Os pacientes que deram entrada no hospital no início da pandemia, relatam ausência de protocolos e tratamentos para lidar com a doença. Como nos conta Maristela, que adoeceu em março de 2020 e permaneceu internada no sistema público de saúde:
“Quando foi domingo de manhã, vim pra cá [hospital universitário], e aí fez a tomografia, viu a oxigenação, essas coisas. Estava comprometido [pulmão] e aí eu fiquei internada. Fiquei lá na emergência, no CTI da emergência, foi lá o CTI de Covid foi na emergência, e eu fiquei internada lá. Aí de lá, fiquei uns dois dias, era tudo muito temeroso, porque não tinha protocolo, não tinha como cuidar do paciente, que ninguém conhecia a doença ainda, né? Acho que eu fui a segunda paciente internada no dia.”
Mábia, enfermeira de um hospital filantrópico que atuou na linha de frente, também nos conta, que essa ausência de protocolos pode ter relação com as repercussões pós-covid, quando foi internada em abril de 2020:
“E a questão dos medicamentos Jully, eu tomei vários medicamentos, porque não tinha ainda um padrão e acho que até hoje, você tem aquele protocolo, mas cada paciente ele reage de uma forma, eu lembro que eu comecei o tamiflu e completei um ciclo, fiz o uso da azitromicina, eu fiz o uso da ceftriaxona, e utilizei um corticoide que eu não lembro o nome ainda, não fiz o uso de anticoagulante, porque ainda não era padrão, não se entendia que poderia teria a trombose, de trombos, não sei se essa falta do anticoagulante, esta repercutindo agora, nessa suspeita de TEP, e analgesia para dor e hidratação com soro fisiológico, tive muitos episódios de hipotensão também, onde eu não tinha nenhuma queixa, a equipe só conseguia identificar que eu estava hipotensa no momento mesmo da aferição de sinais vitais, e depois eu ouvi muitos relatos desses mesmo."
Diante do desconhecimento da doença, o isolamento dos pacientes testados positivo por covid-19 era certo, como nos conta Márcia Cristina internada em junho de 2020:
“Então, na emergência, era emergência de covid, na época, a emergência lá embaixo já estava com covid. Então, não fiquei isolada dos outros pacientes. Era um conjunto. Eu entrei, foi uma coisa muito rápida, porque eu entrei e o médico falou: ‘olha, você tem certeza que é covid? Porque se você não tiver, você vai entrar e você pode se contaminar’. Aí eu falei: ‘eu tenho certeza’. Aí mostrei o laudo da tomografia. Aí eu lembro que ele colheu um sangue meu já na entrada. E logo assim que eu cheguei já trocaram minha roupa, já me monitorizaram, já colocaram o cateter nasal”.
Roberto, que adoeceu em setembro de 2020, também relata sobre a área reservada para pacientes positivados:
“Como eu tava com esses sintomas todos, já fui direcionado pra sala de atendimento de COVID, que é uma sala que estava separada na emergência, separada só pra COVID, já fui com máscara, lógico, já usava a máscara anterior e ali eu já fui, já fui colocado direto nessa sala, onde veio o médico e já começou a me tratar, já fez exame, já colheu, já foi fazendo exame e tal, e já deu positivo, já me encaminhou, o meu estado já não era tão bom, tanto é que ele me internou de imediato.”
Caique relata também ter sido enviado para um gripário de COVID, no seu período de internação em março de 2021, antes ser transferido para outro hospital de campanha devido à piora dos sintomas, e falta de recursos do gripário:
“Tava tendo uma dispnéia, ele falou que a UPA, ele não tinha recurso, que eu tinha que ir pra um gripário, alguma emergência, alguma UTI, alguma coisa assim pra ver de fato, porque ali não teria como fazer nada, né. E aí de lá, a gente foi pro gripário dos Barris na verdade e aí a gente pegou a fila, um monte de gente, muita gente na fila, esperou, muita gente com cara de muito doente, mal assim, e eu cada vez com uma dispnéia que ia se agravando. E aí finalmente fui atendido, aí a enfermeira foi lá tirou minha saturação, tava 96 até então tudo normal e aí ela falou assim “não, por enquanto tá normal sua saturação”, aí depois ela foi medir de novo e ela percebeu que minha saturação tava caindo, então de 96, quando ela olhou já tava 93, aí olhou de novo tava 92 e aí ela falou que eu ia ter que ficar internado.”
