3.3 Isolamento

Temas

Adoecer no contexto da covid-19 está associado também viver a experiência de estar isolado. Uma vez testado positivo para a covid-19, a conduta adotada consiste em isolamento social, associado ao tratamento adequado. O isolamento após o diagnóstico, seja em casa, seja hospitalizado, impõe ao paciente uma condição de maior vulnerabilidade. Entretanto, os pacientes que evoluíram para os casos mais graves, com necessidade de internação hospitalar, são direcionados para instalações de isolamento dentro do hospital, exclusivamente destinadas a pessoas com covid-19 no sistema privado e sistema público de saúde, como compartilha Marcial, hospitalizado em novembro de 2020 em um hospital privado em São Paulo: “Sozinho o tempo todo até porque naquele tempo não tinha vacina ainda, então o protocolo não permitia a visita de jeito nenhum. Mesmo os profissionais de saúde não tinham se vacinado ainda, eu fiquei numa ala que era só covid”,

Nesse contexto, os pacientes podem sentir medo da experiência da doença em si, solidão, sensação de desamparo e ansiedade pelo bem-estar dos amigos e da família.

Caique nos conta que se sentia muito sozinho no seu período de internação em março de 2021, e isso desencadeou um quadro de ansiedade dentro e fora do hospitalização:

“Nos primeiros dias eu não pude ter contato. Depois quando eu fui pra Semi-UTI, a psicóloga lá do hospital, ela fez chamada de vídeo, eu pude falar com meus familiares, com minha namorada na época, pude conversar com meus amigos [...] me ajudou, tipo assim, 90% sabe, ter esse contato com minha família, com meus amigos, sabe, com minha esposa na época, tudo isso me ajudou muito a me recuperar. Porque você, meio que fica num sentimento de meio que ‘pó fui abandonado’ né, mas eu não fui abandonado, você tá lá, mas é essa parte... uma pessoa que não tem família, não tem ninguém pra falar com você, ninguém te conhece, você tá ali dentro, mas é muito importante esse contato assim de você poder conversar com seus familiares, porque eles acabam te passando confiança pra você de “ó vai ficar tudo bem”  eu fiquei muito desesperado lá dentro né, com medo de morrer, eu lembro que eu fiquei desesperado no hospital com medo, eu tinha medo de dormir e não acordar.”

Ana Cristina adoeceu em maio de 2020, logo no começo da pandemia. Ela compartilha sua perspectiva sobre o adoecimento por covid-19, o isolamento e seus impactos emocionais:

“Uma coisa que é interessante de falar, eu acho que a gente com, talvez, qualquer experiência de doença, não sei, mas essa COVID, com esse isolamento, devido ao grande isolamento no hospital, eu certamente visitei mais o passado, quando você vê, experiências marcantes vem a memórias. Lembrei de várias coisas da escola, da época do Aplicação, coisas em geral que você não lembra na vida cotidiana, não foi em casa não, foi muito essa vivência mais isolada do hospital. Então é um momento de revisitação do passado, por isso, eu acho que é uma doença que mexe tanto com o emocional, também, porque talvez, as características do isolamento te leve também a essas viagens”.

 

Renata, que ficou internada em fevereiro de 2021, no sistema de saúde privado, compartilha o quanto se sentiu sozinha neste período de internação devido ao seu quadro de vulnerabilidade:

“Eu me senti só, sozinha, né? Porque o fato da gente não ter uma pessoa conhecida perto da gente deixa a gente mais aflito. E, por mais que a equipe tenha o acolhimento e tudo que eles envolvem o atendimento deles, a gente se sente vulnerável, né? Porque vai acontecer várias coisas, vai acontecer vários testes. Eu vou ter que fazer várias coisas, são vários exames. Talvez tenham que passar um tubo. O meu medo maior era de ser intubada, de ter problemas renais, porque eu sou uma pessoa diabética, hipertensa. Então a gente sabe dos fatos, do que acontece. E aí, era isso o que me deixava ansiosa. Eu ficava o tempo todo olhando pra o monitor. Por isso, os médicos resolveram me botar o precedex, pra eu ficar sedada. Lúcida e orientada, mas sedada, pra eu poder ter... pra poder fazer as coisas, ficar pronada, fazer o exame de gasometria, que é muito, muito ruim.”

