução do quadro. 

 

Portanto, é importante ressaltar que a COVID-19 “não é uma doencinha, é uma doençona mesmo, e o negócio é sério”, como expresso no relato de Jorge, pois “só minha esposa… pelo menos ela falava para mim que ela acreditava que eu fosse voltar, mas nem minha mãe tava mais […] porque ficou bem estranho mesmo”.

Por fim, mesmo diante das preocupações e do medo, é importante ter o pensamento positivo de que as coisas irão melhorar e não deixar que o medo tome conta, como diz Glauciane: “eu vou me recuperar, calma, eu vou me recuperar, eu falava o tempo todo, eu tentava não mostrar para eles o medo que eu tava, eu estava com medo. Mas esse medo não me paralisou. Eu falava: esse medo não pode me paralisar. Eu tenho que enfrentar ele”.