A incerteza da evolução clínica individual é uma característica marcante do adoecimento. O estado dos pacientes muitas vezes é crítico e eles chegam diretamente para internação na Unidade de Terapia Intensiva como, por exemplo, Henrique hospitalizado em março de 2021, no sistema privado de saúde, no Rio de Janeiro:
“Eu voltei pra casa e tomei dipirona, e fiquei 48 horas com febre. Aí eu retornei para o hospital. Quando eu retornei, fiz outra radiografia que mostrou que estava com 75% do pulmão tomado. Fui avisado que ia ficar internado e fiquei. Isso foi no sábado à tarde. E novamente eu fui sozinho também para o hospital, estava me sentindo mal, cansado, mas como se fosse uma gripe forte, só isso. Então fui sozinho, até de Uber. Cheguei lá, esperei o atendimento e tive essa notícia, avisei pra minha esposa que eu ficaria internado e então internei.”
Kátia Verônica compartilhou sua entrada no CTI do Hospital Universitário, em dezembro de 2020: “Eles me botaram, da máscara do ‘narizinho’ pra aquela maior, botaram a máscara maior para eu respirar. Aí eu consegui dar uma cochilada. Assim eu fiquei um dia, no outro dia o médico fez de novo o eletro em mim, falou assim pra mim: ‘você vai subir, vai pro CTI, porque você ainda não entrou em período crítico da doença’. Não tinha vacina ainda. ‘E você vai pro CTI pra gente poder te monitorar’. Eu falei assim: ‘mas eu preciso ir pro CTI? Eu já estou respirando melhor’. ‘Não, você não está respirando melhor!’. Mas eu estava tão ruim de respirar, que qualquer melhora você já acha que está melhor. 'Só que você não está melhor e você ainda não está na piora da doença'. Me levaram pro CTI, me internaram no CTI.”
Glauciane também compartilha sobre a incerteza da sua evolução clínica, quando internada em julho de 2020:
“E aí, ele falou: ‘então, olhando o seu exame, olhando o seu exame de sangue, o que que você acha que a gente vai fazer? Internar?’. Aí ele falou: ‘não tem jeito, vai ter que internar você. Eu sei que vai ser muito difícil para você, a gente vai ter que internar’. E assim, estava longe do médico, na cadeira quase na porta, ele bem longe, ‘mas pode ter chances de melhoras, mas só que também pode ter chances de piora, porque você sabe’. Ele explicou tudo certinho, que o covid hoje você está bem, amanhã você pode não estar bem. ‘Então já tem 50%, vamos correr com isso? Você vai ser internada e tem que esperar os cuidados’. É... e aí, eu já estava chorando na sala dele mesmo, porque uma coisa é você dar apoio, e você ir embora para sua casa. Outra coisa é você saber do COVID e ficar lá trancada. E aí, eu subi pro quarto, aí veio um outro médico que me explicou os atendimentos que tinha feito, de quantas pessoas já tinham recebido alta, que não era para eu me entregar, para manter o equilíbrio, e foi assim.”
André também relata que ao chegar no hospital de campanha SUS, em abril de 2021, demonstra resistência a intubação, apesar da piora dos sintomas, em sua concepção estava bem:
“Porque eu cheguei, assim, pra mim tava, eu já tinha bebido água, então pra mim já tava tudo tranquilo, tudo de boa. Eu odeio dormir de bruço, mas consegui dormir normal, acho que foi o cansaço, e eu cheguei lá usando, lembrei agora, eu cheguei lá usando o máximo do oxigênio que é 15, daquele o galão não é que chamam de oxigênio, cheguei lá usando 15, que era o máximo, com aquele trequinho no nariz, e aí tá. Aí os médicos discutindo entuba, não entuba, entuba, não entuba e eu sabia que se eu entubasse não voltava. Por causa do meu tamanho, por já ter visto na televisão casos que aconteceram e tal, e aí eu falei, se for me entubar beleza, mas eu preciso ligar pra minha mãe e pra minha mulher pra me despedir.”