Juliana, permaneceu na unidade semi-intensiva de um hospital privado no Rio de Janeiro por 7 dias em março de 2021 e relembra o quanto foi difícil enfrentar a experiência de estar isolada: “Eu não gosto de ficar sozinha. Eu tenho aversão, pra falar verdade, em ficar sozinha, e assim, eu tive que ficar trancada no quarto de hospital [...]. Eu só tinha a companhia da televisão, tinha uma varanda que eu não tinha força de ir andando até a varanda. Então assim, para mim foi muito difícil”.

Vera Lúcia, adoeceu em maio de 2021 e conta como foi a sua experiência de isolamento no hospital público em que foi internada: “Eu só fui ver minha família quando eu estava vindo embora. Do lado de fora, porque meu filho veio me buscar, né? Aí meu filho já ficou no corredor, o rapaz saiu com a cadeira e me levou [...]. Isolamento menina, isolamento é uma coisa que você fica, assim, você não vê ninguém, você pensa assim ‘se eu morrer, eu vou morrer e ninguém sabe da minha vida, ninguém sabe como é que eu estou, como que foi, como é que não está’, entendeu? Fiquei fora de tudo, entendeu? Aí, quer dizer, você vai morrer… Você entra do jeito que você está aqui, você entra e depois chegou ali acabou a vida”. 

Augusto (maio de 2021), relembra que ao chegar no hospital privado que foi internado e antes de ser encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva teve seu último contato com o mundo externo: “Quando chegou lá eu fiquei um ou dois dias só com o celular. Depois que entra, tchau. E essa é a pior coisa, entendeu? Porque, a partir dali, algumas pessoas conseguem contato”. E ele completa sobre o impacto emocional do isolamento por covid-19 e o fardo da doença com seu alto teor de contágio:

“Você é um leproso. Foi acontecendo ali, aquela pergunta que você fez antes, ali você é um leproso, porque você está no quarto ali, você está com covid, as pessoas que entram, colocam como se você tivesse, entrando na NASA, eu tô indo visitar um E.T. Aí colocam máscara, não sei o que, as pessoas saem, limpam o chão, coloca 1 milhão de coisas você não pode, ‘quem é que está ali?’; ‘não sei’. Você é um cara altamente contagioso. Quando se sai de lá não, porque você já teve, agora, ali você é um, tem que estar isolado. E aí valoriza mais sabe o quê? A caceta da solidão”. 

 

Alcione, médico, internado em novembro de 2020 no sistema público também compartilha sua impressão sobre o isolamento causado pela covid-19, com a experiência de paciente e também de profissional da linha de frente na pandemia:

“E foi bom assim, a gente ter apoio de amigos e de familiares é muito importante. O COVID-19 é um adoecimento que ele é muito solitário, é uma doença muito ruim, que você adoece sozinho, né? E as pessoas tem… até os profissionais… eles se aproximam o mínimo possível do doente, pelo medo de contágio mesmo porque era uma doença fatal. Por exemplo, alguém se aproxima do doente só em caso de necessidade, porque tem que fazer um medicamento, eles vão lá e aplicam o medicamento. Tem que aferir sinal vital, aí vai para cima. Agora o profissional se aproximar para fazer alguma coisa, para conversar ou para falar qualquer coisa, é muito difícil [...]. É um adoecimento muito, muito, muito solitário. Você ficar o tempo inteiro na internação sozinho, ficar com seus medos, com tudo ali e a pessoa assim se chegar a morrer, ela morre sozinha, porque ela não tem como ter contato com alguém, não tem tempo de se despedir das pessoas. E isso tudo é muito triste. E após a morte também, a família não tem como se despedir ainda, por causa do risco. E na época, na época isso era muito forte. Hoje em dia, como já passou algum tempo, para mim já é mais tranquilo. Esqueci bastante coisa mas na época foi um período muito difícil”.

