Ondas do COVID

Temas: APS

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Uma das formas de análise da pandemia no Brasil é através da contabilização do  número de casos e óbitos por Covid-19 no país, cuja evolução temporal é marcada por três ondas. As ondas evidenciaram os momentos de maior propagação da doença e ocorreram de forma desigual entre as diferentes regiões do país. No Rio de Janeiro, cada onda apresentou características próprias dentro dos processos de trabalho das unidades da APS, como ilustrado nas narrativas a seguir.

Um dos marcos do atendimento durante as ondas de Covid-19 foi o destacamento de profissionais para atendimento exclusivo de sintomáticos respiratórios e/ou suspeitas de síndrome gripal, independente da testagem, com objetivo de reduzir a circulação de potenciais indivíduos contaminados. Tal dinâmica impactou nos processos de trabalho das unidades básicas de saúde, contribuindo para uma carga de trabalho exaustiva durante a pandemia. Apesar de orientações gerais das notas técnicas, cada unidade precisou se adaptar conforme a realidade local de espaço físico e recursos humanos. Com o avançar da campanha de vacinação, foi possível expressar otimismo em relação ao fim da manutenção de um setor exclusivo para o atendimento de síndrome gripal, o que colaborou para um ambiente de trabalho mais estável e menos estressante. Os profissionais entrevistados em 2021 tinham expectativas quanto a redução significativa no número de internações e óbitos e alguns sugeriram que a Covid-19 poderia se tornar uma virose respiratória sazonal, similar à gripe comum, que atinge sua maior incidência nos meses de inverno, sendo o atendimento é feito pelas próprias equipes.

"Acho que para os próximos meses, se a gente conseguir uma cobertura vacinal boa, eu tenho uma... eu tenho esperança de que a gente consiga ter um número reduzido de internações e de óbitos. Mais do que isso, talvez o COVID comece a fazer parte, vire mais uma virose respiratória da época do inverno. E eu não acho que a gente vai precisar por exemplo destacar um setor só para atendimento de sintomático respiratório. Eu acho que esse tipo de coisa vai acabar voltando para as equipes, como era sintomático respiratório antes da pandemia. Só você não precisar destacar uma pessoa para ficar em função de atendimento COVID da Unidade, eu acho que isso já melhora nossa perspectiva enquanto atendimento dentro da Unidade. Vai ter um momento que a gente não vai precisar" (MFC Átila).

 

Uma ACS descreve o período mais crítico da pandemia como um tempo de intensa demanda e escassez de recursos essenciais. Ela relembra que a procura por testes de Covid-19 e por internações hospitalares foi extremamente alta, refletindo a gravidade da situação. Destaca também que um dos aspectos mais alarmantes foi a crise de fornecimento de oxigênio, que se tornou um símbolo da incapacidade dos sistemas de saúde em lidar com a alta demanda de pacientes graves. A falta de oxigênio não só aumentou o número de mortes, mas também gerou um sentimento de desespero tanto entre os profissionais de saúde quanto na população em geral.

"A questão que mais me chamou a atenção foi a questão da procura mesmo e de tantas mortes. [...] outra coisa que me chamou a atenção era a procura por teste, mas também por internação, eu acho que foi gritante a procura por internação, nos noticiários a gente só via sobre isso, e a gente via a questão da falta de oxigênio, tudo isso me chamou muita atenção, acho que nada foi tão gritante como a falta do oxigênio" (ACS Thais Almeida).

 

Uma enfermeira compartilha uma experiência particularmente impactante, que foi a preparação para lidar com possíveis óbitos na APS. Essa preparação incluiu a recepção de sacos para preparo de corpos, caso ocorressem mortes na unidade ou no domicílio dos pacientes. A presença desses sacos para corpos nas unidades de saúde simbolizou a proximidade da morte de uma maneira muito concreta e tangível, algo que muitos profissionais da APS não estavam acostumados a enfrentar. Trouxe a realidade da pandemia para um ambiente que tradicionalmente não está associado à morte, como as clínicas da família. Na APS, o foco geralmente está na prevenção e no cuidado longitudinal, e não no manejo de óbitos. Essa preparação para o pior cenário possível evidenciou a gravidade da pandemia e a necessidade de estar pronto para todas as situações, por mais difíceis que fossem.

"Uma vez que me deixou assim bastante impressionada foi quando houve até a orientação de preparo do corpo, se ocorresse óbito na APS, ali na unidade básica. E aí, aquilo ali, sentindo a morte tão próxima num lugar que não é comum encontrar... na atenção primária, num posto de saúde, na Clínica da Família. Isso porque a gente recebeu o saco mesmo para preparo do corpo e se ocorresse o óbito no domicílio" (ENF Tayná).

 

"O ano que eu mais trabalhei foi 2021, não foi 2020. Porque 2020 ainda tinham as restrições, então muita coisa a gente deixou de fazer. Mas 2021, nossa! 2021 deu muito trabalho. Muito trabalho" (ENF Débora).

 

Em contraste a 2020, progressivamente, 2021, mas marcadamente 2022 trouxe um cenário diferente, marcado pelo avanço da vacinação e uma melhor compreensão do vírus. Com a vacinação em massa, as pessoas começaram a se sentir mais seguras e protegidas. A vacina não apenas reduziu a gravidade dos sintomas, mas também diminuiu a ansiedade generalizada. Uma enfermeira da AP 2.2 destaca que a população começou a buscar atendimento mais prontamente, muitas vezes por precaução ao menor sinal de sintomas, como uma simples coriza.

"2020 era tudo desconhecido, então as pessoas muitas vezes, embora elas procurassem o serviço de saúde, elas tinham medo. Eu não conheço a doença, não sei se tem tratamento para aquilo, e a gente tava com índice de mortalidade lá em cima, uma taxa de mortalidade lá em cima. Então, isso também assustava, eu acho que as pessoas quando procuravam, a sua maioria, ou elas realmente estavam preocupadas com os sintomas que elas estavam, ou elas tinham uma preocupação também com os familiares, que tinham ali ao seu lado. Aquilo era tudo muito desconhecido. Então acho que realmente as pessoas, elas pensavam mil vezes antes de ir. Em 2022, a gente já tinha vacina, a gente já tinha conhecimento de como que era a doença, de como que era transmitida, as formas de prevenção… Então, assim, eu acho que a vacina ela também deu um “ah, eu tô, tô com sintomas. Só quero realmente ir lá testar para ver se eu tô, se eu não tenho risco de transmitir para mais ninguém”, mas não… eu acho que tirou um pouco do medo das pessoas, “eu tô vacinada, então de certa forma, eu tô protegido”. Acho que as pessoas deixaram a preocupação e o medo de lado. Eu acho que essa que foi a grande diferença: no início, a gente tinha um mundo desconhecido que a gente não sabia ao certo de nada. E, depois, a gente conheceu esse mundo que a gente começou a ter uma prevenção, dos sintomas mesmo. Então, as pessoas começaram a ter menos medo e aí começaram a procurar mais. Qualquer coisinha era um motivo, "tô com coriza", já era motivo da pessoa ir lá" (ENF Bruna Saldanha).