6.2 Mensagem para familiares de pessoas com covid-19

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Temos visto famílias que vivenciaram múltiplos adoecimentos em suas casas. Ao pensarem em uma mensagem para familiares de pacientes com covid-19, alguns entrevistados que foram internados no sistema privado e público de saúde, lembraram da própria experiência como familiar. A espiritualidade, vinculada ou não  com a religiosidade, foi mencionada com frequência nas mensagens dos participantes aos familiares de paciente com covid-19. Sérgio teve a sua filha, Márcia, hospitalizada e aconselha a acreditar em Deus: 

“Eu, como eu sou evangélico, eu soube que quem passou por essas coisas, bom, ‘tá na mão de Deus’. Eu creio que Deus vai trazer ela de volta, entendeu? E eu não fiquei, eu fiquei apavorado como toda a família. Não dormi naquele dia, esperando notícia, mas não fiquei, sabe? Foi horrível para muitas famílias, muita choradeira, muita coisa. Eu mesmo fiquei acordado a noite toda em oração, guardando em oração."

Ele completa sua mensagem, lembrando do momento em que levaram sua filha: “Mas eu tive confiança, porque eu vi da maneira que ela saiu, da maneira que os médicos a levaram. Eu sabia que ela estava sendo bem cuidada”.

 

Nesse sentido, Vânia, que adoeceu junto ao seu pai por covid-19 em abril de 2021, também faz menção a Deus: “Para os familiares? Eu diria que não perca a fé. Não perca a fé. Deus está no controle de tudo”. Margareth, que teve a experiência no mesmo período que seu marido em agosto de 2020, ambos internados em um hospital privado de São Paulo, traz a religiosidade como ferramenta ao enfrentar a possibilidade de perder um familiar.

“Ah, um familiar de um contaminado, né? Ah… é difícil enfrentar, ver uma pessoa que você ama adoecer e adoecer com gravidade, com uma possibilidade de perder essa pessoa, mas é… tente olhar que Deus, o mesmo Deus que criou tanto você quanto ao seu familiar que está doente nesse momento, ele é capaz, esse mesmo Deus que te criou, ele é capaz de trazer vida, de trazer ar para o pulmão dessa pessoa. Então apegue-se a Deus, então coloque essa pessoa que você ama tanto nas mãos de Deus, faça tudo que estiver ao alcance para ajudar a pessoa da sua família que está necessitando seja com medicação, seja com auxílio no hospital, seja o que for não economize nos seus esforços e creia em Deus, peça diretamente pra Deus pra salvar essa pessoa que você ama tanto. Deus é o nosso criador e ele nos ouve e nos atende principalmente quando estamos nesse desespero. Então é isso que eu desejo a todas as famílias, a todos os familiares que estão enfrentando ainda esse mal que tem alarmado todo o planeta”.

 

Mesmo os entrevistados que não vivenciaram adoecimentos graves em sua família, aconselham o uso da fé como fundamental recurso para enfrentar a covid-19. Jorge, que adoeceu em abril de 2020 e permaneceu internado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, sugere aos familiares: “Fé. Tenha fé, acredita que a gente pode vencer ela, que a gente consegue, se você acreditar”. Janilda, que permaneceu internada no mesmo hospital,  só que em maio de 2020, também ressalta a importância da fé aos familiares: “Não menospreze a fé. Não menospreze esse poder que vem do alto. Tenha mais respeito pela vida”. Marcial, mesmo sem ter relação com a religiosidade, estimula o contato: “E falava para muita gente também é a questão da religião, embora como eu falei, eu não casei ainda com o ateísmo, eu só to no namoro firme, eu falava ‘se você acredita em Deus, lê a bíblia, procura uma ajuda espiritual e tal, que isso também te dá uma força’, falava mais pra pessoa ir porque eu mesmo não acreditava muito, mas falava.