 

Glauciane, internada na unidade semi-intensiva em um hospital privado em São Paulo, em julho de 2020, conta que mesmo com recursos tecnológicos para ter acesso aos seus familiares, sentia a solidão e o distanciamento dos profissionais da saúde por medo do contágio: “Eu acho que o que afetou bastante foi o isolamento, mesmo com o celular, a gente falando com a família, o isolamento, o fato das pessoas chegarem toda mascarada, toda cheia de avental o tempo todo com medo, dá pra você ver que as pessoas têm medo de chegar perto e isso é muito ruim. É uma situação muito ruim. Mesmo você sabendo que é para proteger a pessoa, assim mesmo é horrível! Não poder tocar, não pode nada, né? A pessoa a um metro de distância. Mal as enfermeiras conseguem chegar, mas com aquela proteção”.

A partir da sua experiência de adoecimento por covid-19 e consequentemente, o isolamento social, aprendeu a dar valor a pequenas coisas do cotidiano, como ela nos conta

"Eu lembro que tinha uma janelinha, porque era tudo fechado, só uma janelinha no banheiro e eu ficava olhando lá paisagem, as pessoas passando na avenida, só observando e eu falava: ‘gente, como que a gente não dá valor quando está lá embaixo?’. [...] e eu aqui isolada, sem poder ver meu filho, sem poder ver minha família. É, a única pessoa que a gente via eram os enfermeiros, até selecionados, você via exatamente aqueles. Vinha com a bandejinha da comida, a nutricionista, ninguém entrava, só a enfermeira que vinha trazer comida para você. Era muito estranho, era muito estranho”.

Margareth, hospitalizada em agosto de 2020, no sistema privado na cidade de São Paulo, comenta sobre como o isolamento social é um traço característico da experiência de adoecimento por covid-19: “A possibilidade de morte é muito forte e além disso é uma doença que te leva automaticamente à solidão. Eu não posso contaminar o outro, então a solidão machuca muito quem está contaminado com o vírus, muito.”

Diante do reconhecimento de todo o esforço dos profissionais da saúde, e buscando protegê-los da contaminação do vírus, Margareth teve uma atitude de cuidado e zelo com eles, optou por usar máscara ao longo da sua interação.  

“Por mais que você esteja ali no hospital, você tenha os enfermeiros, meu Deus do céu, a equipe médica, todos da área de saúde, eu ficava pensando: ‘gente, vocês não têm medo de se contaminar? Eu estou com vírus’, e me tratando com tanto carinho; e eu fiz questão, eles falaram que não precisavam, mas eu fiz questão [...]. Mas então assim, esse distanciamento que você se sente na obrigação de ficar longe das pessoas por um cuidado com elas, é uma solidão invisível, muito invisível. Você não percebe que você mesmo é obrigado a dizer: ‘você vai passar por isso sozinha, mesmo com todo o cuidado da medicina, mas é um mal que você tem que passar sozinha’, inconscientemente, isto vai trazendo um buraco dentro de você, e foi exatamente isso que eu senti.

 

Outros entrevistados, mesmo isolados e com restrições de visitas, tiveram uma boa relação com os profissionais da saúde, o que foi fundamental para uma evolução clínica positiva. Muitas vezes, em meio à privação da presença familiar ao longo do processo de internação, as equipes assistenciais tornam-se a própria rede de suporte presente e sustentável, como compartilha Ana Cristina: “Mantive muito esse contato humano no Copa Star, isso no Copa Star, as pessoas realmente de nível excelente, a nutrição, todo mundo, intercambiei com todo mundo, tive problemas de nutrição, então entrei em contato com a coordenadora, pessoa maravilhosa. Fiz muito, não via pessoalmente ninguém mas tinha contato com todas elas”. 

