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No início da pandemia Covid-19, havia ainda incerteza a respeito das formas exatas de contágio do SARS-Cov-2, porém já se tinha o conhecimento que era um vírus de disseminação principalmente respiratória (9). Dessa forma, havia a necessidade de utilização dos equipamentos de proteção individual (EPI) pelos profissionais de saúde. Contudo, nas primeiras semanas, após a identificação dos primeiros casos de COVID-19 no Rio de Janeiro, ocorreu falta de EPI e muitas dúvidas sobre a quais grupos profissionais deveriam ser destinados este material em algumas áreas programáticas. Uma ACS da 4.0 narra que os profissionais inicialmente não tinham autorização para usar EPIs, e até eram instruídos a remover máscaras compradas por conta própria, resultando em situações nas quais trabalharam desprotegidos.
"A gente não tinha acesso a EPIs. Tanto é que no dia que recebi a máscara, foi no dia em que eu passei mal, que eu estava afastada do trabalho. Então assim… é muito difícil. [...] Até esse dia que eu fui contaminada, eu tava trabalhando sem nada, porque assim: uns falavam que não precisava. Chegou ao ponto que a menina que trabalhava na minha equipe, ela botou a máscara, e pediram para ela tirar. Então, a gente, até o momento, a gente não era autorizado a usar os EPIs. Pessoas que compraram e trouxeram, pediram para tirar a máscara. [...] Nossa rotina estava normal. Até o momento que viram que o negócio estava ficando pior foi que começaram a dar máscara descartável. Mas o face shield veio dar quase recente para gente, porque o pessoal da associação de moradores começou a reciclar, a fazer. As pessoas começaram a ficar com depressão, muitas pessoas. A minha amiga, que trabalhava comigo na minha equipe, pediu demissão, porque não estava aguentando. Porque ela chegou ao ponto de ela vir de máscara e mandaram ela tirar a máscara. Ela pediu demissão, porque ela tinha medo de contaminar a bebezinha dela" (ACS Rebeka).
O fornecimento de máscaras descartáveis foi iniciado apenas quando a gravidade da situação se tornou evidente. A realidade era que máscaras e outros EPIs de qualidade duvidosa eram distribuídos, e eles não ofereciam proteção adequada, levando os profissionais a improvisarem e, em muitos casos, comprarem seus próprios equipamentos. Tanto MFC quanto ACS precisaram arcar com a compra de seus próprios EPIs e materiais devido à insuficiência e à qualidade inadequada do que era fornecido. A situação era crítica: a escassez inicial de EPIs levou a um racionamento extremo, com máscaras N95 sendo usadas por períodos muito superiores ao recomendado.
"No início tinha. No início, vinha ... toda máscara fajuta que a gente recebia, a gente colava na parede. Porque de início a gente tinha uma dificuldade muito grande com EPI, eu lembro que a gente recebia máscara, mas a orientação que só a equipe técnica usaria máscara. Então, aquela galera, segurança da unidade, auxiliar de serviços gerais não podia usar máscara. E aí eu lembro de uma situação que eu estava no “posso ajudar” e o segurança veio e me pediu uma máscara. E aí eu falei: ‘eu só posso liberar para a equipe técnica’, aí ele falou ‘tudo bem’. Daí ele pegou uma máscara velha do bolso dele, colocou álcool e pôs na cara. Então, de início a gente tinha uma dificuldade com suprimento, depois eles foram orientando o uso por todo mundo, mas aí começou a vir umas máscaras de qualidade bem ruim, só de TNT... tinha um raio de uma máscara que eles chamavam de tartaruga que vinha numa caixa que não tinha selo do Inmetro. Uma coisa muito estranha. Por volta do meio do ano passado [2020], que a gente começou a receber insumo numa quantidade boa, aí não precisou fazer racionamento nem nada disso" (MFC Átila).
Apesar das medidas de higienização e os esforços para minimizar os riscos, a sensação constante de insegurança prevaleceu. Os relatos também destacam que, mesmo após a primeira onda de escassez, os materiais recebidos alternavam entre bons e ruins, o que causava frustração e colocava os profissionais em risco contínuo de contaminação.
Essas adversidades contribuíram para um ambiente de trabalho altamente estressante, afetando a moral e a segurança dos trabalhadores de saúde. Mesmo com o aumento no fornecimento de EPIs em fases posteriores, a qualidade inconsistente continuou a ser um problema.