Diante da incerteza na evolução clínica do paciente e relativo desconhecimento da doença, não foi raro ouvir que a internação aconteceu, após, pelo menos, uma ida anterior à emergência. Janilda (maio de 2020) compartilha: “Eu estive na emergência, mas não estava grave, ainda estava conseguindo fazer as coisas. Fui para casa, eu não sei, eu não guardei a data exata, mas eu lembro que dois dias depois eu volto muito cansada, saturando muito mal e na emergência eles falam que eu não poderia ir para casa, que eu tinha que ficar. Eu não consigo lembrar os detalhes da emergência, o atendimento, eu só sei que eu acordei 32 dias depois.”
Márcio (março de 2021), antes da sua internação se dirigiu a uma outra emergência:
“E hoje assim, eu procuraria o hospital antes, apesar de que o primeiro hospital que eu fui na sexta-feira, sei lá, acho que umas seis horas fazendo uma bateria de exames de imagens. E aí, falando com a médica, perguntei tudo, eu expliquei e daí ela falou: ‘você tá bem, você tá com uma falta de ar, não necessita internação’. Aquilo me deu uma tranquilizada, eu pensei que estava mais grave, aí ela falou: ‘você está com 40% do seu pulmão tomado, mas você já tá no oitavo dia então não tem necessidade’, daí eu falei ‘tá bom’. Então daqui agora vou melhorar, e eu só piorei [...]. E daí, teve um amigo nosso médico, ele falou: ‘quanto tá a sua saturação?’, eu falei: ‘tá 86’, daí ele falou: ‘tá muito perigoso’, ele falou: ‘daí pra baixo. Se você continuar, você vai piorar muito'.”
Edmilson nos conta que em, junho de 2020, antes da piora dos sintomas, passou horas na UPA, e não obteve atendimento imediato, por falha do serviço que estava sobrecarregado e porque não demonstrava inicialmente a forma grave do vírus, e ao voltar pra casa piorou e precisou de internação e foi transferido para um hospital de campanha com 50% de comprometimento pulmonar:
“Aí foi que minha irmã, como foi comigo, ela é farmacêutica, aí ela pegou, um amigo dela trabalhava na UPA, foi e perguntou: ‘não atendeu ele ainda não?’ ela: ‘não, ele já tá lá na sala esperando fazer esse exame e até agora nada’ que foi quando eles foram ver, procurar minha ficha, tinham perdido minha ficha [silêncio] e foi por isso que tinham demorado. Aí foi que aí ela... fizeram outra ficha e a menina foi fazer exame, aí disse que saia o resultado de 3 a 5 dias, né? Foi aí quando... fui na quinta, no sábado piorei. No sábado a noite já tava dando febre e o corpo já não aguentava mais ficar em pé, foi que eles me levaram novamente, minha irmã e meu cunhado, e aí foi que eu fiquei internado."
Os entrevistados também mencionaram a superlotação dos hospitais públicos e privados brasileiros. Maria Claudia (setembro de 2020) permaneceu internada no sistema privado de saúde e compartilhou: “E aí, eu falei para ele para eu ir pra casa que eu voltava de 8 em 8 horas para tomar a medicação venosa. No dia seguinte não teve como. Eu tive que sair de casa carregada já, eu já não andava, não conseguia falar. E aí, eu fui internada. E aí, foi aquele lance porque não tinha vaga. Não tem vaga.”
Augusto (maio de 2021), precisava de uma vaga na Unidade de Terapia intensiva:
“E aí, fui para o hospital, tenho um plano bom e fui para o Hospital Copa D'Or. E aí, no Copa D’or começou a situação, um show de horrores, aquela gasometria que dói absurdamente. ‘E não tem leito aqui’. ‘E como não tem leito?’. ‘Está tudo lotado, você vai ficar na emergência. A gente vai ver para onde seu plano vai te transferir’. Daí eu estava com o celular, fui falando para as pessoas no meio da noite, minha febre não passava. Então você começa a se sentir muito mal, me colocaram um quartinho claustrofóbico que não tinha janela, era emergência, e a febre aumentando. Eles tiraram o sangue e a gasometria no outro dia e eu fiquei ali 24 horas ou quase dois dias nesse local.”
