Atenção: todos os videos deste WebSite possuem legendas. Para ativá-las, clique no ícone na barra inferior do video.
A APS enfrentou uma carga de trabalho imensa, exacerbada por sucessivas ondas de Covid-19 e o surgimento de novas variantes. A terceira onda da pandemia Covid-19 foi descrita temporalmente como o período compreendido entre os meses de dezembro de 2021 a março de 2022, tendo seu pico em janeiro de 2022. Foi marcada pela presença da variante denominada Ômicron e foi a que apresentou a curva mais elevada de número de casos, porém representou o menor número de internações e óbitos, refletindo a efetividade da vacinação contra Covid-19. Dessa forma, foi notado que a maior parte dos casos foi notificada e atendida pelas unidades da APS significando intensa sobrecarga dos serviços.
Uma médica da AP 4.0 descreve que os profissionais de saúde se sentiram "afogados" pela demanda excessiva. O volume de pacientes aumentou drasticamente, e a responsabilidade pela triagem, testagem, e cuidados recaiu principalmente sobre a APS. A necessidade de resiliência era constante, e a sensação de estar sempre um passo atrás, com mais responsabilidades se acumulando, fez com que os profissionais sentissem um peso esmagador em suas funções.
"Atender o paciente com você fazendo teste, sabendo o que é Covid, as pessoas vacinadas. Eu lembro na época da influenza, a gente testava as pessoas e os testes todos vindo negativos e as pessoas com sintomas muito parecidos" (MFC Clara Antunes).
"Foi um momento de exaustão extrema, porque a gente já tinha passado por meses vivenciando essa dinâmica, e a gente já tava afogado no meio de tanta demanda e parece que vem mais um caminhão de água por cima da gente, nos afogando ainda mais. A atenção primária é um repositório de tudo, então é complicado, porque tudo recai sobre nós de alguma forma e o modo como os profissionais da atenção primária tiveram que ser resistentes e resilientes em janeiro, acho que só quem vivenciou que sentiu de fato a sobrecarga mesmo" (MFC Amanda Barbosa).
"Eu lembro, foi logo depois do Réveillon, se eu não me engano, que foi aquela chuva, era muita gente, era muita gente positivo, foi aquele, aquele surto. Eram filas e filas, mas não tinha tanta gravidade. Foram sintomas, pelo menos assim, na minha Unidade, mas foi assim, foi muita gente, muita gente mesmo, de filas, assim, quilométricas, mas assim, que não teve tanta gravidade" (ACS Letícia).
A testagem em massa tornou-se uma prática essencial durante os picos da pandemia, especialmente com a disseminação rápida de variantes como a Ômicron. Isso transformou as CF ou CMS em centros de triagem crítica e apoio integral, onde os profissionais de saúde não apenas administravam testes e vacinas, mas também faziam o acolhimento dos usuários. A logística de manejar grandes volumes de pessoas, garantir que todos fossem atendidos com eficácia, e assegurar que os dados fossem processados corretamente foi um desafio diário que exigiu uma coordenação e organização excepcionais dos profissionais.
"A gente tinha dias de fazer duzentos e poucas testagens, trezentas. [...] A gente tinha famílias que chegavam aqui e todos eles testavam positivos. Então a gente chegou a ter cinquenta, 50, 60, 70 pessoas positivas. Então, assim, foi um número muito grande de atendimentos. A gente teve atendimento de pacientes que saíram de vaga zero, chegaram, testaram positivo, e eles estavam muito debilitados mesmo. E a gente foi uma porta aqui de grande importância para eles nesse acolhimento, não só da vacina, mas na testagem também" (ACS Daiane)
As unidades de saúde tiveram que se adaptar rapidamente às novas demandas impostas pela pandemia. Uma enfermeira da AP 2.2 narra como a estrutura da sua unidade foi completamente reconfigurada para lidar com o aumento na testagem e atendimento de pacientes com Covid-19. Consultórios foram transformados em centros de testagem, salas destinadas a outras funções foram redirecionadas para atendimento de casos não-Covid-19, e os fluxos de trabalho foram alterados para maximizar a eficiência na triagem e tratamento. Essa flexibilidade estrutural foi imposta pela necessidade de responder ao volume crescente de casos. A capacidade de transformar espaços rapidamente e redirecionar recursos humanos e materiais foi crucial para manter a funcionalidade das unidades de saúde. Entretanto, essa reconfiguração contínua também contribuiu para o cansaço dos profissionais, que tiveram que lidar com um ambiente de trabalho em constante mudança, além da pressão emocional e física imposta pelo volume de atendimentos.