"A gente pensando em estratégias de contenção, plano de ação na Unidade, como vai ser feito o atendimento para diminuir as chances de contaminação, o fato de não ter EPI adequado para os profissionais, tantos de atendimento direto, enfermeiro, médico, técnico, quanto dos próprios agentes comunitários, seguranças, faxineiros e tudo mais. E a gente sempre ali tentando encontrar uma forma de redução de danos. A gente não tinha o EPI, mas juntamos os profissionais, vamos comprar aqui essas capas para tentar nos proteger. E a gente ia dando esse jeitinho. Posso dizer que para mim funcionou, tanto que eu só fui adoecer agora, dois anos depois. Mas sempre com muita atenção em relação à nossa higienização, aos nossos cuidados. Já que não tinha o EPI, a gente tinha que ter atenção ao cuidado individual" (MFC Clara Antunes).
"Os agentes comunitários, principalmente, foram os que mais se contaminaram. [...] mas mesmo assim eles davam uma máscara para a gente passar o dia todo. Uma máscara descartável. A gente que tem que se virar, comprar máscara e tal. Essa máscara aqui eu peguei de manhã para passar o dia todo com a máscara. Aí a gente se vira para comprar, dá o nosso jeito" (ACS Rebeka).
"Acho que na saúde como um todo, os insumos são bem escassos. Chegou uma época que a gente não tinha nem papel direito, nem copo, quanto mais máscara. Não vou dizer que faltou, mas era contado. Uma máscara N94 [95], que seria indicado para gente usar [profissional da saúde], você tem que usar, se não me engano, por doze horas. A gente usava por quinze dias. Não tinha como não se contaminar" (ACS Mayara).
"Em abril/maio, eles começaram a dar a N95 por quinze dias. Depois, nem isso a gente tinha mais. Depois a gente tinha que usar máscara descartável, que tinha que ser trocada, se não me engano, de duas a quatro horas, e a gente ficava o dia inteiro. [...] Porque não tinha mesmo. Não mandavam pra gente. As máscaras que a gente tinha, não tinha por causa da pandemia, mas era porque já tinha por ser Unidade de saúde. Hoje, as N95 são para os médicos, enfermeiros e técnicos que ficam na área do COVID ou a pessoa que compra mesmo. [...] a gente tava aqui… para promover saúde e a gente tava adoecendo porque a gente não tinha nem o básico. Como que a gente vai se proteger? Como a gente vai cuidar das pessoas? Sendo que a gente não tem os equipamentos de proteção. No começo de abril/maio foi um atrás do outro. Chegou um tempo que a gente tinha quinze profissionais afastados, vinte profissionais. Toda hora um voltava de licença e outro ficava doente. Todo mundo. [...] Mesmo sem o EPI necessário, a gente tinha que entrar na casa das pessoas, vacinar as pessoas, correndo o risco de contaminá-las ou se contaminar. Proteger do H1N1, mas contaminar com vírus desconhecido…" (ACS Mayara).
"É, então, a gente tinha a questão da N95, das vezes que era para passar um tempo que não era o ideal de uso. A gente tinha um controle por profissional e ela tinha que durar X tempo, só que a gente sabe que às vezes está suja, às vezes caiu no chão, o elástico rompeu, e você precisa da troca e não conseguia a troca, porque não estava no tempo de trocar e não ia ter pra todo mundo, digamos, assim" (ENF Bruna Saldanha).
"A galera comprou máscara PFF-2, precisaram comprar, compraram máscara cirúrgica. Todo mundo precisou comprar oxímetro, a gente recebeu na Unidade, mas eles descalibravam muito facilmente, sumiam, então..." (MFC Átila).
"Tivemos falta de EPI, e quando recebemos, recebemos os EPIs inadequados. A máscara não era adequada, não era a N95 adequada, o avental era de muito baixa densidade, a gente conseguia ver por ele. Volta e meia a gente recebia um material um pouco melhor, mas tinha essa discrepância do material. No início a gente não tinha material algum porque a gente não sabia que ia viver uma pandemia nessa dimensão. O EPI que a gente tinha, na teoria, era para ser descartável, usar um a cada paciente para situações esporádicas, e de repente a gente tinha que atender muitas pessoas com esses sintomas, e não daria para a gente descartar o EPI. Acabou que, no primeiro momento, a gente teve que arcar e comprar o material que fosse próprio, até porque no próprio mercado era difícil de se encontrar, para a gente comprar para a gente. Então, no início a gente deu esse jeito. E depois, vinha material bom, vinha material ruim. Estava intercalando, alternando a qualidade do material. Mas, questão de segurança nossa, era sempre uma sensação de insegurança, uma sensação de que estamos fazendo o nosso melhor possível para nos proteger" (MFC Clara Antunes).
