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A infecção pelo coronavírus foi uma experiência comum para quase todos os profissionais participantes. As exceções foram tão poucas que vale citá-las: em 26 participantes apenas uma médica e duas enfermeiras não haviam contraído Covid até o momento de serem entrevistada. Houve vários que contraíram duas e até três vezes.
Os profissionais desenvolveram sintomas leves ou moderados incluindo mal-estar, febre, dor de cabeça, tosse, por vezes diarreia, e uma sensação incomum de cansaço intenso. A perda de olfato também se manifestou abruptamente. Foram afastados do trabalho, permanecendo em casa por 14 dias. Alguns se recuperaram dentro deste período, outros não, voltaram ao trabalho, mas só gradualmente foram melhorando do cansaço e retornando ao desempenho habitual. Felizmente não houve quem sentisse falta de ar importante, queda na saturação do oxigênio, portanto não houve necessidade de aporte de oxigênio nem tampouco de outros procedimentos que os teriam levado ao atendimento numa unidade de saúde. Todos puderam fazer testes para a confirmação do diagnóstico de Covid.
A experiência daqueles que adoeceram em 2020, nos meses iniciais da pandemia, teve a presença marcante do medo do agravamento, da insegurança pelo desconhecimento da doença e pelas notícias de muitas mortes ocorrendo em nosso país e em outros.
“Eu peguei o COVID lá no iniciozinho da pandemia. [...] no início de abril, eu cheguei em casa e aí, na época, meu marido tava em outro estado na casa da família dele, eu tava sozinha, completamente sozinha em casa, por questão de segurança mesmo. [...].na quinta-feira, eu comecei a sentir mal-estar e achei que “ah beleza, tô cansada, tô estressada.” No dia seguinte, comecei com sintomas respiratórios: nariz escorrendo e ainda tava assim “ah é minha rinite, é só cansaço, dor no corpo, foi porque eu tô trabalhando muito” e nisso, alguns colegas do trabalho começaram a sinalizar que tavam com COVID, estavam com suspeita. [...] naquele final de semana, eu fui cozinhar. [...] Quando eu não senti o cheiro que eu pensei “putz acho que é COVID” faz sentido, os colegas com sintomas… Daí assim, a minha sensação era que eu tava com meu atestado de óbito em mãos, porque o que a gente via na mídia, apesar da gente saber que a grande maioria das pessoas não vem à óbito e tudo, não tenho nenhuma grande morbidade, mas minha sensação: "Pronto, beijo mãe, beijo pai, beijo marido". Eu já tava assim, me preparando mesmo para ficar mal. Fiquei muito ansiosa.” (MFC Caroline Oka)
“eu tive COVID em maio de 2020, e aí assim a minha primeira sensação assim, quando começou os sintomas, foi de muito medo de estar com a doença, por ser uma doença que é muito, que gera muita dúvida em relação ao que tipo de sintoma que você vai ter, se em algum momento você vai ficar grave, se em algum momento você vai precisar de internação. [...] Os meus sintomas, eles foram leves, mas eu cheguei a um dia, foi até o primeiro dia dos sintomas, eu cheguei a ter uma crise assim de ansiedade no trabalho, fiquei muito nervosa, chorei, com medo do diagnóstico. E aí, desde então, eu fiquei em isolamento em casa quando chegou o resultado laboratorial, que vinha por e-mail eu já tava mais tranquila. E fiquei bem assim, na medida do possível, mas eu confesso que é uma doença que deixa a gente muito angustiada porque no mesmo dia que você tá bem, você pode em algum momento do dia ou com avançar dos dias piorar, então era um receio que eu tinha desde o início assim de em algum momento poder agravar. Mas graças a Deus não foi essa a minha experiência. Eu fiquei bem, fiz o isolamento de 14 dias e depois eu retomei o trabalho.” (ENF Caroline Teixeira)