Margareth (agosto de 202), hospitalizada no sistema privado de saúde em São Paulo: “Então, onde eu fiquei hospitalizada, no dia em que eu entrei estava lotado. Então o médico me internou, mas na verdade, eu fiquei 24 horas no pronto-socorro internada mas sem conseguir um leito. Então ali mesmo no pronto-socorro eles já iniciaram o tratamento”.
Sérgio (novembro de 2020), internado no sistema público, também relata sobre a escassez de leitos:
“No Fundão é que fizeram tudo, porque eu cheguei aí, eu cheguei com oxigênio, com pouco ar, cheguei mal, até mesmo por causa do transporte, dessas coisas todas. Eu cheguei muito mal, aí é que fizeram todo aquele tratamento, a primeira equipe que me atendeu foi uma equipe que eles me cercaram, eles perceberam a gravidade, quando eu cheguei eles perceberam a gravidade e eu fui para um lugar que nem tinha lugar, não tinha espaço, né? Quando eu cheguei no Fundão não tinha vaga, mas tinha um leito que estava desativado por causa de uma goteira. Tinha uma goteira lá na emergência, um leito que estava desativado, que estava precisando que as pessoas fossem lá e fizessem algo naquele leito. Então, quando a equipe percebeu que eu estava muito mal e que não tinha como ficar lá embaixo aguardando e que qualquer movimento que fosse feito contrário ao atendimento, eu ia embora, eles, não sei se eles pagaram o preço, não sei qual foi o motivo, eles me colocaram nesse leito.”
Eduardo (março de 2021), relata sua experiência no sistema privado de saúde:
“Chegando lá no Panamericano, para minha surpresa, emergência lotada. E o hospital de primeiro momento não queria me receber, eles queriam recusar, né? E aí, ainda bem que tinha a minha esposa, mas com COVID, meu irmão foi pra lá, ele é enfermeiro, e aí a gente ficou: ‘como que você vai recusar um paciente grave, com COVID, dependente de oxigênio?; e o técnico de enfermagem falando ‘Olha, a bala que eu tenho de oxigênio aqui vai acabar. Daqui um pouquinho essa bala vai acabar’, e fazendo uma pressão para o médico. E aí eu fui avaliado.”
Barbara C, também do sistema privado de saúde, compartilha sua experiência em setembro de 2020, que estava hospitalizada em um hospital referência em Recife/PE, e mesmo pagando caro, teve que dividir os espaços devido a superlotação:
“A gente teve que assinar um termo abrindo mão do apartamento pra ir para enfermaria. A enfermaria com 6, 7 pessoas, isso hospital particular, de ponta, de nome, enfim. E assim a gente começa a perceber o grande cenário de guerra que estávamos vivendo, sabe Emily.”
Alguns entrevistados do sistema público de saúde já tinham relação com os hospitais onde ficaram internados, faziam tratamentos ambulatoriais ou já ficaram internados por outros motivos. Como por exemplo, o entrevistado Jorge (abril de 2020), que tratava com o serviço de endocrinologia: “Aí ligamos para nossa doutora aqui do hospital, a doutora Joana (endocrinologista), e ela me mandou que viesse. Se eu não tivesse vindo nesse dia, eu teria morrido em casa. Aí chegando aqui no hospital já tava sem oxigenação praticamente, já tava praticamente desacordado.” Michael Douglas, adoeceu em junho de 2021 e também tinha prontuário no Hospital Universitário:
“Ela me botou dentro do carro e veio para cá, já que aqui eu tinha o prontuário, fiquei internado em 2002 por conta de uma meningite que eu tive quando criança. Chegando aqui e aquela correria toda, não estava conseguindo respirar, a situação era muito complicada, muito delicada. Fizeram exame de sangue muito rápido, muito ágil.”