A experiência quanto a disponibilidade de EPI foi diferente em pontos distintos da cidade, de acordo com o relato dos profissionais de saúde, tanto em relação à quantidade quanto à qualidade dos materiais distribuídos às unidades de saúde da APS. Alguns ACS da AP 2.1 e uma MFC da AP 4.0 relataram que não viveram problemas com o abastecimento de EPI enquanto profissionais da AP 1.0 e da AP 2.2 descreveram fragilidades em termos de insumos.
"A clínica sempre forneceu e sempre, quando íamos em VDs, já tinham o kit separado, com avental, com a máscara, já tinha um kit separadinho, e isso, assim, nunca faltou material para isso, não" (ACS Letícia).
"No início, não era nem uma questão muito de quantidade, a gente tinha os EPIs, era mais de qualidade mesmo no início. No início mesmo da pandemia, a gente recebia umas máscaras que parecia aquele material de TNT, sabe? Não era de uma muito boa qualidade não. Depois é que foi vindo um material melhor. Capote também não era lá de uma qualidade muito boa, então a gente não se sentia muito protegido com aquilo. Então, assim, ter o EPI a gente tinha, luva, óculos de proteção, a máscara N95, mas depois de meses, tipo assim, depois da segunda onda que começou a vir um material de melhor qualidade" (ENF Leônidas).
"Teve uma época que a gente recebeu uma máscara que deveria ser uma máscara cirúrgica, padrão, mas a gente recebeu uma que era tipo um TNT, bem bizarro mesmo, em que usar aquilo e nada era a mesma coisa, totalmente aberto dos lados, para amarrar era ruim, e a gente recebeu só essa e assim qualidade péssima, proteção péssima. Como não ficava tampando a parte que tinha que tampar. Acho que os grandes problemas foram esses: com a N95 pelo tempo de troca mesmo, pensar nesses problemas que a gente tem no meio do caminho, da qualidade dessa máscara cirúrgica que veio, que muitas vezes a gente dava para paciente assim, ela e nada é a mesma coisa. Em relação a capote, a gente recebia, não tinha problema que eu me lembre, touca também não, a luva também não. Óculos de proteção, assim, o grande X, era o que mais protegia de certa forma ali, era a questão da máscara" (ENF Bruna Saldanha).
"Aconteceu eventualmente de faltar… um turno sem capote, é uma coisa, mas as coisas mais essenciais, como máscara, nunca faltaram" (MFC Julia Horita).
"Eu não me recordo assim de um momento de um desabastecimento importante, a ponto de colocar a nossa segurança em risco. A gente tinha capote, luva. Pelo menos do que eu vivenciei, máscara, tudo que era necessário" (MFC Amanda Barbosa).
"Eu trabalhei num período que a gente não tinha EPI adequado, que não tinha vacina, que não tinha e não tem ainda tratamento adequado para isso e não adoeci" (MFC Clara Antunes).
O novo cenário imposto pela pandemia de paramentação dos profissionais de saúde despertou inúmeros sentimentos. Houve também quem relatasse o uso inadequado do material de proteção que, à época, estava suficiente, mas subutilizado.
"Não é como uma dinâmica normal que a gente pode ir até de jaleco e sem máscara. A gente tá totalmente paramentado, é uma outra dinâmica de sentimento mesmo, de se perceber, de estar naquele setor, e de como a gente vê as outras pessoas. Tá todo mundo misturado, então o cenário da Unidade se modificou" (MFC Amanda Barbosa).
"Estão lidando com pessoas potencialmente doentes, alguns verdadeiramente doentes. Se está vacinado, mas a vacina não garante que você não vai ter a doença. E lidando de uma maneira assim… sem luva… sem o EPI… porque aquilo atrapalha mesmo o seu trabalho, te estressa mais, e lidando dessa forma. Isso também chamou a minha atenção, porque isso coloca… além de colocar a pessoa em risco, coloca outras pessoas também em risco. Isso foi uma coisa chata, ruim" (MFC Luiz Zanini).