Miguel adoeceu em abril de 2020 e ficou hospitalizado em um hospital privado no Rio de Janeiro. Compartilha conosco sua boa relação com a equipe de saúde e com a instituição, e o quanto isso foi fundamental para sua estadia:

“A minha emoção é a flor da pele o tempo todo, mas eu lembro de um, de dois momentos, muito, muito fortes. Primeiro foi nesse dia, no dia seguinte que me internei, que eu já não tinha muita noção das coisas, mas eu lembro do médico, acho que Renan, um cara alto, eu só via os olhos de toda a equipe. O restante eram astronautas cuidando de mim dentro do quarto do CTI. Aliás, queria fazer um parêntese, uma das coisas que depois pelo que acompanhei pela imprensa e tal, uma das coisas que eu agradeci muito a Deus foi o fato do CTI desse hospital serem quartos individuais, não é aquela coisa de um box do lado do outro com cortina que puxa. Não sei como seria minha reação, entendeu? Porque vendo todas, eu estava isolado, dentro de um quarto, com a porta de correr, isso é muito bom”.

 

Também hospitalizado em um hospital privado, Alexandre, morador da cidade de Recife, também comenta sobre a experiência de cuidado humanizado que recebeu ao longo da sua internação, e o quanto isso é positivo para a evolução do paciente gravemente adoecido. 

“Eles me tiveram uma atenção muito grande e isso me ajudou muito na estadia no hospital, porque eles tinham lá, na própria UTI tinha um quarto que ficava dentro da UTI, mas era tipo um quarto, como se fosse uma UTI humanizada, eles tinham um espaço desse individual e que muitas vezes eram os médicos do próprio serviço e tal que ficavam lá nesse local e no momento estava vazio, eles me colocaram nesse local e minha esposa disse que ia ficar comigo. [...] Isso pra mim foi fundamental, a minha esposa estando lá comigo porque me causou, me trouxe uma tranquilidade maior." 

Outro participante que também ficou internado no sistema privado de saúde, Wellington (maio de 2021), compartilha que o isolamento antes da intubação foi um momento difícil, mas teve recursos financeiros para contratar uma enfermeira particular para auxiliar no cuidado:

“O pior momento do isolamento para mim foi quando eu tava no hospital antes da intubação, porque eu tava no quarto sozinho, na verdade, nem era sozinho porque eu já tinha contratando um enfermeiro particular, então ficava eu e esse enfermeiro, mas era uma pessoa completamente estranha para mim, e falando com a minha família por telefone e recebendo a notícia sempre ruim: ‘você tá piorando’. Eu acho que esse momento é um pouco complicado. [...] E no hospital, eu estava muito debilitado e confesso que no CTI não me senti isolado, toda hora vinha alguém vir falar comigo, toda hora vinha um médico, um enfermeiro, vinha alguém fazer um exame, tirar sangue, o dia inteiro. Então, essa experiência do isolamento ela não foi muito então traumática, entendeu? Para mim não, uns 2, 3 dias antes de ir para o CTI, eu me senti isolado um pouco no hospital, esse foi o pior momento”.

 

Kátia Verônica, adoeceu em dezembro de 2020 e ficou hospitalizada no Hospital Clementino Fraga Filho. Por trabalhar nesse hospital, sentiu o acolhimento dos colegas de trabalho por mais que percebesse o cuidado da equipe de assistência. Ela compartilha que a presença dos colegas diminuiu de certa forma o sentimento de solidão: 

“Uma coisa que me ajudou muito também, foram as colegas que estavam do lado de fora, porque eu faço parte da produção. Toda vez que ia quentinha elas botavam um bilhete, preso na quentinha. Pra dizer: ‘olha a gente está aqui, você está indo bem, não pode desistir’. Isso é o maior incentivo, isso é bom pra caramba, me ajudou muito [...]. Não que o pessoal da enfermagem não te desse suporte, mas isso que elas faziam era muito bom, porque você fica sozinha. Você fica sozinha, sentindo uma coisa que você nunca sentiu, é muito ruim. É uma situação muito ruim que você fica. E você não sabe nem se você vai sair”.

