Desconfiança das vacinas

Temas: APS

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Houve inúmeros momentos relatados pelos profissionais que foram interpretados como sentimento de desconfiança das vacinas pela população. Repercussões e exposições em redes sociais com disseminação exponencial determinaram que o processo de imunização fosse descrito de forma minuciosa em cada etapa. Foi observada uma mudança de postura de parcela da população que para receber o imunizante faziam questão de registro imediato da aplicação e da presença de testemunhas. Segundo os profissionais de saúde da APS carioca isso trouxe impacto no tempo gasto para o procedimento. Os pacientes frequentemente queriam verificar cada etapa do procedimento de vacinação, desde a abertura do frasco até a administração da dose. Os profissionais de saúde tiveram que responder repetidamente às mesmas perguntas, causando desgaste e estresse. Essa desconfiança, alimentada pela mídia, prolongava o tempo de vacinação e exigia paciência dos profissionais de saúde.

A organização por idade e prioridades, apesar de necessária, gerou momentos de tensão e conflitos também nos pontos de vacinação.

Ao passar dos dias, pelo fato de muita gente se vacinar, de ter feito essa organização por idade, pelas prioridades, eu sentia momentos de tensão e de conflitos que também aconteciam ali. Até porque muitas dúvidas, muitas perguntas, muitos questionamentos. Olhar atento. [...] Mas os profissionais ficavam até tensos, eu acho, na hora de acertar a vacina, porque você tinha que falar tudo com muita cautela e era aquela mesma fala que repetia por muitas vezes, eram muitas doses aplicadas (MFC Amanda Barbosa).

O procedimento da vacinação ele é todo realizado na frente do paciente. Desde a abertura da seringa até abertura do frasco, até deixar o frasco ali em frente e aí, assim que a vacina é aspirada na quantidade certa, ou 0,3 da PFIZER ou 0,5 da ASTRAZENECA, isso é mostrado para o paciente antes da aplicação. Então isso não tem gerado tanta dúvida, mas a gente vê pessoas com desconfiança. Pessoas que fazem questão de filmar, pessoas que querem ficar tirando foto, um paciente que venha com 3 ou 4 pessoas para 3 ou 4 fazerem filmagem em ângulos diferentes para ver se não tem nada, que a gente vai roubar. Se não vai trocar por uma seringa vazia enfim, acontece muito. E aí tem pacientes que querem levar o frasco, que quer levar a seringa vazia, porque acha que vai aproveitar a seringa. Então, tem de tudo (ENF Caroline Teixeira).

Uma enfermeira da AP 2.2 descreve o desgaste causado pela desconfiança dos pacientes. As redes sociais desempenharam um papel significativo em amplificar as dúvidas sobre os imunizantes levando a necessidade de maior rigor na vacinação. Os usuários costumavam filmar o procedimento, questionar a autenticidade das doses e verificar de forma minuciosa os detalhes (incluindo os rótulos dos frascos). Os dias nas salas de vacina eram desafiadores a todos.

E, outra coisa que acaba sendo um desgaste em relação a vacinação é o que acabou acontecendo, assim, nas redes sociais, em alguns locais de pessoas que não se vacinaram. Então, assim, a gente tá o tempo todo sendo filmado, em cada vacina que a gente faz. E de ter aquela rigorosidade, de mostrar tudo, de escutar a pessoa falando que não tá vendo o líquido, que não sabe se você fez, mesmo ela tendo filmado, mesmo tendo acompanhado o procedimento. Então, a gente tem passado por muito disso, de pessoas que estão ali, mas estão às vezes desacreditadas que aquilo vai acontecer. Então, as pessoas querem pegar no frasco e não pode pegar no frasco, porque o frasco tem mais de uma dose. Querem pegar a agulha, querem levar agulha para casa, seringa usada. Enfim, o pessoal tem várias atitudes. Do mesmo jeito que tem pessoas que vem tranquilo, vacinam e vão embora. Mas a gente tem uma população que tá desconfiada, com razão também, mas elas acabam demandando muito de quem está ali (ENF Caroline Teixeira).