A entrevistada, Vera Lúcia (maio de 2021). Veio a uma consulta de rotina e devido aos seus sintomas, permaneceu internada:
“Aí meu marido veio, me trouxe no Fundão para consulta. Aí chegou a doutora nem estava, a doutora também estava com COVID. Aí não estava atendendo. E eu tossindo, tossindo. Aí falou assim ‘leva ela na emergência’. Quando chegou lá na emergência, eu fui atendida na emergência. Falou ‘não, ela vai ficar aí. Vai ficar internada’. Aí já me apavorei, né?”
Soraia também nos conta (abril de 2022), que devido ao seu quadro de ansiedade, desenvolveu uma crise asmática, e ao procurar uma unidade de saúde contraiu o vírus, e afirma que se não fosse por isso, ela teria desenvolvido a forma assintomática da doença, menciona que inicialmente até seus exames deram negativo:
“Quando eu cheguei em casa eu já cheguei com um quadro, como posso dizer, completamente normalizado, mas já num estado bem melhor e aí fui passar essa quarentena da covid. Porque até aí eu já estava positivada para covid. Em relação a covid eu poderia dizer que se não fosse a crise de asma e eu tivesse pego covid eu seria uma paciente assintomática, porque eu não senti absolutamente nada do que acontece em relação a quem pega covid, então eu passei esse período em casa e buscando me restabelecer e graças a deus né, to bem até hoje. Eu tive uma outra crise de asma um pouco mais a frente e minha asma foi detectada, porque eu sou tabagista e tenho um quadro de ansiedade onde eu já estou em tratamento, tenho um quadro de ansiedade que me levou a essa outra crise né, mais uma vez eu me vi no hospital, mas negativada pra covid.”
Além disso, José Luciano, que ficou internado em março de 2021, compartilha como acredita ter sido contaminado pelo vírus quando estava no hospital para a realização de um procedimento de rotina para o tratamento da sua doença renal:
“Eu tava internado no Hospital Alayde Costa pra fazer hemodiálise, lá tem um núcleo de hemodiálise estávamos fazendo, inclusive eu perguntei até pra médica na época, aonde foi que eu me contaminei assim, ela respondeu que provavelmente ou na recepção onde nós saímos pra deixar a nossa ficha antes da hemodiálise ou no próprio setor de hemodiálise, onde tinham as técnicas de enfermagem lá, provavelmente isso porque pra eles fazerem esse exame na gente assim, sem motivo nenhum [...] duas técnicas foram contaminadas e provavelmente transmitiram pra gente.”
Outros entrevistados tinham relação com os hospitais públicos que estavam internados porque trabalhavam na instituição, como por exemplo, Nelson, que adoeceu em maio de 2020: “Eu pedi a chave do carro, ela [a esposa] foi, correu, pegou a máscara, colocou a máscara e pegou a chave. E eu: ‘No Fundão, me leva para o Fundão!’. Ela: ‘Não, não, eu vou’, e veio comigo. Quando ela veio comigo aqui, chegou na emergência, teve aquela burocracia toda que tem aí. Fui mostrar meu crachá, para saber que eu sou funcionário, senão não seria atendido.”
Carlos Eduardo (agosto de 2020), que atuava na linha de frente da pandemia em dois hospitais públicos no Rio de Janeiro, se direcionou ao Hospital Universitário Clementino Fraga Filho diante dos seus primeiros sintomas:
“Como eu estava alocado aqui no Fundão e a prefeitura do Rio, ela contratou emergencialmente funcionários para atuarem aqui no covid, no Hospital Universitário. Aí eu vim pra cá no final de abril. Meu primeiro plantão aqui foi no dia 28 de abril, tá? E comecei a trabalhar no covid. E como eu era funcionário daqui, eu fui pro Sesat [Serviço de Saúde do Trabalhador]. Aí o Sesat já viu que eu deveria ser afastado e me encaminhou pra emergência, na emergência pediram logo a tomografia, fiz a TC, saí da TC e fui direto pro CTI.”