Francisco, adoeceu em fevereiro de 2021 e ficou 12 dias em um hospital privado do Rio de Janeiro, também faz menção à religião, mas ressalta que somente a fé não basta para a cura da covid-19. A busca por assistência médica de qualidade é fundamental:  

“Eu sou um homem de fé, eu acredito que a oração ajuda muito, então eu iria nesse sentido, mas hoje em dia a gente, às vezes, fala para uma maioria ateia, então até tem que ter muito cuidado na hora em que você vai falar. Um aconselhamento é acreditar no médico que está assistindo, entendeu? Só a espiritualidade não vai ser mais suficiente. É acreditar no profissional que está te atendendo. A gente vê muita coisa triste, principalmente no setor público, a gente tem, acredito que nós tenhamos um setor particular, hospitalar urgente assim, deve ter de todo tipo, aonde eu fui tratado as condições eram muito boas assim, não posso falar nada, fui muito bem atendido. Escolher, geralmente as pessoas já tem um médico ou uma indicação médica, escolher um bom profissional que tenha experiência”.

 

Alguns entrevistados do sistema público e privado, em suas mensagens, expressaram a necessidade de apoio e suporte que o paciente com covid-19 pode precisar ao longo do seu adoecimento e recuperação, como, Michael Douglas, que relata sobre seus impactos emocionais ao longo da internação no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.  

“Olha, seja o pilar dessa pessoa. Como? Simplesmente escute. Muitas vezes a pessoa vai chorar, como eu chorei, só chorava do nada, cara, do nada chorava. A minha esposa vinha e me abraçava. E olha que eu nunca fui de chorar. Mas só que muda tudo, tudo muda na pessoa. Eu fiquei sem dormir muitas vezes, até eu conseguir dormir, porque foi muito sacrifício, porque depois eu mesmo fui ver porque eu não conseguia dormir, porque eu achava que quando eu fosse dormir, talvez não fosse mais voltar. Então, fica um trauma, e é de paciente para paciente, que ninguém é igual a ninguém. Então cada um vai ter a doença, ela vai atingir de uma forma, mas só que o familiar, os familiares têm que estar ali para realmente ser o pilar dessa pessoa. A família é onde essa pessoa realmente vai se ancorar nesse momento tão difícil”.

Augusto, relembra o suporte que recebeu de seus amigos e familiares. Seus vínculos foram fortalecidos ao longo da sua experiência de adoecimento, e para os familiares, a mensagem é de pensamento positivo e apoio ao paciente: “Se você ama esses caras, reza para ele voltarem. Mentaliza. Você só pode fazer isso. Mentaliza que dê tudo certo e mentaliza que esteja próximo, valoriza quando eles saírem desse lugar”. Marcelo, que adoeceu em abril de 2021, ressalta: 

“E aí, manter os pensamentos firmes também, e de positividade, eu acredito muito nisso e rezar também, manter, até conversei com meu irmão que de certa forma passou por isso primeiro e fazendo uma corrente de oração mesmo, orar acreditar em Deus independe da sua religião, qualquer que seja, de que tudo vai ficar bem e realmente não precisa ser necessariamente uma oração não, depende de crença, só de você lembrar da pessoa, mandar energias positivas, imaginar ela bem, isso com certeza é um diferencial absurdo, de pensar: “ela ta bem, passar esse tipo de energia”.

 

A entrevistada Juliana, também reforça a importância da rede de apoio, principalmente, diante das limitações impostas pelo adoecimento por covid-19.

“Sejam rede de apoio, porque a pessoa está em isolamento, ela não pode fazer muita coisa, ela não tem força para fazer muita coisa. Então assim, uma água gelada, um suco, uma comida, uma palavra de incentivo de carinho, uma oração, não tem maior prova de amor do que uma oração para aquela pessoa que você gosta. Então se você não pode estar lá ajudando, você está com medo, reze, manda uma mensagem, se ofereça para ir ao mercado, precisa pagar uma conta, se ofereça para ajudar. Não estou dizendo a parte financeira não, é óbvio que tem muita gente que ficou doente, não trabalhou e não recebeu, mas assim é o carinho e o gesto, muita oração sempre”.