Acho que a maioria tem essa relação de desconfiança mesmo que seja mínima, mas eu acho que isso aconteceu muito pelas coisas que apareceram na mídia, na internet então isso gerou uma desconfiança muito grande da população. Então, as pessoas querem de fato acompanhar todo o procedimento. Certificar, elas querem ler o que tá escrito no frasco que é COVID, elas querem ver o laboratório, elas querem conferir lote. Então acho que isso tudo acaba sendo desconfiança de que em algum momento. Eu já participo de campanhas há mais ou menos quatro anos e nunca foi assim. Nunca teve de querer conferir validade. De achar que em algum momento a gente tá fazendo uma vacina que tá fora da validade, sendo que a vacina acaba antes mesmo de vencer. Nem dá tempo. Mas as pessoas querem conferir, a gente respeita, mostra. Mas acaba sendo um procedimento desgastante. A gente demora um tempo muito maior do que o habitual para fazer uma vacina, por isso (ENF Caroline Teixeira).

A fala do Presidente da República publicada nacionalmente sobre "virar jacaré" referindo-se aos termos do contrato da vacina Pfizer induiziu a muitos para que não recebessem o imunizante, afetou a confiança na Coronavac. Embora a maioria das pessoas aceitasse a vacina, uma parcela significativa estava cética, influenciada por declarações públicas e desinformação, o que aumentava a dificuldade dos profissionais de saúde. Por outro lado, eventos traumáticos, como a perda de familiares, influenciaram a percepção e aceitação da vacinação. Muitos pacientes se emocionavam ao se vacinar, lembrando de entes queridos que não tiveram a chance de se imunizar.

A maioria que a gente atende tá confiante assim. Mas vem pessoas desacreditadas com a vacina até pelo… No início, muito mais, com a Coronavac. Tinham muitas pessoas que tinham a fala do Presidente de "virar jacaré". Então a gente tinha muito isso de pessoas que tavam ali: “Ah eu vim tomar, mas não vai resolver”. Mas eu acredito que 80% da população, a gente pega muitas pessoas que se emocionam, que no momento da vacina lembra um familiar que perdeu, porque não deu tempo de tomar vacina (ENF Caroline Teixeira).

Uma ACS da AP 2.2 observou que, apesar da ampla disponibilidade de informações sobre a vacinação, mitos e inverdades levaram algumas pessoas a recusar a vacina. A crença de que a vacina poderia ser fatal era alarmante, exigindo esforços contínuos para combater a desinformação.

A questão de recusa, de falar que não iria tomar, que poderia matar, então isso chamou bastante a atenção, mesmo com tanto conhecimento, com tanta informação que a gente tem hoje sobre a vacinação, essas coisas eram alarmantes (ACS Thais Almeida).

Uma ACS da AP 3.3 relatou que afiliações políticas também afetaram a dinâmica nas filas de vacinação. Pessoas usando camisetas de partidos opostos discutiam sobre a vacinação, com algumas relutantes em tomar a vacina devido às suas crenças políticas. A introdução da Janssen como uma dose única também gerou discussões e preferências específicas. Outro ponto narrado pela mesma ACS foi de que as preferências dos pacientes mudavam conforme surgiam novas vacinas e boatos. Inicialmente, a Coronavac era bem aceita, mas boatos sobre a AstraZeneca causarem trombose fizeram com que muitos pacientes mudassem para a Coronavac novamente, criando um ciclo de preferências e recusas.