Por sua própria natureza, o fenômeno do isolamento também faz os pacientes terem contato limitado com os profissionais da saúde, o que muitas vezes é um obstáculo no cuidado, associado a um período de sobrecarga de trabalho e escassez de recursos. Alguns entrevistados comentaram sobre a importância da relação dos profissionais de saúde e pacientes, e o impacto emocional que a ausência provoca. Como nos conta Michael Douglas que adoeceu em julho de 2021 e internou no Hospital Clementino Fraga Filho: 

“Na enfermaria, acho que seria muito necessário sempre ter alguém ali para conversar com o paciente, claro, tomando os devidos cuidados, mas ter uma troca. Eu fiquei muito perturbado porque fiquei muito tempo sozinho ali, muito tempo, muitas horas dentro de um quarto que não tinha uma TV, que não tinha nada. Então, se fosse para dar algum tipo de sugestão, eu daria essa, porque no CTI, claro que no CTI é o tempo todo ali, mas na enfermaria eu acho que seria bom de passar de instante em instante alguém para conversar. Não é só para dar a medicação. Conversa com o paciente: ‘Olha, vamos conversar um pouco, interagir, vamos falar, dizer o que você está sentindo’, porque foi algo que eu precisei muito, porque eu senti uma angústia muito grande no meu peito, sabe?"

 

Nelson, internado no mesmo hospital, logo no começo da pandemia (maio de 2020), relembra o quanto foi difícil o isolamento do aspecto emocional e conta sobre seu sentimento de desamparo, até o momento em que teve alta da UTI para enfermaria, quando pode ter acesso ao celular para contatar seus familiares: 

“Então, acho que para mim aquilo dali foi muito pesado, muito, muito pesado. Teria que existir ali… tudo bem que estava demais a situação, mas teria que ter um tipo… assim uma metade de uma parede ou um acrílico lá transparente para a pessoa, o parente vir acalmar a gente lá e ver se está bem, me ver, dar um apoio assim, não tocar na gente, mas do outro lado da tela lá poder fazer gesto [...] tipo assim uma parede com aquilo lá e eu poder da cama, do leito que eu estava deitado, eu poder a falar, eles responderem: ‘Oh, nós estamos com você. Estamos torcendo por você’. [...] Não consigo falar com ninguém. Não consigo dar um alô para minha filha. Falar com a minha esposa. Meu Deus do céu! ‘Cadê meu celular?’. Não davam, não podia, só depois que eu pude. Depois de uns dois dias mais ou menos, um dia ou dois dias, eu comecei a pedir o celular e a menina ligou, pediu e trouxeram. Aí trouxe para mim”.

 

Estar isolado em um contexto de adoecimento traz à reflexão o tamanho do impacto que as ligações sociais prestam à saúde em si e ao bem-estar do paciente, bem como a ausência dessas ligações sociais, impacta negativamente a experiência individual. A ausência de contato dos familiares foi algo muito marcante nas narrativas dos entrevistados. A necessidade de contato e afeto, foi algo apresentando em pacientes do sistema público e privado de saúde, como relata Renné, que adoeceu em outubro 2020 e ficou internado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho:

“No isolamento era só… eu não via a família. Sabia da gravidade, mesmo depois que eu saí do CTI. Eu sabia da gravidade do que estava passando no momento que elas ainda não estavam tendo acesso à enfermaria. Era só os médicos e enfermeiros comigo. Após um infarto pulmonar fiquei muito debilitado, então isso mexeu muito com a minha cabeça.  Mexeu muito, porque eu sabia que a qualquer momento eu podia… eu podia partir, podia vir a óbito e sem ver ninguém da família. Isso mexeu muito comigo, porque eu tenho uma família muito presente e nesse momento a gente se sente vazio demais.”

Maria Cláudia, foi hospitalizada no sistema privado de saúde em setembro de 2020, além de sentir com a ausência do contato com o mundo externo, também percebia a ausência de notícias direcionada aos seus familiares, o que também impactou negativamente: 

"Eu odeio ficar isolada. Eu não gosto de ficar sozinha. Foi horrível. Por isso que eu te falei depois que eles me deram um celular, tudo começou a melhorar para mim, entendeu? E por que assim, eu só chorava, eu toda hora, eu perguntava, ‘me dá um telefone, me dá um telefone para ligar para minha casa, deixa eu ligar para meu marido’. Você ficar ali sozinha, sabe, sem saber o que vai acontecer com você, é muito ruim. E o que a gente ouvia era o seguinte: a pessoa entra e os familiares só sabem depois que morreu. Ninguém sabe nada. Eles não dão um boletim certo para você, para o familiar fora, entendeu?" 