"A repercussão mais foi, diria, com minha saúde mental mesmo pelo medo. Mas, mas assim, dano físico, sintoma mesmo nenhum." (ENF Tayná)
“No momento, que foi em maio [2020], foram várias vertentes de que as medicações poderiam piorar o quadro, ou tinham efeito colateral. Eu me encontrava doente, uma doença nova, eu não tinha uma medicação. Eu não tinha nada. Só tinha Deus. Me senti impotente. Por algum momento eu falei assim: eu posso morrer. Meu sistema imunológico não conhece esse vírus, é a primeira vez, então assim: será que ele vai conseguir combater, sem precisar fazer uso de medicação? Eu fiquei bastante angustiada. (ACS Mayara)
Sensação de impotência, de dependência total de Deus, porque ninguém podia fazer nada. E muito medo. Muito medo do quadro piorar, de precisar ser entubada. Toda aquela história que a gente vê nos jornais, e vê até mesmo aqui na clínica, pacientes graves indo para hospitais. Então foi um tempo de muito medo para mim." (ACS Mayara)
O medo do agravamento, e um sentimento de impotência estiveram associados à decisão de alguns de se automedicar com hidroxicloroquina, azitromicina e nitazoxanita (Annita®), o conhecido “Kit Covid”. A incerteza, pelo desconhecimento da doença e pela evolução rápida observada em casos que agravaram, levou a momentos de muita angústia.
“Eu moro do lado, assim, da UPA, praticamente, de uma UPA, e aí eu falava, qualquer coisa eu vou pra UPA. Eu vi uma noite que eu quase fui sozinha, sem chamar meu pai nem minha mãe, pra poder eles não se contaminarem, porque, tipo, os hospitais estavam virando um... Aí eu falei, vou sozinha, porque dá pra ir andando, eu não vou passar mal, mas teve uma madrugada que eu quase fui, que eu acho que eu tava no quarto dia, ou quinto dia de sintoma, e eu tava bem mal mesmo. E aí que você fica, e aí o medo que a gente fica, eu não vou, não vou, porque todo mundo que ia tava intubando, tava morrendo. E aí é isso, esse sentimento do que que eu faço, se eu for e se me entubarem sem necessidade, porque os médicos também estão desesperados, os profissionais também não sabiam direito como atender, o que fazer, se era melhor entubar, se não era melhor entubar. Enfim, todas essas coisas, mas aí como a minha saturação não caía, eu fiquei em casa me monitorando sozinha.” (ENF Luciana)
A presença de um colega médico ou enfermeiro em contato telefônico diário foi reconhecida como um suporte muito importante. A presença de familiares, que não raro preparavam a alimentação e a deixavam na porta, foi também um suporte presente nas narrativas.
"A que mais manteve contato comigo foi a minha enfermeira da equipe. Todos os dias ela mandava mensagem. Porque também ela já sabia que eu estava com crise de ansiedade. Porque, no início, eu conversei com ela, mas assim médico mesmo… Porque o médico que eu mais converso também estava afastado por COVID" (ACS Rebeka)
Em 2020, o receio de contaminar a família era tão intenso, que fez profissionais ficarem temporariamente morando separados dos seus cônjuges, além de não visitarem seus familiares, especialmente pessoas idosas, como de hábito. Mas houve também quem permaneceu morando juntos e, não raro, o casal adoeceu simultaneamente. Houve quem precisou visitar familiares idosos. E houve quem não conseguiu fazer isolamento doméstico pelas condições de moradia.