No início, as pessoas começaram a tomar a CoronaVac, começaram a tomar ela de boa, até porque foi a primeira a ser lançada, ela já estava um pouco mais à frente das outras. Logo, em seguida, começaram a falar da Jansen. Começaram a falar dela, que ela era a dose dupla e ela era melhor, porque quem tomasse aquilo ali estava com a imunidade bem em cima e aí já tinha essa questão que você também poderia escolher entre uma e outra que você queria tomar e aí algumas pessoas chegavam aqui com a blusa, de candidatos, de candidatos que eram partidos opostos, um que era a favor da vacina e o outro que era contra. E eles arrumavam burburinhos mesmo na fila, falando da vacina, falando da imunização, uns que vinham completamente contrariados, só vinham porque os filhos traziam, porque eles mesmo não queriam tomar a vacina. Eles eram completamente contra a vacina (ACS Daiane).

As pessoas ficavam, sim, bem arredias mesmo. Umas só queriam um tipo de vacina, outras queriam só a outra. E aí, logo depois, apareceu uma terceira em que as pessoas também ficaram, acabaram deixando a CoronaVac de lado e foram procurando outras vacinas. E aí foram surgindo outras. E aí depois começou a surgir boatos de que algumas vacinas causavam trombose e as pessoas começaram a ficar muito apreensivas em questão disso, e aí voltaram a procurar a CoronaVac, então ficou bem nesse jogo mesmo de cada um chegava e era aquela briga (ACS Daiane).

A desconfiança das vacinas foi notada também entre as pessoas que não completaram o esquema vacinal com as doses e intervalos recomendados pelo Ministério da Saúde. Muitas pessoas atrasaram a tomada das doses subsequentes devido a eventos traumáticos, como a morte de familiares. Mesmo em maio de 2023, havia indivíduos retornando para tomar a segunda ou terceira dose segundo relato de uma ACS da AP 2.1.

A gente percebeu também, de pessoas que só tinham tomado uma dose da vacina, voltava lá, depois, enfim, já  era para ter tomado a quarta, só tinha uma vacina e ficou receoso com algum familiar próximo que faleceu, entendeu? Então, assim, até hoje, até hoje [MAIO 2023], tem gente indo tomar a segunda, terceira dose (ACS Letícia).

Outro ponto de desconfiança é sobre a sua eficácia em proteção quanto a novas infecções pela covid-19, até mesmo, por profissionais de saúde. Uma enfermeirda da AP 2.2 relatou que a experiência de contrair covid-19 mesmo após a vacinação gerava dúvidas e receios entre os pacientes. O medo de adoecer novamente, especialmente em ambientes públicos, levou muitos a hesitar em completar o esquema vacinal. A desconfiança esteve presente entre os profissionais de saúde também. Uma enfermeira da AP 2.1, descreveu seu receio inicial em tomar a vacina devido ao curto período de desenvolvimento. Embora tivesse confiança na Coronavac, ela inicialmente hesitou, mas acabou recebendo a dose AstraZeneca após ganhar coragem.

Justamente porque tenho experiencia de pessoas que já fizeram as duas doses e tiveram COVID depois. Acaba gerando uma certa dúvida, mas assim, mais um sentido também de tá no local que é publico, atender muitas pessoas e poder tá doente, tá ali e contaminando as outras pessoas. E aí eu confesso que eu tenho esse medo de poder pegar de novo, até porque a gente atende muita gente (ENF Caroline Teixeira).

No primeiro dia que eu fui, dia 20, eu não fui vacinada. Porque eu estava com um pouco de receio da vacina. Porque, apesar de ser da área de saúde e tudo, a vacina que tinha sido com menos tempo de estudo, era uma vacina com quatro anos de pesquisa. E essa foi feita com pouco menos de um ano. Então, não me dava tanta segurança para vacinar, tomar. E aí, foi a Coronavac, aí era a vacina mais segura, mas com menos eficácia. Eu não tomei essa. Aí eu tomei uma semana depois, a vacina que eu tomei. Aí eu tomei mais coragem, aí eu tomei a vacina [AstraZeneca] (ENF Bruna Campos).