Maristela interna-se no sistema público, em março de 2020, quando tudo ainda era muito desconhecido. Teve acesso ao seu celular desde o segundo dia, o que fez diferença ao longo da sua internação, pois conseguia passar as notícias aos seus familiares. Mas seu caso foi a exceção, muitos familiares não tinham notícias dos pacientes internados, principalmente nesse período. 

“A questão desse relacionamento mesmo entre o cuidador, a instituição, os funcionários, os técnicos, os servidores e, com o paciente e com o familiar, que a gente parecia muito com essa questão. Como no começo, da questão de comunicação com a família, porque não tinha. Aí fazia aquela ligação, que no começo nem tinha, acho que foi depois dos dez dias que eu tava internada que tinha aquela ligação, convocou aluno e tal pra poder ligar pra dar o boletim assim ‘ah, tá passando bem, não sei o que’, e pronto, desligava o telefone, entendeu? Então a família ficava à mercê lá fora, à mercê. Pros pacientes que estavam entubados, que estavam totalmente dependentes, que não tinha um meio de comunicação como eu tinha, que tava com o meu celular, gente, isso pra família lá fora era um terror, era uma coisa assim, muito, ainda mais com o noticiário todo ‘ah, morreu não sei quantos mil hoje’.”

Paula adoeceu gravemente por covid-19, em julho de 2020, em um período crítico para os hospitais privados e públicos do Brasil, devido a superlotação dos leitos e o alto número de pacientes graves. Sua internação foi complicada e ela teve a sensação de morte em grande parte da sua hospitalização. Distante da sua família e também sem notícias, seu sentimento de solidão e desamparo foi aumentando a ponto de pensar em desistir. 

“Acho que eles não tinham informação da minha família, e se tinham não me passavam. E aí, eu também não perguntava, como se eu não tivesse direito, não sei o que me passava naquele momento. Eu imaginava que eles estavam bem. Eu imaginava só que eles pudessem ter esquecido, porque eu sabia que ao mesmo tempo que não podiam me visitar, mas por ter certeza que estava morrendo, eu ficava, ‘como assim eles ainda não invadiram isso aqui para me ver? Porque eu tô morrendo’. E se eu estou morrendo, eu sabia que o médico tinha obrigação de avisar a eles que eu estaria morrendo, então eles vão deixar eu morrer aqui, sem me ver?. ‘Eles vão deixar eu morrer?’. Então, ao mesmo tempo me veio um pouco de revolta, ‘cadê minha mãe?’, ‘Cadê meu marido que não fica aqui esperando morrer, do meu lado?’. Porque eu tinha certeza que ia morrer, e eles estão sabendo, porque eu sei que o médico é obrigado a passar”.

 

A interação com outras pessoas, principalmente entes queridos, molda de todas as formas os sentimentos e pensamentos do paciente, e essa interação pode promover uma sensação de conforto e esperança, como aconteceu com Viviane, que adoeceu em maio de 2020 e após um enfermeiro perceber sua demanda emocional, propôs uma chamada de vídeo com sua família, o que a encorajou a lutar pela vida: 

"Um dia antes dessa filmagem que eles fizeram com a minha irmã, eles chegaram a ligar pra ela falando que eles iam ter que me entubar, porque eu não estava tendo melhora. Aí esse enfermeiro foi e perguntou se eu queria falar com a minha família, acredito eu que eu ia ser intubada naquele dia. Porque eles já tinham ligado pra minha família falando que eles iam me entubar porque eu não estava tendo melhora. Aí foi nesse exato momento que ele falou, perguntou se eu queria falar com a minha família. Aí foi daí que eu falei que achei que fosse despedida. E aí, falei que queria e ele fez, e daí eu comecei a ter melhora, depois que eu falei com a minha família que eu comecei a ter melhora. [...]  Acredito eu que foi a força do amor porque até então não tinha visto eles, eu não tinha contato com ninguém. Então eu estava tipo ‘poxa eu estou aqui abandonada nesse hospital’, porque eu não podia falar com ninguém, não tinha telefone.”