Alcione (novembro de 2020), médico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudou e se internou por covid-19, no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, como ele compartilha:
“No grupo de trabalho eu comentei com os amigos da faculdade e eles comentaram: ‘Vai lá para o Fundão, que a gente estudou lá, talvez tenha vaga, talvez consiga conversar’. E um colega nosso estava de plantão lá no dia e falou: ‘Tem vagas aqui, tem três vagas ainda no CTI. Você pode vir para cá que eu te atendo aqui’. E fui atendido e acabei ficando internado já naquele dia, né? E depois nos próximos dias as vagas que estavam também livres, no outro dia acabaram sendo ocupadas com mais duas pessoas, pelo que me lembro. E foi um momento de estar com muitos casos, e tudo muito cheio. A minha experiência foi um pouco assim, por eu já trabalhar na área da saúde e já estar convivendo com os casos não foi tão assustador de início porque eu já sabia como seria o desenrolar dos dias, né? Mas acabou que eu fui começando a ter piora dos sintomas e depois isso começou a me assustar um pouco.”
Camila, em agosto de 2020 retornou ao trabalho presencial na Universidade de São Paulo, onde trabalha como terapeuta ocupacional. Em dezembro de 2020, logo após o fechamento do semestre, na véspera do Natal, ela começa a manifestar os primeiros sintomas da covid-19 e diante da evolução dos sintomas, busca uma emergência no sistema público para ser atendida:
“Eu comecei a percorrer os hospitais aqui da cidade e não encontrava nenhum que tivesse a porta aberta. Eu fui em vários, até voltei nesse hospital que me passou a inalação e encontrei o mesmo médico de plantão. Ele falou assim: ‘aqui na cidade você não vai achar nenhum. Está tudo lotado. A gente não tem vaga, você precisa ir para São Paulo’. E aí eu falei, ‘vou para o hospital da USP [Universidade de São Paulo], que é onde eu tenho certeza que a porta vai estar aberta pra mim’. Aí eu fui de Uber porque não estava mais conseguindo dirigir. Fui, cheguei e fui atendida. Foi o primeiro hospital que eu consegui entrar. Então acho que, nesse meu percurso também, trabalhar na universidade, consegui acessar os recursos da universidade e que me garantiu acesso à saúde, porque o SUS sozinho não deu conta.”
No sistema privado de saúde, a entrada no hospital muitas vezes acontecia a partir do direcionamento feito pelo médico na teleconsulta ao longo da evolução crítica dos sintomas. Como aconteceu com Marcelo (abril de 2021):
“E aí, eu não lembro exatamente de quem foi a iniciativa, se foi dela [da esposa] ou minha: ‘vamos fazer uma consulta também’. Eu já tinha feito uma e o cara falou: ‘vai lá fazer o exame, vamos ver’, daí eu acho que eu não cheguei a fazer não, quando eu fiz, eu tossindo, ele falou, passou um alerta lá para o médico e falou: ‘olha, pela sua tosse, e do jeito que você está apresentando eu vou te pedir para que você vá para o hospital para você fazer uma avaliação mais próxima, melhor, para saber qual é o seu resultado, pelo tempo você já deveria estar melhorando e tal, mas pela tosse’.”
Alguns pacientes tinham uma relação de confiança com o médico que direcionou a internação, como por exemplo, Augusto que tratava outra comorbidade previamente: “E aí, o processo foi muito rápido, fiquei um dia com o oxímetro monitorando aquilo e chegou uma hora que chegou a 82, 84%. Ele [o médico] falou: ‘vai direto para o hospital’”.