 

Janilda, adoeceu em maio de 2020, permaneceu 62 dias internada e após a alta ainda teve que lidar com diversas sequelas, com isso seu conselho aos familiares é: “Tenha paciência, porque quem está com COVID-19, hoje eu não sei se vai ter todas as sequelas que eu tive. Mas ter esse cuidado de visitas, cuidado em abraçar, cuidar das crianças, cuidar da alimentação dessa pessoa, tenha carinho”. Ana Cristina, que também adoeceu no início da pandemia, em maio de 2020, vivenciou o pós-alta com insegurança e medo, e repete a mesma palavra “paciência”: 

“Eu diria isso, assim, primeiro tenha muita paciência, tem que ter, acolher a pessoa, realmente, assegurar à pessoa, porque você fica muito insegura porque tudo seu é chacoalhado e o sofrimento é muito intenso. E os sintomas vão variando, a coisa vai andando no seu corpo porque não é assim:  ‘ah, dói minha perna’, não, ‘dói aqui, dói ali’, aí depois vem outro e outra coisa é assolado por ‘sintominhas’ que formam ‘sintomão’, quando não são ‘sintomões’ em si. Eu diria que a família tem que ficar atenta para o apoio, apoio emocional é muito importante, porque ele aniquila muito, eu acho”.

 

Em sua mensagem, Eduardo  também pede “paciência” aos familiares, já que retornar a vida após um adoecer gravemente é difícil: “Então, tenham paciência [...], que eles possam compreender que não é fácil ser uma pessoa que foi um paciente que teve COVID grave, e que eles possam ter paciência. Para compreender que cada um tem seu momento, sabe? Para poder virar a página [...].” Maristela pede apoio devido ao momento de  vulnerabilidade que o paciente enfrenta: "Dar apoio, gente, muito apoio, porque é muito complicado, tanto o paciente fica muito vulnerável e precisa do apoio da família, precisa muito, muito mesmo”.  E Nelson, lembra da importância do cuidado e da atenção ao paciente ao longo da internação e após: “As famílias? Então, cuide bem. Poxa vida, é tipo assim, dê bastante carinho, sempre atenção. Porque a falta que faz ter eles do nosso lado, quando a gente está no leito, é muito importante. E quando a gente volta ao nosso lar, a gente depende muito, precisa muito disso, de atenção e carinho”.

Segundo Carlos Eduardo, é importante que haja um cuidado no manejo dos familiares com o paciente com covid-19, principalmente por ser uma doença com alto teor de estigma. 

“Bom, a primeira coisa é apoiar, né? O familiar, tá? E se cuidar, tá? E futuramente o paciente tendo alta, está em casa, né? Tratar como se tivesse tudo bem, tudo tranquilo, não diferenciado, né? Não com preconceito, tá? É isso aí. Aceitar, cuidar e não ter preconceito. Porque eu falei na minha situação, chegava na padaria o pessoal saia entendeu? Familiares deixaram de ir lá em casa”.

 

Reneé, adoeceu gravemente em outubro de 2020 e ficou 82 dias internado, contou com o apoio de suas irmãs ao longo da sua internação e recuperação. Reforça a necessidade do acolhimento ao paciente com covid-19: “Nós ficamos muito vulneráveis. Então acho que toda a família tem que abraçar, abraçar mesmo toda a causa, porque nós sentimos todas as dores. Mais coração, cabeça e mente, e precisamos desse apoio. Muito, muito apoio, muito apoio familiar. Para que não… Não tenham assim discriminação a nada. [...] A família estando junto dá um suporte melhor para que nós consigamos alcançar o patamar da gente de volta."

Entrevistados do sistema público e privado de saúde lembram aos familiares a importância de confiar na equipe de saúde. Como por exemplo, Marcial, adoeceu em novembro de 2020 e permaneceu 8 dias internado na semi-intensiva: “confia nos números, confia nos médicos, que eles sabem o que fazem. Hoje já tem protocolo estabelecido, mantenha a calma”. Alcione, médico atuante na pandemia de covid-19, também orienta aos familiares a importância de confiar na equipe de saúde que assiste o paciente, mesmo que seja no sistema público de saúde. E também relembra o  momento de vulnerabilidade que a família enfrenta diante do adoecimento do ente querido:

“Para a família, para os familiares é mais difícil porque eles não sabem o que está acontecendo com a pessoa internada, mas têm mil imaginações. Então é mais tentar confiar nas equipes médicas, nas equipes de enfermagem, nas outras equipes, na gestão dos profissionais de saúde. A gente está numa época que vem de alguns anos que a política infelizmente não tem levado muito melhorias para o SUS, a gente vê várias coisas, vários programas, projetos sendo desfeitos, coisas que tinham investimento e deixaram de ter. Mas assim, o serviço que a gente tem hoje em dia é de qualidade. Então, é confiar mesmo nas unidades, não achar que não está recebendo um tratamento adequado, que as unidades seguem protocolos. Então a pessoa vai receber a medicação, ela vai receber cuidados apropriados e com certeza vai melhorar. Se tiver que melhorar, é isso”.