“Eu tenho minha mãe que tem idade, e eu sou de uma certa forma, uma cuidadora direta dela, tenho um amor muito grande, muita preocupação pela minha mãe, então mantive, confesso as minhas visitas, estando ali com ela. Então me preocupou “puxa, será que no dia tal para ver minha mãe será que eu posso ter prejudicado?” Ela é diabética, ela tem uma certa idade assim, mas felizmente nada aconteceu com ninguém da minha família, graças a Deus.” (ENF Tayná)
"Como eu estava trabalhando na questão, em meio a casos positivos, eu ficava insegura de passar para os meus avós, para o meu tio, que é um idoso, que é paciente com deficiência. Eu tinha muito medo, mas foi o contrário nessa primeira vez. No caso, o meu avô pegou primeiro e depois, pouco a pouco, eu fui a última de casa. Foi muito diferente, apesar de todo o cuidado. [...] Em casa foi bem difícil, porque a gente tem um quarto dentro do outro, então não tinha como ficar isolada. E como eu fui a última, meio que eu ficava mais afastada, a gente ficava de máscara, mas não teve mesmo como se isolar." (ACS Thais)
Os profissionais que adoeceram nos anos subsequentes, quando já estavam vacinados, não relataram sentimentos de medo e impotência tão intensos nem escolheram fazer qualquer tratamento além da medicação sintomática. O medo maior era de contaminar familiares, em especial filhos pequenos e idosos.
"Nos momentos em que eu soube, sabidamente que eu estava com COVID, o processo de vacinação já tinha iniciado, então aquele medo inicial e aquela apreensão e insegurança do que era o COVID em si, o que ele causaria no meu corpo, o que poderia acontecer, como meu organismo poderia reagir de alguma maneira, esse medo inicial, ele foi atenuado um pouco pelo fato de eu saber que eu já estava vacinada. [...] felizmente sintomas de leves a moderados e fiquei isolada. E, depois, permaneci sem olfato e sem paladar por uns três meses. E depois voltou ao normal. Essa segunda vez também eu fiquei da mesma forma: tive sintomas de leves a moderados, mas também sem sintoma grave. Dessa vez estava no Rio, então foi mais fácil o isolamento, porque eu não estava com a minha família.” (MFC Amanda Barbosa)
“E aí, minha maior preocupação ali foi a minha filha. Flora, na época, tinha um ano, sem vacina. Nada assim, eu só pensava: ai, Deus, Flora. Adulto, a gente dava um jeito, mas Flora, graças a Deus, também só teve uma febre um dia, dois, e ficou tudo bem.” (MFC Clara Antunes)
“Tosse, coriza e febre, praticamente. Fiquei afastado do trabalho por 10 dias quando esses sintomas ficaram mais fortes, e mesmo depois do afastamento desse período mais agudo, eu ainda tive coriza e tosse por mais uns 10 dias, então um total de 20 dias. Tratei só com medicação para sintomático. Praticamente só dipirona foi o que fiz, repouso, alimentação e hidratação. Já tinha feito… já tinha feito no caso as três doses. E aí eu fiquei muito preocupado só com a minha esposa que mora comigo e ela não tinha tomado o reforço ainda, foi a minha preocupação mais pessoal, mas ela passou bem. [...] Evitei os contatos com a minha irmã que mora próximo e com a minha mãe que mora em outro estado, eu não fui vê-la, não tive contato. Essa foi a maior preocupação, com meu círculo familiar." (ENF Leônidas)
Profissionais que tiveram Covid mais de uma vez, duas ou três vezes, relatam também como a primeira experiência, no início da pandemia, foi a mais angustiante.
“Esse ano [2023] foi o único ano que eu ainda não peguei. Desde que teve Covid, eu peguei uma vez a cada ano. [...] A preocupação mesmo foi da primeira vez que eu passei pela infecção, a terceira vez foi também mais leve. Estava mais tranquilo. Era mais dor de cabeça e tosse. [...] Na segunda vez, eu não estava com tosse nem nada. O sintoma mais forte era uma dor de cabeça, uma dor de cabeça muito forte. Aí fui fazer o teste e deu positivo. [...] Na primeira vez foi a vez que me deu mais febre. Na segunda não lembro muito bem de febre. Na terceira não, muito não. Foi a primeira vez que me deu mais febre. E não conseguia nem ficar em pé direito porque sentia muita fraqueza, muita tontura.” (ENF Bruna Campos)