Isso era um ponto positivo, pois geralmente esse médico coordenava os cuidados até a alta hospitalar, como por exemplo, Wellington, que adoeceu em maio de 2021:
“Então, o meu médico, ele entendeu por bem que eu ficasse hospitalizado em observação. Eu tomei um susto mas, tudo bem, concordei e fiquei em observação. Passou o dia seguinte, a gente fez um outro teste, um outro exame, e o pulmão já tava em 70% e 2 dias depois, eu fiz um outro exame e já estava mais grave ainda, já tava beirando os 90% de comprometimento. E aí, meu médico me orientou que seria por uma questão de cautela, para preservar o meu pulmão que me levaria para o CTI, e me levou para CTI. E ainda não me recordo bem, às vezes fico um pouco perdido no tempo, se foi no mesmo dia ou no dia seguinte, eu me lembro dele vir conversar comigo, e então nessa conversa eu deveria me entubar, que ele gostaria de me entubar para poder preservar o meu pulmão. Então aí, até o momento da intubação, foi isso que aconteceu. Eu lembro que foi muito rápido, ele falou isso para mim, eu me lembro que eu falei alguma coisa, ‘manda um beijo para minha família’, fiquei muito nervoso na hora, eu não sei se ia voltar, se eu não ia voltar, a gente escuta... e, enfim, ele me entubou muito rapidamente”.
Outros pacientes vieram encaminhados de outras instituições, públicas e privadas. Viviane (maio de 2020), permaneceu 10 dias em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), antes de ir para o HU: “Aí ela tentando, tentando, passou dois dias tentando e a piora continuando. Aí, acho que foi numa quinta-feira, ela conseguiu uma vaga no CTI do hospital do Fundão. No mesmo dia à tarde eles me transferiram de ambulância. Aí chegando lá eu tive todo o suporte. Aí fiquei numa sala de CTI de emergência para fazer outros tipos de exame, exame da pressão arterial, aí me colocaram o negócio no coração e nisso eu tava há mais de 20 dias já no oxigênio, já não tava mais aguentando, o oxigênio pra mim já estava ficando fraco.” José Luiz (janeiro de 2021), também saiu de um hospital público sem serviço intensivo para o HU: “Aí me levou ao hospital, no qual o médico falou assim: ‘eu vou internar o senhor’. Aí permaneci daquele final de domingo no hospital, e na segunda-feira até às 20 horas da noite. Neste período, a minha sobrinha, que é médica, esteve lá me visitando e disse que eu realmente tinha que me internar, que eu estava com COVID. Aí me transferiram pra aqui pro Fundão”.
Sérgio, foi transferido do hospital particular para o Hospital Universitário:
“O Fundão que me recebeu como covid. O hospital particular que eu estava, eles me receberam como se fosse uma gripe, uma coisa assim bem forte, eles não quiseram assumir o compromisso de covid. Então eles me fizeram o tratamento nesse dia, um médico que entrou, percebeu que o tratamento não estava sendo adequado, que ali não teria tratamento para mim da maneira que eu me encontrava. Então, por isso que eu fui. No Fundão é que eu tive todo esse processo, entendeu? Todo o processo de covid, de tratamento foi feito no Fundão.”
Maria Verônica, deu entrada no hospital privado de forma muito particular. Logo no início da pandemia (abril de 2020), foi fazer uma tomografia de abdome e a médica radiologista percebeu uma imagem possivelmente compatível com covid-19 em seu pulmão: “a doutora Roberta está desconfiada de que seja que você possa estar com covid”. E ela compartilha:
“Eu fui internada no dia 13 de abril, no dia 14, eu amanheci muito bem, a previsão era de que se fosse positivo ele ia me medicar e mandar pra casa e se fosse negativo, eu viria pra casa do mesmo jeito, eles me explicaram. No dia 14, eu passei ótima sem problema algum, no isolamento é claro. No dia seguinte, já comecei a me sentir mal. Quando foi na quinta-feira, saiu o teste do covid, deu positivo, mas aí já havia piorado muito e me transferiram pro semi -intensivo, isso numa quinta-feira. No dia seguinte, no dia 17 de abril à noite, chegaram os médicos, 4 médicos, na minha cama e me falaram: ‘Verônica, vamos ter que te entubar.’ ‘Entubar, doutores? Que isso?’ Daí ele falou ‘é, vamos ter que te entubar’. Falei ‘bom, se tem que entubar, então entuba’. E aí, na madrugada do dia 17 pro dia 18, eles começaram com um procedimento pra me entubar. Quando foi às 9 horas da manhã do dia 18 de abril, eu já estava no CTI entubada. Esse foi meu presente de aniversário, foi exatamente no dia em que eu completava 58 anos.”