 

Alguns entrevistados se mostraram preocupados com os familiares, ao longo da sua internação, como Henrique, que enfrentou a doença por ele e pela família: 

E assim, é a pessoa saber que, quem está com o COVID, doente, que está muito mal, ele também está pensando, pelo menos foi o meu caso, eu também estou pensando na minha família, que não pode ficar sem mim. Então, eu tenho que lutar para ficar vivo também por eles. É uma troca mesmo, é um dando força para o outro”. 

Nesse sentido, Wellington lembra aos familiares que é importante entender e respeitar os limites do paciente, que muitas vezes busca proteger seus entes queridos:

 “Pelo menos eu quando tava lá, no primeiro momento, eu tive uma certa repulsa ao falar com meus familiares. Eu não queria falar com eles quando saí da intubação. ‘Seu telefone tá aqui, quando você quiser falar com a sua esposa, sua mãe e seu irmão pode ligar’. Eu não queria falar porque eu achava que eu poderia morrer, e aí vai ser pior. ‘Eu sai do tubo, vou falar com eles e vou morrer’. Então assim, vou gerar uma outra expectativa e um sofrimento, mas eu acho que é muito importante que os familiares entendam essas dificuldades, seja do paciente de querer ou não querer”.

 

Kátia completa: “Não fiquem estressados com o parente adoecido. Ele está sendo bem cuidado, estão fazendo tudo que podem, não passem essa ansiedade para ele”. Ela, que permaneceu 13 dias internada, aconselha os familiares a não passarem suas ansiedades para quem está internado.

Outros entrevistados, aconselharam os familiares a levarem a atenção logo no início dos sintomas, como Marcial: “Para familiares e amigos, o mesmo conselho: ‘monitora’, aliás eu dei esse conselho para várias pessoas”. Paula, que baseada na sua experiência com a doença, aconselha aos familiares a ‘não subestimar os sintomas’: 

“Esse conselho mesmo de não subestimar os sintomas, mesmo eu tendo sintomas leves. Mas com o passar dos dias, ele foi bem silencioso comigo. Então, ele atacou meu pulmão, 75%, e acredito que no dia que eu entubei com certeza esse grau de infecção estava mais alto ainda. Então é que pode ser silencioso e grave. Então, não é porque está sentindo só sintomas de uma gripezinha, como dizem né, que você não deve procurar uma emergência e fazer exames mais concretos, com resultados mais concretos”.

 

Por fim, atitudes de autocuidado e medidas de prevenção também foram aconselhadas aos familiares de pacientes com covid-19. Como sugere Vera Lúcia, que permaneceu internada no Hospital Clementino Fraga Filho por 10 dias, em maio de 2021. 

“Evitar estar no meio do pessoal da rua, e entrar e trazer para dentro de casa, entendeu? Tem que vir com álcool, estar passando seu álcool, sua máscara, entendeu? [...] Conversar à distância, entendeu? Não precisa estar ninguém ali agarrando um com o outro.” 

Concelita, complementa: “Continue todo mundo isolado até se sair dessa, manda um zap, pede ajuda para alguém comprar as coisas na rua, mas procura não sair. Continuar no isolamento”. Ademir também aconselha aos familiares de pacientes, medidas de prevenção para evitar a proliferação do vírus: “E eu acho que convém se isolar um pouquinho, não precisa ser aquela coisa que no início foi muito rígida. Mas é evitar o contato com as pessoas, e até usar máscara nesse sentido, né? Pra não proliferar”. E Márcia alerta sobre a importância da vacinação e da máscara: “Então se vacinem, se cuidem. Se tiver que usar máscara, usa máscara, Entendeu? E esperança. Esperança de que daqui pra frente vai ser melhor.