"Fomos nos adaptando no decorrer do caminho, tivemos altos e baixos e, em 2021, nós tivemos de novo um pico com a Ômicron. E aí eu acho que foi até pior do que no início mesmo de 2020, porque 2020 conseguia controlar tudo numa sala. Ficava cheio? Ficava. Teve época que a gente atingiu quase 200 atendimentos no dia, mas com a Ômicron passava disso, de atendimento por dia, então, tivemos que inverter todos os setores. O que era consultório virou testagem de Covid e o que era ultrassom, que era sala de endemias, que era de reunião, de administração virava consultório. Então, eu acho que com a Ômicron foi assim maior e foi o momento que a gente também teve mais profissionais afastados, então era um desgaste muito grande dos profissionais que estavam ali" (ENF Bruna Saldanha).
Não apenas a infraestrutura das unidades de saúde foi afetada, mas também houve um impacto profundo nas equipes de profissionais por conta do afastamento de muitos profissionais devido à alta transmissibilidade da variante Ômicron. Consequência disso foi a sobrecarga daqueles que permaneceram em serviço. Com equipes reduzidas, a carga de trabalho aumentou exponencialmente, levando a um desgaste extremo entre os que permaneciam. A frustração era agravada pela percepção de retrocesso, apesar dos esforços contínuos e das adaptações realizadas. Além disso, o impacto emocional de ver colegas adoecerem e a necessidade de preencher essas lacunas enquanto lidavam com um número crescente de casos novos contribuiu para um esgotamento psicológico e físico significativo. A pandemia testou os limites da resiliência das equipes de saúde, exigindo uma capacidade extraordinária de adaptação e perseverança.
"Em 2020, a gente não tinha a questão da vacina. A gente tinha um número que dava para suportar dois profissionais atendendo. Demorava o atendimento, às vezes até demorava, mas na época da Ômicron, em 2022, que a gente tinha pessoas até já com reforço da vacinação, nós tivemos um número muito grande de casos novos e de positivos. Então, assim, foi meio que assustador nesse sentido: cara, tem que mudar todo o fluxo de novo e eu acho que tava todo mundo já cansado, dois anos na mesma coisa, aí a gente falando a mesma coisa, e parecia que não tinha uma conscientização da população, o que leva mais ainda ao desgaste dos profissionais que estão ali. Então, a gente se via assim: era um passo para frente e dois para trás e quando a gente inverteu era isso, nós tínhamos oito consultórios que viraram oito pontos de coleta de Covid, e a gente mesmo tendo oito profissionais, dezesseis, porque a gente ficava em dupla na maioria das vezes, tinha dias que como o pico era muito grande, a gente tinha gente esperando três horas mais ou menos para poder fazer o teste. E a gente teve mais uma vez que bloquear essa continuidade do cuidado, que a gente tem muito presente na Estratégia, bloquear novamente os atendimentos, restringir, realmente saber o que que é prioridade e o que não é naquele momento. Enfim, foi basicamente isso, mas eu acho que o início ele deu mais medo. Porque a gente desconhecia, mas a Ômicron acho que ela trouxe um desgaste muito maior. Os profissionais, como o potencial de contaminação era maior, acabava que os poucos que ficavam, acabavam sobrecarregados com o trabalho que era para ser dividido para muitos" (ENF Bruna Saldanha).
O dilema de continuar com cuidados regulares versus priorizar a resposta à Covid-19 criou um cenário onde a continuidade do cuidado foi comprometida, necessitando de decisões difíceis sobre o que deveria ser considerado prioritário. Essa situação exigiu um equilíbrio delicado entre responder à crise imediata e manter o suporte para outras condições de saúde, refletindo a complexidade e o desafio contínuo enfrentado pelos profissionais na linha de frente.